Tradutores: Ana Paula Pires dos Santos, Ana Luiza Cabrera Martimbianco


 

5 de maio de 2020

Tom Jefferson, Carl Heneghan

O grande estrategista alemão Helmuth Von Moltke resumiu incerteza da seguinte forma:

“Nenhum plano de operações se estende com qualquer certeza além do primeiro contato com a principal força hostil”.

Na arena dos agentes infecciosos respiratórios, o ‘gênio tático‘ de Moltke poderia ajudar nosso pensamento atual.

Moltke pensava que só era possível planejar o início de uma operação militar.  O que ele quis dizer é que os líderes não podem prever o futuro e, portanto, precisam de flexibilidade em seu planejamento, pois a incerteza sempre vai acontecer.

As incertezas

Nós não temos ideia de quantos agentes respiratórios existem. Desde 1970, 1.500 patógenos foram descobertos. 70% destes provêm de animais. Alguns autores relatam que mais de 40% das infecções respiratórias não têm causas reconhecidas. Na nossa análise de dados de vigilância de RCGPRoyal College of General Practitioners – (semana 17 de 2020), de 428 amostras, 353 (82,5%) eram um agente desconhecido e apenas 75 (17,5%) eram positivas para a COVID 19.

Talvez isto aconteça porque os nossos métodos de identificação não são bons, ou talvez porque os agentes não são infecciosos ou porque as infecções são causadas por agentes desconhecidos como a COVID-19 era até há alguns meses. Ou talvez seja uma mistura dessas razões.

Pela sua própria natureza, os vírus são objetos não vivos que requerem substrato do hospedeiro para se reproduzir e sofrer mutações aleatórias. Alguns deles o fazem a taxas muito altas. Isto tem duas grandes implicações. Primeiro, visar a uma configuração antigênica definida corre o risco de perseguir o “vírus de ontem”, como no caso da gripe. Segundo, concentrar todos os nossos esforços em atingir agentes específicos pode nos desviar a atenção do aparecimento de novas ameaças e nos levar a uma falsa sensação de segurança.

Esta última é a história da nossa preparação para a COVID 19 ou quaisquer outros agentes para os quais não temos intervenções preventivas específicas ou terapias.

O que devemos fazer para minimizar os riscos do desconhecido?

Nós não entendemos realmente a ecologia dos vírus respiratórios e não podemos conhecer ou entender a ecologia dos desconhecidos. Para aprofundar nosso entendimento e minimizar os riscos nós precisamos:

  1. Estudar zoonoses em detalhes, incluindo contato entre humanos e animais selvagens.
  2. Dedicar recursos para compreender a origem dos surtos e possíveis fatores facilitadores para sua difusão.
  3. Despolitizar as soluções. Como todos estes agentes são potenciais ameaças globais, a politização e insultos difamatórios podem impedir a ciência, criando barreiras onde nenhuma deveria existir.
  4. Pensar no patógeno multi-respiratório em termos de soluções: Como não sabemos o que está por vir, devemos confiar em medidas que sejam inespecíficas, ou seja, não dirigidas a agentes únicos. Estas já são familiares a todos agora: distanciamento, barreiras, rastreamento de contato e higiene. O bônus aqui é que a maioria das medidas também funcionam contra outros tipos de agentes, como as infecções gastrointestinais.
  5. Devemos entender o impacto dos locais de quarentena ou isolamento. Esses devem ser instalações dedicadas autônomas, onde pacientes infectados ou potencialmente infectados podem ser tratados sem riscos ou deslocamento daqueles que precisam de cuidados rotineiros.
  6. Entender o papel que o ambiente urbano tem na facilitação da dinâmica de transmissão das infecções respiratórias. Isso inclui o papel das cidades e vilas; edifícios (por exemplo, edifícios altos, hospitais, casas de repouso); e modos de transporte (como aviões, ônibus e navios de cruzeiro).

Nosso entendimento das propriedades dos patógenos respiratórios é incompleto e as lacunas na evidência são vastas – elas devem ser preenchidas com urgência. Devemos privilegiar estudos que analisem os efeitos de uma variedade de intervenções e experimentos com diferentes materiais para reduzir a propagação, os danos (e, portanto, aumentar a adesão) e o contato.

Além disso, estudos de remédios específicos, como medicamentos e vacinas, devem ser realizados abertamente com dados anônimos e disponibilizados publicamente. É possível que voluntários altruístas renunciem ao direito ao anonimato como um serviço à humanidade, tornando assim o conjunto de dados completo e replicável. Compostos desenvolvidos com auxílio do Estado ou destinados a amplo consumo não devem ser encobertos por qualquer forma de confidencialidade. O sigilo gera teorias de conspiração levando a divisões e intromissão política.

‘Nenhum plano de batalha jamais sobrevive ao contato com o inimigo’, disse Von Moltke. Nossos chamados ‘planos’ para lidar com o surto não sobreviveram ao contato com a COVID-19.

Tom Jefferson é um tutor associado sênior e pesquisador honorário, Centro de Medicina Baseada em Evidência, Universidade de Oxford.

Declaração de conflitos de interesse aqui

Carl Heneghan é Professor de Medicina Baseada em Evidência e Diretor do Centro de Medicina Baseada em Evidência

Declaração de conflitos de interesse aqui