Tradutores: Paulo Nadanovsky, Ana Luiza Cabrera Martimbianco


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14 de maio de 2020

 

Susannah Fleming, Carl Heneghan

Segundo a Roche, seu novo teste de anticorpos COVID-19 tem “uma especificidade maior que 99,8% e uma sensibilidade de 100%”.

 

O que nos dizem a sensibilidade e a especificidade?

A sensibilidade nos diz a proporção de pessoas que testam positivo na população que deveria ter testado positivo. Neste caso, uma sensibilidade de 100% nos diz que todas as pessoas com histórico de infecção pela COVID-19 tiveram um teste de anticorpos positivo. (Testes com sensibilidade e especificidade verdadeiramente de 100% são muito raros. Eu suspeito que, neste caso, a sensibilidade é muito alta, mas talvez não de fato 100%).

A especificidade nos diz a proporção de pessoas que testam negativo na população que deveria ter testado negativo. Neste caso, uma especificidade de 99,8% nos diz que 2 em 1.000 pessoas (0,2%) testaram positivo para o teste de anticorpos, embora deveriam ter testado negativo.

Certamente está tudo bem? 99,8% e 100% são números grandes. Mas o que isso significa para um indivíduo que recebe um resultado do teste de anticorpos?

Bem, sensibilidade e especificidade não podem realmente nos ajudar. Eles nos contam o que acontece se já sabemos qual deveria ter sido a resposta correta. Mas se você está fazendo um teste, a questão é que você não sabe a resposta certa. Você recebe um resultado de teste e quer saber qual é a probabilidade de que ele seja correto.

 

Interpretando um resultado de teste individual

Para isso, precisamos de duas estatísticas diferentes: o valor preditivo positivo e o valor preditivo negativo. Estas nos dizem a probabilidade de o resultado estar certo, diante de um teste positivo ou negativo. Antes de podermos calculá-las, precisamos de outra informação, a prevalência. Isto nos diz o quão comum é uma condição na população.

Nós temos algumas estimativas da prevalência da COVID-19, embora ainda não estejamos completamente seguros disso. Por enquanto, vamos supor que a prevalência seja de 5%.

Portanto, se temos 10.000 pessoas em nossa população. Com uma prevalência de 5%, ou seja, 500 devem ter anticorpos, e 9.500 não.

Sendo generosos, e assumindo a alegação da Roche de 100% de sensibilidade, nós sabemos que todas as 500 pessoas que deveriam ter anticorpos terão testes positivos. Entretanto, 0,2% das pessoas sem anticorpos (19 dos 9.500) também terão um teste positivo.

Presumindo a prevalência de 5%, das pessoas que tiverem um teste positivo, 96,3% (500/519) terão um “verdadeiro positivo”. Este é o valor preditivo positivo.

Como não há falso negativos, o valor preditivo negativo é de 100%

Isto não é tão bom quanto 99,8% e 100%, mas ainda assim é muito bom. Nós podemos estar bastante confiantes tanto nos testes positivos quanto nos negativos. O mais importante neste caso são os testes positivos, pois podem ser usados para decidir se alguém está seguro para voltar ao trabalho ou à escola, ou para sair do isolamento. No entanto, cerca de 4% (1 em 25) dos testes positivos podem ser falso positivos. É importante que as pessoas que recebem os testes estejam cientes disso.

Como isso muda para uma prevalência diferente? Se a prevalência for de 10%, ao invés de 5%, então a situação é um pouco melhor. Como agora se espera que uma proporção maior da população seja positiva, o número de verdadeiro positivos aumenta, enquanto o número de falso positivos diminui um pouco.

Nosso valor preditivo positivo aumenta para 98,2%, enquanto nosso valor preditivo negativo ainda é de 100%.

Mesmo que não confiemos no valor de 100% de sensibilidade, é provável que ele seja bastante alto. Como há muito mais verdadeiro negativos do que os falso negativos ocasionais, mesmo que baixemos a sensibilidade para 99%, não há efeito real sobre o valor preditivo negativo – na pior das hipóteses ele cai para 99,9%.

Então, como um indivíduo pode interpretar seu resultado a partir deste teste de anticorpos? Se eles tiverem um teste de anticorpos negativo, eles podem ter quase certeza de que não têm anticorpos para COVID-19. Se eles tiverem um teste positivo, é muito provável que tenham anticorpos, embora haja uma possibilidade de 2-4% de um falso positivo.

O que ainda não sabemos é se um teste de anticorpos positivo está associado à proteção contra futura infecção pela COVID-19. E como ainda não vimos os métodos de estudo, não podemos dizer se estes resultados são confiáveis ou não.

 

Sobre os autores

Susannah   Fleming é uma Pesquisadora Quantitativa Sênior no Nuffield Department of Primary   Care Health Sciences. Biografia aqui

Carl Heneghan é Professor de Medicina Baseada em Evidência, Diretor do Centro de Medicina Baseada em Evidência e Diretor de Estudos para o Programa de Cuidado em Saúde Baseado em Evidência. (Biografia completa e declaração de conflitos de interesse aqui)

 

 

Aviso: o artigo não foi revisado por pares e as fontes citadas devem ser verificadas. As opiniões expressas neste comentário representam as opiniões dos autores e não necessariamente as da instituição anfitriã, do NHS, do NIHR, ou do Departamento de Saúde e Assistência Social. Os pontos de vista não são um substituto para o aconselhamento médico profissional.