Tradutores: Carine Raquel Blatt, Luis Eduardo Fontes
7 de abril de 2020
Tom Jefferson, Carl Heneghan
As máscaras atuam como um símbolo para a sociedade – você está protegido. As evidências dizem que você pode não estar.
Representações do século XVII de “médicos da peste” mostram eles usando uma longa máscara semelhante a um bico, amarrada com corda e carregando uma chama desinfetante no bico.
A chama era para evitar que miasmas de peste entrassem no corpo do médico, mas carregando uma máscara que ele fez.
A questão que agora está sendo debatida calorosamente é se na atual pandemia devemos ou não usar máscaras e, se for o caso, em que circunstâncias.
Há treze anos um de nós foi co-autor do que foi (até onde sabemos) a primeira revisão sistemática de intervenções físicas para prevenir a propagação de vírus respiratórios. A revisão foi atualizada em 2009 e novamente em 2011 e agora está acessível gratuitamente no site da Cochrane.
Nossa primeira revisão teve um núcleo de evidências de 7 estudos de casos-controle realizados no Extremo Oriente durante a epidemia de SARS-1 de 2003. Os estudos foram realizados em sua maioria em situação de emergência, com pesquisadores sob muita pressão para fornecer respostas para os tomadores de decisão.
As evidências fornecidas demonstraram que múltiplas intervenções, como barreiras, distanciamento e higiene, diminuíram o risco de infecção. No entanto, a maior parte das evidências veio de ambientes de trabalhadores da saúde, com apenas um caso-controle avaliando grupos de famílias, dentro de suas residências. Nas atualizações seguintes, adicionamos mais alguns estudos observacionais e o número de estudos randomizados aumentou, mas não muito.
Este ano produzimos mais uma atualização. Devido ao esperado maior número de estudos e à pressa dos nossos financiadores em obter respostas, decidimos dividir a atualização da revisão em duas partes. Estávamos confiantes de que teríamos uma série de estudos para responder nossas perguntas com maior precisão do que estudos de caso-controle. A primeira parte inclui evidências dos efeitos de máscaras faciais, proteção ocular e distanciamento de pessoas como intervenções únicas, não em combinação.
As evidências provenientes de 14 estudos sobre o uso de máscaras versus não uso de máscaras foram decepcionantes: não mostraram efeito nem em trabalhadores da saúde nem em ambientes comunitários. Também não encontramos evidências de diferença entre a N95 e outros tipos de máscaras, mas os ensaios comparando as duas não tinham sido realizados em procedimentos geradores de aerossóis.
No entanto, nossas descobertas não podem ser a palavra final.
Para começar, a maioria dos estudos foram mal relatados e realizados durante estações de doenças gripais quando a circulação viral é variável, mas provavelmente muito abaixo do que ocorria nas áreas da Lombardia no início de março. O desenho e execução de alguns dos ensaios também foram questionáveis e, como a maioria foi alocada em cluster, o cegamento foi difícil, se não impossível.
Os estudos realizados “na comunidade” foram de fato em locais específicos, como residências, grupos familiares ou peregrinos religiosos.
As evidências também foram em sua maioria geradas por dois grupos de pesquisadores. Os danos causados pelo uso das máscaras foram subnotificados e ninguém relatou em detalhes sobre não aderência e possíveis razões para isso.
Frequentemente é mais difícil respirar enquanto se usa máscaras (particularmente as máscaras respiratórias), o que pode exacerbar outros problemas de saúde. Uma revisão de 84 artigos descobriu que as máscaras protetoras também afetam negativamente os mecanismos respiratórios e dérmicos da termorregulação humana, tornando difícil para muitos o uso constante.
Pensar que você está protegido, significa que você pode se colocar em maior risco, e como indivíduos, vamos mudar nosso comportamento em resposta aos níveis de risco percebidos. Somos mais cuidadosos se o nível de risco for alto e menos cuidadosos se for baixo. As medidas que podemos tomar podem incluir lavar as mãos, evitar tocar, distanciamento social, fechamento de escolas e auto-isolamento quando não se está saudável. Você também pode acabar tocando o seu rosto com mais freqüência.
Uma máscara pode ficar suja com excesso de umidade e contaminada com patógenos transportados pelo ar. E porque a sua voz está abafada; os indivíduos podem ter que se aproximar das pessoas, particularmente os idosos, para ouvir você.
Se as máscaras forem recomendadas, pode ocorrer pânico se a disponibilidade da máscara for limitada; mal podemos obter suprimentos suficientes para nossos profissionais de saúde. As máscaras de pano, onde não há evidência de eficácia, podem ser vistas como inferiores às máscaras respiratórias. Além disso, a compra pública de máscaras pode limitar a disponibilidade em serviços de saúde. Nem todos podem pagá-las, as máscaras precisarão ser financiadas publicamente, de forma regular e contínua.
Levando em conta as evidências observacionais dos surtos tipo coronaviridae anteriores, certamente devemos usar todas as precauções para as pessoas expostas, especialmente nossos profissionais de saúde.
Mas o que dizer das pessoas caminhando pela rua, indo ao supermercado ou observando os patos na lagoa?
A resposta é simples: nós não sabemos. Sendo assim, e como há uma pandemia em andamento, estamos numa situação ideal para registrar cuidadosamente “experimentos naturais” em escala global, comparando taxas de infecção e transmissão entre estados em diferentes estágios de fechamento e com diferentes políticas de mascaramento e distanciamento.
Idealmente, deveríamos realizar ensaios globais testando os efeitos da ausência de máscaras, mas duvidamos que os políticos estejam dispostos a correr o risco que Max Von Pettenkopfer correu quando engoliu uma suspensão de Vibrio cholerae para testar a teoria da causalidade bacteriana.
Assim, entramos nesta situação despreparados com uma base de evidências deficiente e práticas debatidas calorosamente, após duas décadas de “preparação para a pandemia”.
A sociedade tem escolhas: descobrir se as máscaras funcionam ou não, e em que circunstâncias, ou recomendar seu uso, com ou sem outras medidas, ou usar aquelas intervenções não-farmacológicas onde há mais evidências de benefício.
AUTORES
Carl Heneghan é Professor de Medicina Baseada em Evidência, Diretor do Centro de Medicina Baseada em Evidência. (Biografia completa e declaração de conflitos aqui).
Tom Jefferson é professor associado sênior e pesquisador honorário do Centre for Evidence-Based Medicine, da Universidade de Oxford. Declaração de conflitos está aqui