Tradutores: Tatiane B. Ribeiro, Enderson Miranda


 

Marcy C. McCall, Carl Heneghan, David Nunan

Em nome time Oxford COVID-19 Evidence Service
Centro de Medicina Baseada em Evidência, Departamento Nuffield de Ciências da Saúde em Cuidados Primários da Universidade de Oxford

Correspondência para marcy.mccall@phc.ox.ac.uk

 

PARECER

Há evidências de baixa qualidade que sugerem que o exercício físico não tem impacto sobre a taxa e duração da infecção respiratória aguda, mas pode proporcionar uma pequena redução na gravidade dos sintomas. Pesquisas em imunologia criada por exercício físico sugerem que o esforço moderado pode diminuir o risco de infecção respiratória aguda em adultos saudáveis, mas não há avaliação da certeza da evidência de sua confiabilidade. As pesquisas sobre a COVID-19 precisariam dedicar recursos para investigar de forma robusta, as intervenções de exercícios físicos na prevenção ou tratamento potencial durante casos leves, ou para aceleração da recuperação após internação em terapia intensiva por infecção respiratória aguda.

 

CONTEXTO

Dos pacientes que apresentam teste positivo para COVID-19, aproximadamente 14% desenvolvem doença grave que requer hospitalização e suporte de oxigênio e, 5% requerem internação em uma unidade de terapia intensiva. 10% a 20% dos pacientes graves desenvolvem síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) durante 8-14 dias da doença, com complicações que incluem sepse e choque séptico, falência multiorgânica, lesão renal aguda e lesão cardíaca (Yang et al, 2020). A idade avançada e a doenças adjacentes (doença cardiovascular, diabetes, doença respiratória crônica, hipertensão arterial, câncer) estão associadas a maiores taxas de mortalidade durante a infecção pela COVID-19.

 

Diretrizes de tratamento da COVID-19

Não há nenhum tratamento específico antiviral ou outro tratamento qualificado que tenha sido comprovadamente eficaz para a COVID-19.

A orientação interina da Organização Mundial da Saúde (OMS) (13 de março de 2020) para o manejo clínico da COVID-19 recomenda: tratamento de pacientes sintomáticos com casos leves; oxigenoterapia, monitorização e tratamento de coinfecções em casos graves; e tratamento da síndrome do desconforto respiratório aguda (SDRA) (ventilação mecânica), choque séptico (vasopressor, ressuscitação) e prevenção de complicações em casos críticos. O exercício físico não está incluído como uma intervenção para evitar ou estimular durante a infecção pela COVID-19. Nesta rápida revisão, perguntamos: O exercício físico desempenha algum papel na prevenção ou tratamento da infecção respiratória aguda?

 

EVIDÊNCIA ATUAL

Exercício e Infecção Respiratória Aguda (IRA)

Em uma revisão sistemática da Cochrane (atualizada em 4 de abril de 2020), os autores analisaram dados (473 participantes) de 14 ensaios clínicos (ECRs e quasi-ECR) de participantes de 18 a 85 anos de idade para avaliar a efetividade de exercício físico na alteração da ocorrência, gravidade ou duração das infecções respiratórias agudas (IRA). Os principais resultados mostram que nenhuma diferença foi observada entre fazer exercício físico e não fazer nenhum exercício no número de episódios de IRA por pessoa/ano (razão de risco (RR) 1,00, Intervalo de confiança 95% (IC) 0,77 a 1,30; 4 ensaios; 514 participantes; baixa certeza da evidência). Não houve diferença na proporção de participantes que apresentaram pelo menos uma IRA durante o período do estudo (RR 0,88, IC95%  0,72 a 1,08; 5 ensaios; 520 participantes; baixa certeza da evidência); e nos dias de sintomas por episódio de doença (diferença média (MD) -0,44 dias, IC 95% -2,33 a 1,46; 6 ensaios; 557 participantes; baixa certeza da evidência).

O exercício físico reduziu a gravidade dos sintomas da IRA medida no Wisconsin Upper Respiratory Symptom Survey (WURSS-24) (MD -103,57, IC 95% -198,28 a -8,87; 2 ensaios; 373 participantes; moderada certeza da evidencia) e o número de dias de sintomas durante o período de acompanhamento (MD -2,24 dias, IC 95% -3,50 a -0,98; 4 ensaios; 483 participantes; moderada certeza da evidencia).

O exercício físico não teve um efeito significativo nos parâmetros laboratoriais (linfócitos sanguíneos, imunoglobulina secretora salivar e neutrófilos), qualidade de vida, custo-efetividade e lesões relacionadas ao exercício. Não houve diferença na desistência dos participantes entre os grupos intervenção e controle. A certeza das evidências foi baixa e rebaixada pelos autores principalmente devido às limitações no desenho, implementação, imprecisão e inconsistências nos estudos.

Em um overview de revisões sistemáticas (Rocco et al., 2018), os pesquisadores analisaram dados de quatro revisões sistemáticas (incluindo uma versão mais antiga da revisão da Cochrane com 14 estudos primários) para avaliar a efetividade clínica do exercício físico na prevenção de infecções do trato respiratório superior. Os autores meta-analisaram cinco ensaios randomizados envolvendo apenas 311 participantes. Eles observaram uma redução na incidência de infecção (RR 0,84, IC 95% 0,65 a 1,10; 72 infecções menos [157 menos a 45 a mais] por 1.000 pessoas) em pessoas com exercícios aleatórios ou de intensidade moderada por 8 semanas a 12 meses. As evidências foram avaliadas pelo GRADE como qualidade “muito baixa”, o que significa que os achados são altamente incertos.

Martin et al., 2009, sugerem que os resultados após infecções respiratórias virais são melhorados após exercícios moderados, com base em evidências epidemiológicas e modelos animais. Eles sugerem que os hormônios de estresse estimulados durante o exercício reduzem a inflamação local excessiva e distorcem a resposta imune para longe de um TH1 e em direção a um fenótipo TH2. Há ausência de estudos em humanos e mecanismos de modelagem experimental.

Exercício e Imunologia

Uma revisão sistemática de 2020 (Gonçalves et al., 2020) incluiu 15 pequenos ensaios (8 ECR, 7 não ECRs), e analisou os efeitos agudos (n=13) e crônicos (n=2) do exercício aeróbico sobre marcadores inflamatórios em adultos saudáveis (n=296, menor n=8, maior n=64). As intervenções variaram em intensidade (60% a 85% do VO2 máximo) e duração de 18 a 240 minutos (n=14), ou até a exaustão (n=1). Nenhum dos estudos incluídos foi avaliado como baixo risco de viés de alocação, randomização, viés de seleção, ocultação de alocação, cegamento e relato seletivo. As medidas de resultado que tentaram entender o envolvimento das células, células do sistema imunológico e moléculas de ligação em exercícios de curto e longo prazo foram listadas como Leucócitos, neutrófilos e granulócitos; Linfócitos e Células NK e NKT: CD3+, CD4+, CD8+, CD16+, CD18+, CD19+, CD20+, CD22+, CD44+, CD45+, CD56+, CD95+, e suas proporções; Citocinas e interleucinas (IL): IL-1, IL-2, IL-6, IL-8, IL-10 e IL12; Fator de necrose tumoral (TNF-α); Interferon-Gamma (IFN-γ); Imunoglobulina (Ig): IgG, IgA e IgM; Moléculas de adesão: ICAM-1, ICAM-2, ICAM-3. Neste estudo, nenhuma metanálise foi realizada e uma tabulação de contagem de votos foi utilizada. Os efeitos crônicos do exercício aeróbico sobre os marcadores imunológicos permanecem inconclusivos e investigações futuras são necessárias.

Uma revisão narrativa (Pederson & Toft, 2000) destaca as evidências que mostram que o exercício ao longo da vida parece aumentar a resistência às infecções do trato respiratório superior, enquanto o exercício extenuante e repetido suprime a função imunológica. Não houve avaliação da qualidade e confiabilidade dos dados nos estudos incluídos. Em outros estudos, Neiman conclui (2000, 1999, 1998, 1995) que o exercício intenso prolongado causa imunossupressão, enquanto o exercício de intensidade moderada melhora a função imunológica e potencialmente reduz o risco e a gravidade das infecções respiratórias virais. Um modelo em forma de J retrata o efeito dose-dependente do exercício sobre o risco e gravidade da infecção do trato respiratório (ver Figura 1).

Figura 1. A forma J do efeito dose-resposta, entre o exercício e infecção do trato respiratório (Copyright: Neiman 1999)

Pesquisas que fundamentaram a dose-resposta em forma de J foram realizadas em atletas treinados ou de elite, desta forma, limitando a validade externa dos resultados. Uma resposta positiva ao exercício moderado durante uma doença respiratória aguda parece infundada em outras pesquisas, em populações onde uma intervenção de exercício físico poderia apresentar eventos adversos graves. Em uma análise mais recente, Neiman e Wentz (2019) sumarizaram as áreas da imunologia do exercício físico, seu progresso e potencial, advogando por novas tecnologias para responder às questões existentes sobre as interações entre exercício físico, nutrição e imunidade.

Exercício Físico e Recuperação da UTI: Capacidade funcional e qualidade de vida relacionada à saúde

Um estudo transversal aninhado reportou a presença de inflamação após doença grave associada à má recuperação física durante os primeiros 3 meses de alta da unidade de terapia intensiva (UTI). A função esquelética e o condicionamento muscular são benefícios adicionais do exercício regular, especialmente após períodos sedentários de hospitalização.

Uma revisão sistemática de ensaios de reabilitação baseada em exercícios físicos (Connolly et al., 2015) realizados após a alta da unidade de terapia intensiva (UTI), descreveu a ausência de robustez metodológica entre os estudos. Os autores observaram que não havia nenhum efeito discernível na capacidade funcional ou na qualidade de vida relacionada à saúde (HRQOL) após intervenções de exercício físico iniciadas durante o período pós-UTI.

EVIDÊNCIAS EMERGENTES NA COVID-19

Estudos clínicos estão em andamento para avaliar intervenções seguras e efetivas na redução da inflamação respiratória e a infecção causada pela COVID-19. Em 585 ensaios clínicos registrados (até 16 de abril de 2020), 12 estudos prospectivos da COVID-19 incluem a atividade física ou o exercício físico como uma variável. Destes estudos, sete planejam estudar exercícios físicos e um planeja estudar meditação como intervenções para melhorar o estresse ou a qualidade de vida durante o isolamento social. Dois estudos irão observar o efeito da COVID-19 na atividade física (Autor 1: Ertürk, Turquia; Autor 2: Avcil, Turquia). Um estudo (Autor: Péter, Hungria) irá testar a eficácia da educação geral em saúde (incluindo aconselhamento de atividade física) para diminuir as taxas de hospitalização e acesso a serviços de saúde para a doença COVID-19. Um dos estudos planeja implementar um programa de tele reabilitação para pacientes com COVID-19 medindo os resultados primários: VAS para dispnéia, Escala Modificada de Borg para fadiga, Questionário de Tosse de Leicester, Timed Up and Go,… (Autor 1. Cirak, Turquia).

Em resumo, dois dos 585 ensaios registrados (clinicaltrials.gov) têm como objetivo testar a eficácia do exercício ou atividade física para o tratamento dos sintomas relacionados à COVID-19.

CONCLUSÕES

Há evidências de baixa qualidade que sugerem que o exercício físico não tem impacto sobre a taxa e duração da infecção respiratória aguda, mas pode proporcionar uma pequena redução na gravidade dos sintomas. Pesquisas em imunologia relacionada ao exercício físico sugerem que o esforço moderado pode diminuir o risco de infecção respiratória aguda em adultos saudáveis, porém a certeza da evidência não foi avaliada. As pesquisas sobre a COVID-19 precisariam dedicar recursos para investigar de forma robusta as intervenções de exercício físico como prevenção ou tratamento potencial durante casos leves, ou para aceleração da recuperação após internação em terapia intensiva por infecção respiratória aguda.

Fim.

Declaração: este artigo não foi revisado por pares; ele não deve substituir o julgamento clínico individual e as fontes citadas devem ser verificadas. As opiniões expressas neste comentário representam as opiniões dos autores e não necessariamente as da instituição anfitriã, do NHS, do NIHR, ou do Departamento de Saúde e Assistência Social. Os pontos de vista não são um substituto para o aconselhamento médico profissional.

 

Autores
Marcy C. McCall, BKin, MSc, DPhil, Palestrante e pesquisadora associada sênior, Departamento de Ciências da Saúde de Nuffield da Universidade de Oxford.

Carl Heneghan, BM, BCH, MA, MRCGP, DPhil, Professor de Medicina Baseada em Evidências e Diretor do Centro de Medicina Baseada em Evidencia (CEBM) da Universidade de Oxford.

David Nunan, BSc, MSc, PhD, Professor e Pesquisador Sênior, Departamento de Ciências da Saúde de Nuffield da Universidade de Oxford. Diretor do Certificado de Pós-Graduação Teaching Evidence-Based Health Care.

ESTRATÉGIA DE BUSCA
Uma busca rápida da evidência disponível foi realizada no MEDLINE, Cochrane Library e Google Scholar (first 100 references). Termos buscasos: (((((“acute”[All Fields] OR “acutely”[All Fields]) OR “acutes”[All Fields]) AND ((((“respiratory tract infections”[MeSH Terms] OR ((“respiratory”[All Fields] AND “tract”[All Fields]) AND “infections”[All Fields])) OR “respiratory tract infections”[All Fields]) OR (“respiratory”[All Fields] AND “infection”[All Fields])) OR “respiratory infection”[All Fields])) OR ((((“virus diseases”[MeSH Terms] OR (“virus”[All Fields] AND “diseases”[All Fields])) OR “virus diseases”[All Fields]) OR (“viral”[All Fields] AND “infection”[All Fields])) OR “viral infection”[All Fields])) NOT (“hiv”[MeSH Terms] OR “hiv”[All Fields])) AND (((((((((((((“exercise”[MeSH Terms] OR “exercise”[All Fields]) OR “exercises”[All Fields]) OR “exercise therapy”[MeSH Terms]) OR (“exercise”[All Fields] AND “therapy”[All Fields])) OR “exercise therapy”[All Fields]) OR “exercise s”[All Fields]) OR “exercised”[All Fields]) OR “exerciser”[All Fields]) OR “exercisers”[All Fields]) OR “exercising”[All Fields]) OR (((“exercise”[MeSH Terms] OR “exercise”[All Fields]) OR (“physical”[All Fields] AND “activity”[All Fields])) OR “physical activity”[All Fields])) OR (“yoga”[MeSH Terms] OR “yoga”[All Fields])) OR ((((((((((“meditate”[All Fields] OR “meditated”[All Fields]) OR “meditating”[All Fields]) OR “meditation”[MeSH Terms]) OR “meditation”[All Fields]) OR “meditations”[All Fields]) ) OR “meditational”[All Fields]) OR “meditative”[All Fields]) OR “meditator”[All Fields]) OR “meditators”[All Fields])) AND ((“clinical trial”[Publication Type] OR “systematic review”[Publication Type]) OR “randomized controlled trial”[Publication Type])

 


REFERÊNCIAS

Todas as referências utilizadas nesta revisão estão disponíveis nos hiperlinks acima.

 

Link para o original: https://www.cebm.net/covid-19/does-physical-exercise-prevent-or-treat-acute-respiratory-infection-ari/

 

Deve ser citado como: Oxford COVID-19 Evidence Service. Marcy C. McCall, Carl Heneghan, David Nunan. Does physical exercise prevent or treat acute respiratory infection.  https://www.cebm.net/covid-19/does-physical-exercise-prevent-or-treat-acute-respiratory-infection-ari/