Nome original do viés:  Lead time bias

Tradutor: Ana Paula Pires dos Santos

Primeiro revisor: Luis Eduardo Fontes

Uma distorção que superestima o tempo aparente de sobrevivência com uma doença causada pela antecipação do momento do seu diagnóstico

TEXTO COMPLETO

Introdução

A premissa do rastreamento é que ele permite a detecção e o tratamento precoces de uma doença ou condição de saúde, levando a uma maior chance de cura ou, pelo menos, a uma sobrevivência mais longa. Uma doença ou condição é clinicamente diagnosticada depois que um indivíduo apresenta certos sinais e sintomas. Os indivíduos com doença detectada através de rastreamento populacional recebem um diagnóstico mais cedo, antes do aparecimento de sinais e sintomas. Como consequência, as estimativas de diferenças no tempo de sobrevivência entre as pessoas diagnosticadas a partir do rastreamento e aquelas cuja doença é detectada após o desenvolvimento dos sintomas podem ser tendenciosas, pois o tempo de sobrevivência parecerá ser maior em pessoas rastreadas se a detecção precoce não tiver efeito sobre o curso da doença (figura 1) ou se o tempo de sobrevivência for prolongado (figura 2). O viés de antecipação do diagnóstico não é a exceção, mas a regra que vem com qualquer esforço bem sucedido para detectar doenças precocemente.

 

Figura 1.  Viés de antecipação do diagnóstico onde o desfecho em saúde é o mesmo em alguém cuja doença é detectada pelo rastreamento em comparação com alguém cuja doença é detectada a partir dos sintomas, mas o tempo de sobrevivência a partir do momento do diagnóstico é maior no paciente rastreado.

 

Figura 2. Viés de antecipação do diagnóstico onde o paciente rastreado vive mais tempo do que o paciente não rastreado, mas o tempo de sobrevivência geral ainda é exagerado pela antecipação do diagnóstico.

 

Exemplo

Badgwell e colaboradores compararam a sobrevivência em mulheres com câncer de mama, com 80 anos de idade ou mais, que tinham feito rastreamento mamográfico regularmente, de forma irregular ou não tinham feito rastreamento nos cinco anos anteriores ao seu diagnóstico. Usando um banco de dados vinculado ao Medicare, eles relataram que melhorias estatisticamente significativas na sobrevivência geral e específica de câncer de mama estavam associadas ao uso crescente do rastreamento mamográfico. A sobrevida específica de câncer de mama em 5 anos foi de 82% entre as mulheres não rastreadas, 88% entre as mulheres com rastreamento irregular e 94% entre as usuárias regulares do rastreamento. Em resposta, Berry et al observaram que, embora os autores tivessem reconhecido que seu estudo estava sujeito a um viés de pessoa saudável (onde pacientes saudáveis tendem a ter acesso ao rastreamento), eles não tinham considerado o viés de antecipação do diagnóstico. Como o viés de antecipação do diagnóstico aumenta o tempo de sobrevivência de todas as mulheres cujos tumores foram detectados pelo rastreamento, é esperado um aumento na sobrevivência da coorte rastreada em comparação com o grupo não rastreado, e sem o ajuste apropriado, a diferença observada não pode ser atribuída a um benefício do rastreamento. A cobertura da mídia sobre o estudo mamográfico transmitiu conclusões mais fortes do que talvez os autores pretendessem, observaram Berry et al, auxiliada por um comunicado de imprensa “enganoso” da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, que também falhou em responder pelo viés de antecipação do diagnóstico.

Impacto

Os benefícios da detecção precoce são muitas vezes comunicados aos médicos e pacientes sob a forma de sobrevida prolongada. A sobrevida prolongada pode ocorrer porque a detecção precoce é eficaz, mas alguns dos benefícios observados serão devidos ao viés de antecipação do diagnóstico. Portanto, sem corrigir pela antecipação do diagnóstico, uma sobrevida mais longa não é necessariamente uma prova do benefício da detecção precoce. Isto não parece ser amplamente compreendido, mesmo entre os profissionais e educadores de saúde. Em uma pesquisa com 297 médicos da atenção primária, aos quais foram apresentados resultados de dois rastreamentos hipotéticos, 76% consideraram a maior sobrevida como evidência de que o rastreamento funciona. Um estudo observacional avaliando a literacia estatística em ambientes de educação médica observou que 50% dos 16 professores universitários e educadores médicos seniores incluídos não conseguiram identificar o viés de antecipação de diagnóstico.

Medidas preventivas

Em ensaios controlados randomizados avaliando o rastreamento, o viés de antecipação do diagnóstico pode ser combatido tomando como origem do tempo o momento da randomização, e não o momento do diagnóstico, ou comparando o número de mortes ocorridas em um determinado período de tempo ou o número de pessoas sobreviventes. Em ambientes de observação, uma origem de tempo alternativa à do diagnóstico pode não ser possível e as comparações de sobrevivência requerem ajustes para o viés de antecipação do diagnóstico. Um desses métodos é dado por Duffy e colaboradores. Este método tenta estimar o viés de antecipação do diagnóstico para cada paciente e subtraí-lo da sobrevivência observada ou do momento de censura para criar um tempo de sobrevivência global ajustado para o viés (figura 3). Os autores aplicaram seu método aos dados do estudo de rastreamento de câncer de mama Swedish Two-County. Após a correção do viés de antecipação do diagnóstico, a curva de sobrevivência é menor do que a curva não corrigida, sugerindo que o efeito positivo do rastreamento teria sido superestimado.

 

Figura 3. Exemplo hipotético mostrando a sobrevivência com casos não rastreados (sintomáticos) e casos rastreados antes e depois da correção pelo tempo de diagnóstico.

Link para o original: https://catalogofbias.org/biases/lead-time-bias/

Deve ser citado como: Catalogue of Bias Collaboration. Oke J, Fanshawe T, Nunan D. Lead time bias. In Catalogue of Bias. 2021. https://catalogofbias.org/biases/lead-time-bias/

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Badgwell BD, Giordano SH, Duan ZZ, Fang S, Bedrosian I, Kuerer HM, et al. Mammography Before Diagnosis Among Women Age 80 Years and Older With Breast Cancer. Journal of Clinical Oncology. 2008;26(15):2482-8.

Berry DA, Baines CJ, Baum M, Dickersin K, Fletcher SW, Gøtzsche PC, et al. Flawed Inferences About Screening Mammography’s Benefit Based on Observational Data. Journal of Clinical Oncology. 2009;27(4):639-40.

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