Tradutoras: Branca Heloisa de Oliveira, Rachel Riera
Briana Coles, Universidade de Leicester
Chris Burton, Universidade de Sheffield
Kamlesh Khunti, Universidade de Leicester
Trisha Greenhalgh and Xin Hui Chan, Universidade de Oxford
Lawrence Ross, Hospital de Crianças, Los Angeles
Editor da série:
Professor Trisha Greenhalgh
Em nome da equipe de revisão rápida Oxford COVID-19
Centro de Medicina Baseada em Evidência
Departmento de Serviços de Saúde Cuidados Primários de Nuffield
Universidade de Oxford
Correspondência para kk22@leicester.ac.uk
PARECER
Esta revisão não encontrou ensaios clínicos relevantes comparando a eficácia das vestes quando comparadas aos aventais. Os estudos de simulação de exposição sugerem que o risco de exposição nos profissionais de saúde é maior com aventais do que com vestes, mas não fornecem dados suficientes para quantificar esses riscos no contexto da atividade de atenção primária ou comunitária. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda vestes não estéreis de mangas compridas e luvas para procedimentos geradores de aerossóis (PGAs) e não-PGAs. O Center of Diseases Control (CDC) dos Estados Unidos sugeriu o uso de aventais sobre as vestes como uma medida adicional para fornecer proteção contra a contaminação de roupas durante os PGAs
A roupa de proteção usada adequadamente é apenas um componente de um conjunto de medidas de proteção individual (que também inclui luvas, máscara, proteção ocular e lavagem / desinfecção das mãos).
CONTEXTO
Os profissionais de saúde da atenção primária parecem estar em maior risco de infecção por COVID-19 do que a população em geral (1). As principais vias de transmissão do COVID-19 parecem ser a propagação de gotículas e fômites das mãos para as mucosas (2). A roupa de proteção serve para reduzir a propagação de gotículas ou outros fluidos corporais na pele e na roupa do profissional de saúde e, portanto, reduzir o risco de disseminação secundária para as mãos e depois para as mucosas. As diretrizes para os PGAs recomendam consistentemente uma veste de corpo inteiro, geralmente com um avental à prova d’água por cima. Algumas recomendações (incluindo as diretrizes do NHS da Inglaterra publicadas em 6 de abril de 2020), para cenários de menor risco, como consultas ou exames na atenção primária ou comunitária recomendam um avental, em vez de uma veste, como parte de um conjunto de proteção que inclui ainda máscara, luvas e proteção ocular específica de acordo com a situação (3). A recomendação do uso de avental ao invés de veste protetora, gerou preocupação entre os profissionais de saúde da atenção primária e comunitária sobre a adequação da sua proteção.
As orientações políticas de vários órgãos (por exemplo, Saúde Pública da Inglaterra e OMS) enfatizam a necessidade de avaliar o risco de contágio de um contato e usar a combinação recomendada de equipamentos para cada situação.
A OMS distingue diferentes níveis de risco (4) – por exemplo:
- Precauções padrão, por exemplo, para a equipe que realiza a triagem: higiene das mãos + exigir que qualquer paciente com suspeita de COVID-19 use uma máscara facial;
- “Precauções de contato e gotículas” para o caso suspeito ou confirmado de COVID-19 que não envolve PGAs: higiene das mãos, máscara cirúrgica, vestes protetoras, óculos protetores e luvas;
- “Precauções de contaminação pelo ar” para casos suspeitos ou confirmados de COVID-19 que exigem admissão em unidades de saúde e PGA: higiene das mãos, máscara oro-nasal, veste protetora, óculos de proteção, luvas;
- Coleta de amostras para diagnóstico laboratorial realizada por meio de um PGA: higiene das mãos, máscara oro-nasal, veste protetora, óculos de proteção, luvas e mais precauções adicionais.
As orientações da OMS recomendam vestes protetoras, e não aventais, para PGAs e não-PGAs em todas as circunstâncias, exceto na triagem inicial. Para precauções de contato e gotículas, a recomendação é “um capote limpo, não estéril e de mangas compridas”, além de luvas.
Para os PGAs, a orientação salienta o uso de uma veste protetora limpa e não estéril, de mangas compridas, e luvas. Se as vestes protetoras não forem resistentes a fluidos, os profissionais de saúde devem usar um avental à prova d’água por cima em casos de procedimentos que possam criar altos volumes de fluido e que possam infiltrar na veste.” (4)
Em outras palavras, não há situação em que a OMS recomende um avental de plástico do tipo fornecido à equipe de cuidados primários no Reino Unido. As diretrizes do CDC dos Estados Unidos indicam que as organizações que experimentam uma escassez acentuada de vestes protetoras podem usar aventais descartáveis como um ‘último recurso’, reconhecendo que eles não podem ser considerados um equipamento de proteção individual (5)
ESTRATÉGIA DE BUSCA
Foi realizada uma busca rápida nos bases de dados PubMed e MEDLINE sem restrição de data para identificar quaisquer estudos randomizados, meta-análises ou revisões relevantes. As seguintes palavras-chave foram utilizadas: “Coronavirus”, “COVID-19”, “Severe Acute Respiratory Syndrome”, “SARS”, “MERS”, “influenza”, “respiratory tract infections”, “gown”, “apron”, “smock”, “protective clothing” e o seguinte termo MeSH: Influenza, Human.
Foram identificadas duas revisões sistemáticas Cochrane que eram diretamente relevantes para a pergunta (6, 7). Verbeek et al. Avaliaram o usos de equipamentos de proteção individual para prevenir doenças altamente infecciosas na equipe de saúde devido à exposição a fluidos corporais contaminados. Uma atualização da revisão de Verbeek foi publicada muito recentemente (abril de 2020) e não encontrou estudos adicionais. (8) Jefferson et al. avaliaram intervenções físicas para bloquear ou reduzir a propagação de vírus respiratórios. Esta revisão foi publicada em 2011 e uma atualização está em andamento. Foi identificada uma terceira revisão sistemática sobre a transmissão do vírus sincicial respiratório (9), que não encontrou evidências de efeito protetor das vestes. Não foram encontrados ensaios clínicos controlados randomizados adicionais. Pesquisas adicionais direcionadas não encontraram estudos de simulação de exposição relevantes além dos dois relatados em Verbeek et al., que compararam vestes protetoras com aventais (10, 11).
Foram utilizados os domínios do GRADE (risco de viés, imprecisão, inconsistência, evidência indireta e viés de publicação) para avaliar a certeza no conjunto das evidências. No geral, a certeza nas evidências das revisões é baixa devido á evidência indireta, imprecisão e risco de viés.
Evidência indireta: estudos clínicos foram conduzidos em ambientes hospitalares (alguns envolvendo exposição a PGAs) e não em ambientes comunitários / de atenção primária; eles envolveram doenças não-COVID-19, embora todas fossem doenças respiratórias com propagação pelo ar. Os estudos de simulação de exposição usaram aventais médios a pesados (por exemplo, avental de endoscopia) que são mais grossos do que os aventais descartáveis, que atualmente são usados em ambientes de cuidados primários.
Imprecisão: Não encontramos estudos clínicos comparando diretamente veste protetora e avental. Outros estudos foram relativamente pequenos e incluíram crucialmente a roupa como parte de um conjunto de equipamentos de proteção. Nenhum estudo foi capaz de demonstrar um efeito específico da roupa após as análises ajustadas considerando o uso de outros elementos de proteção.
Risco de viés: os estudos de caso-controle se basearam no auto-relato retrospectivo do uso de roupas de proteção, principalmente a partir do conhecimento do status de caso dos profissionais de saúde.
Resumo dos achados dos artigos mais úteis
Ensaios clínicos controlados randomizados
Não encontramos ensaios clínicos controlados randomizados comparando roupas de proteção (especificamente, vestes ou aventais) com outro tipo de roupa de proteção ou não uso de roupas de proteção em que a infecção respiratória foi um desfecho.
Estudos de caso-controle e coorte
Jefferson et al 2011 incluíram quatro estudos de caso-controle relevantes envolvendo Síndrome Respiratória Aguda Grave ou SARS e extensão da veste de proteção, todos realizados em ambiente hospitalar. De acordo com o checklist do AMSTAR-2, a revisão foi classificada como sendo de boa qualidade. A análise univariada mostrou efeitos protetor contra a infecção com uso da veste protetora (em comparação com não usar), mas, na análise multivariada, o efeito das vestes protetoras não foi estatisticamente significativo. A vestes protetoras eram geralmente usadas como parte de um conjunto de equipamentos de proteção individual.
Estudos de exposição simulada
Verbeek et al. 2019 incluíram 17 estudos com 1950 participantes avaliando 21 intervenções. De acordo com o checklist do AMSTAR-2, a revisão foi classificada como sendo de boa qualidade. A revisão incluiu 12 estudos que simulavam a exposição a gotículas ou líquidos respingados. Desses, dois estudos, Guo al. 2014 (10) e Hall et al. 2018 (11), compararam a contaminação relacionada ao uso e retirada das vestes protetoras em comparação ao uso e retirada dos aventais de plástico. Ambos usaram um spray para simular a propagação de gotículas. Guo comparou a veste protetora impermeável descartável versus avental; Hall comparou o equipamento de proteção individual básico – incluindo máscara, luvas e avental – contra várias combinações de EPI de ‘casos suspeitos’ (todos os quais incluíam máscara oro-nasal, veste protetora ou macacão, cobertura de cabeça, luvas duplas e botas) em um ambiente de exposição simulada comparável à realização de PGAs. A partir dos dados dos artigos originais, parece que os aventais nos estudos de Guo e Hall eram mais grossos do que aqueles fornecidos para a equipe do NHS que atua na linha de frente.
Ambos os estudos mostraram que o avental levou a uma maior contaminação direta do spray e a uma maior contaminação indireta e respingos durante a retirada do mesmo, em comparação com a veste protetora impermeável descartável (10). Hall em al. 2018 concluiu que o equipamento de proteção individual básico era inadequado para ambientes de alto risco, mas foram fornecidos dados insuficientes para interpretar isso no contexto de ambientes de baixo a médio risco (11).
Observações de colocação e retirada da vestimenta
Vários estudos enfatizaram que, embora roupas de proteção e outras medidas forneçam proteção durante o uso, vestir e retirar os equipamentos de proteção individual envolve manobras complexas que muitas vezes não são habituais para os funcionários. Violações das diretrizes e contaminação são comuns, principalmente durante a retirada da vestimenta. Um treinamento prático, testes e apoio da equipe parecem melhorar a aderência ao protocolo.
Avaliação crítica das duas revisões sistemáticas
Checklist do AMSTAR II – Verbeek et al. 2019 e 2020:
As perguntas da pesquisa e os critérios de inclusão da revisão incluíram os componentes do PICO? Sim
O relato da revisão continha uma declaração explícita de que os métodos de revisão foram estabelecidos antes da realização da revisão e justificou algum desvio significativo do protocolo? Sim
Os autores da revisão explicaram a escolha dos desenhos do estudo para inclusão na revisão? Sim. Estudos com controle.
Os autores usaram uma estratégia abrangente de pesquisa bibliográfica? Sim
Os autores realizaram a seleção dos estudos em duplicata? Sim
Os autores realizaram a extração de dados em duplicata? Sim
Os autores da revisão forneceram uma lista de estudos excluídos e justificaram as exclusões? Sim
Os autores descreveram os estudos incluídos em detalhes adequados? Sim
Os autores da revisão utilizaram uma abordagem satisfatória para avaliar o risco de viés (RoB) em estudos individuais que foram incluídos na revisão? Sim
Os autores da revisão relataram as fontes de financiamento para os estudos incluídos na revisão? Sim
Se a metanálise foi realizada, os autores da revisão utilizaram métodos apropriados para a combinação estatística dos resultados? Sim
Se a metanálise foi realizada, os autores da revisão avaliaram o impacto potencial do risco de viés dos estudos individuais sobre os resultados da metanálise ou da síntese de evidências? Sim
Os autores da revisão levaram em conta o risco de viés dos estudos individuais ao interpretar / discutir os resultados da revisão? Sim
Os autores da revisão forneceram uma explicação satisfatória para, e discutiram a heterogeneidade observada nos resultados da revisão? Sim
Se eles realizaram síntese quantitativa, os autores da revisão realizaram uma investigação adequada do viés de publicação e discutiram seu provável impacto nos resultados da revisão? Não – viés de publicação não discutido
Os autores da revisão relataram alguma fonte potencial de conflito de interesses, incluindo algum financiamento recebido pela realização da revisão? Sim
Checklist do AMSTAR II – Jefferson et al. 2011:
As perguntas da pesquisa e os critérios de inclusão para a revisão incluíram os componentes do PICO? Sim
O relato da revisão continha uma declaração explícita de que os métodos de revisão foram estabelecidos antes da realização da revisão e justificou algum desvio significativo do protocolo? Sim
Os autores da revisão explicaram sua seleção dos desenhos do estudo para inclusão na revisão? Sim. Estudos comparativos.
Os autores usaram uma estratégia abrangente de pesquisa bibliográfica? Sim
Os autores realizaram a seleção do estudo em duplicata? Sim
Os autores realizaram a extração de dados em duplicata? Sim
Os autores da revisão forneceram uma lista de estudos excluídos e justificaram as exclusões? Exclusões justificadas
Os autores descreveram os estudos incluídos em detalhes adequados? Sim
Os autores da revisão utilizaram uma abordagem satisfatória para avaliar o risco de viés dos estudos individuais que foram incluídos na revisão? Sim
Os autores da revisão relataram as fontes de financiamento para os estudos incluídos na revisão? Sim
Se a metanálise foi realizad, os autores da revisão utilizaram métodos apropriados para a combinação estatística dos resultados? Sim
Se a metanálise foi realizada, os autores da revisão avaliaram o impacto potencial do risco de viés dos estudos individuais sobre os resultados da metanálise ou outra síntese de evidências? Sim
Os autores da revisão levaram em conta o risco de viés dos estudos individuais ao interpretar / discutir os resultados da revisão? Sim
Os autores da revisão forneceram uma explicação satisfatória para, e discutiram a heterogeneidade observada nos resultados da revisão? Sim
Se eles realizaram síntese quantitativa, os autores da revisão realizaram uma investigação adequada do viés de publicação (viés de estudos pequenos) e discutiram seu provável impacto nos resultados da revisão? Não – viés de publicação não discutido
Os autores da revisão relataram alguma fonte potencial de conflito de interesses, incluindo algum financiamento recebido pela realização da revisão? Sim
REFERÊNCIAS
The Lancet. COVID-19: protecting health-care workers. Lancet. 2020;395(10228):922.
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Centers for Disease Control and Prevention (US). Interim Infection Prevention and Control Recommendations for Patients with Suspected or Confirmed Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) in Healthcare Settings. Atlanta: CDC; March 2020. Accessed 7th April 2020 at https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/infection-control-recommendations.html.
Verbeek JH, Rajamaki B, Ijaz S, Tikka C, Ruotsalainen JH, Edmond MB, et al. Personal protective equipment for preventing highly infectious diseases due to exposure to contaminated body fluids in healthcare staff. Cochrane Database Syst Rev. 2019;7:CD011621.
Jefferson T, Del Mar CB, Dooley L, Ferroni E, Al-Ansary LA, Bawazeer GA, et al. Physical interventions to interrupt or reduce the spread of respiratory viruses. Cochrane Database Syst Rev. 2011(7):CD006207.
Verbeek JH, Rajamaki B, Ijaz S, Sauni R, Toomey E, Blackwood B, et al. Personal protective equipment for preventing highly infectious diseases due to exposure to contaminated body fluids in healthcare staff. Cochrane Database of Systematic Reviews. 2020(in press).
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Hall S, Poller B, Bailey C, Gregory S, Clark R, Roberts P, et al. Use of ultraviolet-fluorescence-based simulation in evaluation of personal protective equipment worn for first assessment and care of a patient with suspected high-consequence infectious disease. J Hosp Infect. 2018;99(2):218-28.