Nome original do viés: Lack of blinding

Tradutor: Ana Luiza Cabrera Martimbianco, Rafael Leite Pacheco, Rachel Riera

Ausência de ocultação de uma intervenção ou controle recebido pelos participantes de um ensaio clínico.

 

Introdução

O objetivo do cegamento é reduzir o viés decorrente do conhecimento sobre o grupo (intervenção ou controle) de alocação dos participantes. O cegamento em um ensaio clínico randomizado (ECR) pode ser simples, duplo-cego ou triplo-cego, no entanto, o que importa é definir quem foi cegado, pois os termos para cegamento são facilmente confundidos.

Quem Porque Fonte
Participantes do estudo Para garantir que o participante não mude seu comportamento por saber para qual grupo foi alocado, e assim não relatar suas medidas de desfechos subjetivos de forma diferente da realidade. Um participante que sabe que está recebendo placebo pode ficar desapontado e por isso pode comparecer a mais consultas médicas para tentar obter tratamento adicional. Ele também podem ser mais propenso a sair do estudo durante o seguimento. Schulz KF, Grimes DA. Blinding in randomised trials: hiding who got what. Lancet. 2002;359:696–700

 

Equipe responsável pela coleta de dados A equipe do estudo responsável pela coleta de dados pode registrar as medidas dos desfechos de modo diferente para os participantes se eles souberem em que grupo os mesmos estão alocados.
Avaliadores dos desfechos Os desfechos poderiam ser avaliados de modo diferente se os avaliadores souberem para qual grupo o participante foi alocado. Em um estudo de tratamento para esclerose múltipla, quando neurologistas cegados realizaram a avaliação da doença, não houve diferença entre intervenção e placebo, mas quando os neurologistas não-cegados realizaram a avaliação, houve um aparente benefício da intervenção sobre o controle. Noseworthy JH, Ebers GC, Vandervoort MK, Farquhar RE, Yetisir E, Roberts R. The impact of blinding on the results of a randomized, placebo-controlled multiple sclerosis clinical trial. Neurology. 1994 Jan; 44(1):16-20
Analistas dos dados Garantir que a análise de dados não seja influenciada durante ou após o estudo até que as análises finais sejam concluídas; por exemplo, pela seleção consciente ou inconsciente dos testes estatísticos e relatos.
Clínicos que cuidam dos participantes do estudo Para evitar que os clínicos forneçam tratamentos diferentes para grupos de intervenção e controle, e para evitar que reflitam suas opiniões sobre a alocação dos participantes. Schulz KF, Grimes DA. Blinding in randomised trials: hiding who got what. Lancet. 2002;359:696–700

Na maioria dos estudos, o cegamento deve ser mantido durante o estudo e até o término da análise dos dados. No entanto, para alguns estudos de intervenção, o cegamento não é possível. Por exemplo, não é possível mascarar o consumo dietético em um estudo e pode ser mais difícil conseguir o cegamento em estudos de procedimentos cirúrgicos. Além disso, os efeitos do tratamento ou eventos adversos associados podem ser específicos o suficiente para identificar a alocação para determinada intervenção.

O argumento ético que apoia o cegamento baseia-se conceito de que quando não há conhecimento do participante se um dos tratamentos fornecidos é melhor que o outro, o equilíbrio clínico é aceitável. Há argumentos que desafiam a ética relacionada ao cegamento dos participantes de um estudo. Por exemplo, para um participante de um ensaio clínico, não saber sua alocação pode dificultar o recebimento de tratamento individualizado.

Exemplos

Um exemplo bem documentado de ausência de cegamento é um estudo da vitamina C na prevenção do resfriado comum. Os participantes sabiam que estavam tomando a pílula de intervenção ou de placebo porque os dois tipos de pílula tinham sabores diferentes.

Um ECR publicado em 1975 (Karlowki 1975) foi um exemplo clássico de como a ausência de cegamento adequado em um estudo resulta em viés importante

Em uma revisão sistemática sobre o Tamiflu®, uma das razões mais frequentes para o alto risco de viés dos ECRs incluídos foi o uso de cápsula de placebo com coloração diferente da cápsula ativa, o que não foi mencionado nos artigos publicados e apenas descoberto pela análise de outras formas de relatos dos estudos.

Impacto

Evidências quantitativas demonstram que o cegamento em ensaios clínicosafeta os resultados relatados. Schulz e colaboradores analisaram dados de 250 ECRs que foram incluídos em 33 metanálises. Os ECRs que não relataram duplo-cegamento obtiveram razões de chances, em média, 17% maiores do que os ECRs que relataram.

Desfechos objetivos, como a morte, têm menor risco de viés devido à falta de cegamento, particularmente dos avaliadores dos desfechos. ECRs com desfechos subjetivos (baseados em sensações como dor ao invés de desfechos medidos objetivamente, como registros de diagnóstico) são mais propensos ao viés por ausência de cegamento. Por exemplo, os ECRs de osteoartrite tendem a usar desfechos de dor e função relatados pelo paciente. Um estudo que analisou o impacto da ausência de cegamento em 122 estudos, incluindo 27.452 participantes, constatou que os efeitos estimados do tratamento foram menores para os estudos com cegamento adequado, em comparação com os estudos com cegamento inadequado.

Um estudo analisou o viés e a heterogeneidade associados a aspectos metodológicos relatados por ECRs. A ausência ou o não esclarecimento do duplo cegamento (versus duplo cegamento, onde tanto os participantes quanto a equipe e os avaliadores estão cegados) foram associados a 23% de aumento nas estimativas de efeito de intervenções para desfechos subjetivos (ROR [razão de razões de chances] 0,77, IC 95% 0,61 a 0,93). Em contrapartida, houve pouca evidência deste viés em estudos de mortalidade ou outros desfechos objetivos, ou quando todos os desfechos foram analisados (ROR 0,92, IC 95% 0,74 a 1,14; I2 33%).

Passos para prevenção

O cegamento é um procedimento preventivo e deve ser usado quando for eticamente apropriado e viável. Para estudos com medicamentos, isso inclui igualar o placebo na cor, no formato, no sabor e no esquema de administração. Também é importante que os estudos relatem exatamente quem foi cegado, incluindo investigadores, participantes, equipe que administra a intervenção e avaliadores dos desfechos.

A ocultação de alocação é um procedimento relacionado, mas independente e visa impedir o conhecimento da alocação de um participante e a dedução de alocações subsequentes. A ocultação da alocação tenta assim, reduzir o risco de viés de alocação, uma forma de viés de seleção que ocorre durante o recrutamento e a randomização.

Link para o original: https://catalogofbias.org/biases/lack-of-blinding/

 

Deve ser citado como:

Catalogue of Bias Collaboration, Nunan D, Heneghan C. Lack of blinding. In: Catalogue Of Bias 2018. www.catalogueofbiases.org/biases/lackofblinding

 

Fontes

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