Tradutores: Ana Paula Pires dos Santos, Enderson Miranda


 

 

8 de abril de 2020

Tom Jefferson, Carl Heneghan

Um rápido olhar sobre a distribuição dos casos da SARS-CoV-2 pelo sul da Europa mostra que a circulação viral é generalizada. [1] Uma maior incidência pode ser explicada (pelo menos em parte) pelo velho ditado “procure e encontrará”. Traduzido em linguagem técnica, é um viés de identificação.[2]

Se você testar, testar, testar, você vai encontrar. [3] As epidemias não são estranhas ao viés de identificação. Na primavera de 1918 a censura militar garantiu que a maioria das informações relacionadas a uma misteriosa síndrome respiratória aguda fosse suprimida. Exceto em lugares como a Espanha, que não tinha aderido à guerra e não tinha censura. Assim, a liberação seletiva de informações fez parecer que a maioria dos casos vinha da Península Ibérica – daí o nome “gripe espanhola”.

A despeito da linguagem técnica, não pode haver dúvidas de que a Covid-19 pode estar muito mais amplamente distribuída do que alguns acreditam. Na época em que o primeiro caso sintomático foi diagnosticado em Vo Euganeo, Itália, cerca de 3% já tinham sido infectados e a maioria estava assintomática. [4]

Também não pode haver dúvidas de que o preço do lockdown e da paralisia econômica para a sociedade provavelmente será pago pelas gerações futuras. No curto prazo, a devastação econômica parece certa, impondo uma pesada penalização a nós e provavelmente às gerações sucessivas.

Em Bergamo, Itália, os clínicos refletiram sobre como se preparar para o próximo surto. A visão deles é que o foco nos hospitais é a maneira errada de lidar com a COVID. [5]

Os sintomas da Covid-19 são incomuns, abrangentes e, em alguns casos, podem ser graves: o excesso de encaminhamento pode levar a um número significativo de pessoas aparecendo ou sendo enviadas para o hospital. A doença então se espalha rapidamente em ambientes hospitalares. [5]  Os profissionais de saúde têm um risco maior tanto de exposição como de serem os vetores de transmissão, como aconteceu no surto de SARS em 2002-3.

Como não há tratamentos licenciados para intervenções não-farmacológicas para Covid-19, o manejo das complicações e o reconhecimento precoce daqueles que pioram e têm maior probabilidade de se beneficiarem da hospitalização devem ser a base do controle.

Mudar a ênfase dos hospitais para a comunidade poderia evitar um desastre para a população em geral. Os cuidados no ambiente doméstico restringem os movimentos dos infectados. Todos aqueles com febre e tosse devem ficar em casa. Eles poderiam ser prescritos oxímetros de pulso e oxigênio para os casos gravemente afetados. Antibióticos de resgate prescritos juntamente com monitoramento diário por vídeo poderiam ser usados para detectar a piora. Para a população idosa, os doentes leves e aqueles em recuperação, os alimentos deveriam ser entregues em suas casas.

Pacientes idosos internados no hospital correm maior risco de delírio, feridas de pressão, efeitos adversos de novos medicamentos, desnutrição e infecções hospitalares.  [6] Uma pessoa idosa internada no hospital corre o risco de não voltar a ver a luz do dia. Esta é provavelmente a mensagem mais clara vinda da Itália.

O lockdown vai levar todos nós e nossos descendentes à falência e é improvável que neste ponto diminua ou interrompa a circulação viral, pois o gênio está fora da garrafa.   A situação atual se resume a isto: o colapso econômico é um preço que vale a pena pagar para parar ou retardar o que já está entre nós?

Tom Jefferson é um tutor associado sênior e pesquisador honorário, Centro de Medicina Baseada em Evidência, Universidade de Oxford.

Declaração de conflitos de interesse aqui

Carl Heneghan é Professor de Medicina Baseada em Evidência e Diretor do Centro de Medicina Baseada em Evidência

Declaração de conflitos de interesse aqui

Aviso: o artigo não foi revisado por pares; ele não deve substituir o julgamento clínico individual e as fontes citadas devem ser verificadas. As opiniões expressas neste comentário representam as opiniões dos autores e não necessariamente as da instituição anfitriã, do NHS, do NIHR, ou do Departamento de Saúde e Assistência Social. Os pontos de vista não são um substituto para o aconselhamento médico profissional.

Referências

[No title]. https://www.ecdc.europa.eu/sites/default/files/documents/Communicable-disease-threats-report-28-mar-2020_0.pdf (accessed 29 Mar 2020).

2     Ascertainment bias – Catalog of Bias. Catalog of Bias. 2017.https://catalogofbias.org/biases/ascertainment-bias/ (accessed 29 Mar 2020).

3     WHO Director-General’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 – 16 March 2020. https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19—16-march-2020 (accessed 30 Mar 2020).

4     Crisanti A, Cassone A. In one Italian town, we showed mass testing could eradicate the coronavirus | Andrea Crisanti and Antonio Cassone. the Guardian. 2020.http://www.theguardian.com/commentisfree/2020/mar/20/eradicated-coronavirus-mass-testing-covid-19-italy-vo (accessed 29 Mar 2020).

[No title]. https://catalyst.nejm.org/doi/full/10.1056/CAT.20.0080 (accessed 30 Mar 2020).

6     Older Patients: Common Risks for Seniors in the Hospital. https://www.parentgiving.com/elder-care/older-patients-at-risk-in-the-hospital/ (accessed 30 Mar 2020).

Link para o Original: https://www.cebm.net/covid-19/covid-19-the-tipping-point