Nome original do viés:  Industry sponsorship bias

Tradução: Rachel Riera

 

Uma tendência de que os métodos e resultados de um estudo apoiem os interesses da instituição financiadora.

Introdução

O viés de financimento da indústria inclui um série de mecanismos pelos quais os estudos são distorcidos – no desenho, na condução e / ou na publicação – para promover interesses comerciais.

Estes mecanismos incluem, mas não estão limitados a: uso de uma questão de pesquisa de tal forma que a resposta seja verdadeira, mas enganosa; escolha de populações não representativas; administração de um medicamento concorrente (comparador) em uma dose não ideal (em testes comparativos); escolhas questionáveis ao analisar os dados; não publicação de resultados estatisticamente não significativos; relato seletivo de resultados; e publicação múltipla de resultados positivos.

O viés de financimento da indústria refere-se à tendência de um estudo científico em apoiar os interesses do patrocinador financeiro do estudo. Esse viés também é conhecido como viés de patrocínio, viés de desfecho financiado, viés de publicação de financiamento e efeito de financiamento (Holman 2018).

Exemplos

Estatinas são prescritas para reduzir o colesterol, que por sua vez se destina a reduzir a mortalidade por eventos coronarianos. Na época em que a revisão de Bero 2007 foi realizada, havia várias estatinas no mercado produzidas por diferentes empresas concorrentes.
Pesquisadores identificaram 95 ensaios clínicos randomizados (ECRs) nos quais várias estatinas foram comparadas entre si ou uma estatina foi comparada a um tratamento mais antigo. As comparações estatísticas entre medicamentos foram classificadas como (a) “favoráveis” às estatinas quando o novo medicamento superava o concorrente, (b) “inconclusivo” quando os resultados não eram estatisticamente significantes e “desfavoráveis” quando o medicamento concorrente mais antigo era superior e o resultado era estatisticamente significativo. Entre os 65 ECR financiados pelo fabricante do medicamento mais novo, resultados favoráveis foram relatados em 66% dos estudos e conclusões favoráveis elaboradas em 79% dos casos. Entre os 30 ECRs
finnaciados pelo medicamento mais antigo, apenas três (10%) relataram resultados favoráveis para o medicamento não patrocinado (isto é, a estatina mais recente), e apenas 4 (13%) endossaram o medicamento não patrocinado na conclusão. Os pesquisadores concluíram que “o principal fator associado aos resultados e conclusões doe estudos financiados pela indústria é o próprio patrocínio da pesquisa” (veja a Tabela 4 no estudo citado).

Bero, L. (2007). Factors associated with findings of published trials of drug–drug comparisons: why some statins appear more efficacious than others. PLoS Medicine, 4(6), e184

 

Impacto

Uma revisão sistemática da Cochrane comparando pesquisas financiadas pela pesquisa constatou que os benefícios do tratamento eram mais propensos a favorecer os produtos do patrocinador (risco relativo = 1,27; IC 95% 1,17 a 1,37) e as conclusões dos autores foram mais favoráveis (risco relativo = 1,34; IC95% 1,19 – 1,51).

Não foi observado que o financiamanto da indústria afetou as estimativas para os desfechos adversos, mas a qualidade das evidências sobre isso é muito baixa. Se isso também superestima o tamanho do efeito (e, se sim, em que grau) varia de acordo com o medicamento. As diferenças observadas não podem ser explicadas por medidas padrão para avaliações de “risco de viés”, pois avaliam apenas as características do desenho do estudo (relacionadas à validade interna).

Um potencial fator contribuinte é a publicação seletiva de resultados de ECRs, na qual ECRs com resultados favoráveis para produtos do financiador têm maior probabilidade de serem publicados do que ECRs com resultados desvavoráveis. Por exemplo, Turner 2008 identificou que 37 de 38 (97%) ECRs pré-marketing sobre antidepressivos que o FDA julgou serem positivos foram publicados. Dos 36 ECR com resultados negativos ou questionáveis, 22 (61%) não foram publicados, 11 (31%) foram publicados de modo narrativo, e apenas 3 (8%) foram relatados claramente como tendo resultados negativos.

Como resultado da publicação seletiva e outras alterações na análise de dados, o tamanho do efeito médio ponderado na literatura publicada foi inflado em cerca de 30% em comparação com os dados tal qual foram submetidos ao FDA.

O uso generalizado de drogas antiarrítmicas fornece um exemplo mais preocupante. Os medicamentos antiarrítmicos da classe 1C foram prescritos para prevenir a parada cardíaca. Representantes da indústria e pesquisadores que trabalhavam para a indústria convenceram o FDA a aceitar um desfecho substituto (intermediário), apesar das preocupações de que a avaliação não tenha considerado o potencial da droga para causar danos (Holman 2017). Um ECR de larga escala mostrou que o uso destas drogas aumentou drasticamente o risco de morte (RR = 2,54). Antes de sua retirada do mercado, o uso generalizado de antiarrítmicos da classe 1C já estava associado a dezenas de milhares de mortes (Moore 1995).

Por fim, os artigos de revisão também são vulneráveis ao viés de financimento da indústria. Barnes e Bero 1998 avaliaram 106 artigos que afirmavam sintetizar a literatura existente sobre os efeitos do fumo passivo sobre a saúde. Destes, 37% concluíram que o fumo passivo não estava associado a consequências negativas para a saúde.

Barnes e Bero avaliaram se cada artigo de revisão foi revisado por pares, se os autores tinham uma afiliação com a indústria do tabaco, qual a condição clínica considerada na revisão (por exemplo, doenças cardíacas, câncer de pulmão, etc), o ano em que a revisão foi publicada e a qualidade metodológica da revisão. O único fator associado a identificação dos efeitos negativos do fumo passivo foi uma afiliação com a indústria do tabaco. Dos autores sem vínculo com a indústria, 87% (65/75) encontraram efeitos negativos na saúde; enquanto que apenas 6% (2/31) dos autores com vínculos com a indústria chegaram a conclusões semelhantes.
As revisões dos efeitos do fumo passivo sobre a saúde e financiadas pela indústria do tabaco, tiveram probabilidade quase 90 vezes maior de concluir que o fumo passivo não era prejudicial quando comparadas com as revisões financiadas por outras fontes. Essa associação foi observada mesmo quando se levou em consideração a qualidade metodológica dos artigos de revisão.

 

Passos para prevenção

Alguns aspectos do viés de financiamento podem ser abordados preventivamente pelos pesquisadores, mantendo o controle sobre o projeto, a conduta, a análise e o relato do estudo, especialmente evitando contratos de pesquisa que incluam acordos de não divulgação ou que permitam ao patrocinador ter qualquer papel no projeto, concepção, realização ou publicação da pesquisa. Essas medidas são necessárias, mas podem não ser suficientes para evitar o viés de financiamento, pois as questões abordadas pela pesquisa patrocinada também podem ajudar a moldar resultados positivos para o patrocinador, e o impacto de resultados negativos pode ter algum papel em futuras oportunidades de financiamento.
A medida preventiva mais eficaz é provavelmente um firewall, no qual as empresas contribuem para um fundo geral de pesquisa, mas não patrocinam diretamente estudos específicos. Os ECRs devem ser planejados para atender a fins científicos e não de marketing. Os comparadores devem ser a melhor opção disponível no mercado e devem incluir intervenções não farmacológicas, se relevantes. As doses dos medicamentos comparadores devem ser equivalentes ao medicamento testadados. Planos detalhados dos ECRs devem ser pré-registrados, incluindo a especificação de análises secundárias planejadas. Todos os dados do estudo devem estar disponíveis publicamente. Essas intervenções, que estão se tornando mais comuns para estudos sobre drogas, devem ser estendidas para incluir estudos com outros patrocinadores do setor.

Link para o original: https://catalogofbias.org/biases/industry-sponsorship-bias/

 

Deve ser citado como: Catalogue of Bias Collaboration, Holman B, Bero L, & Mintzes B. Industry Sponsorship bias. Catalogue Of Bias 2019: https://catalogofbias.org/biases/industry-sponsorship-bias/

 

Fontes

Bero L. Factors associated with findings of published trials of drug-drug comparisons: why some statins appear more efficacious than others. PLoS Med. 2007 Jun;4(6):e184.

Holman, B. (2017). Philosophers on drugs. Synthese. https://doi.org/10.1007/s11229‐017‐1642‐2

Holman, B, Elliott, KC. The promise and perils of industry‐funded science. Philosophy Compass. 2018; 13:e12544. https://doi.org/10.1111/phc3.12544

Lundh, A. Industry sponsorship and research outcome. Cochrane Database Syst Rev. 2017 Feb 16;2:MR000033. doi: 10.1002/14651858.MR000033.pub3. Review.

Moore, T. (1995). Deadly medicines: Why tens of thousands of heart patients died in America’s worst drug disaster. New York, NY: Simon and Schuster.

Turner EH.  Selective publication of antidepressant trials and its influence on apparent efficacy.. N Engl J Med. 2008 Jan 17;358(3):252-60. doi: 10.1056/NEJMsa065779.

 

PubMed feed

Esta fonte pode ser recuperada a partir do PubMed:

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=%27industry+sponsorship+bias%27