Tradutores: Daniela Oliveira de Melo, Ana Luiza Cabrera Martimbianco


 

PARECER

Há um pequeno conjunto de evidências que sugerem que as atividades realizadas em casa por cuidadores podem ter algum efeito positivo na cognição (e no humor)

Todas as atividades devem ser adaptadas para atender às necessidades e preferências individuais das pessoas com demência, a fim de garantir que todas as atividades sejam envolventes e agradáveis.

 

CONTEXTO

Estima-se que existam 850.000 pessoas vivendo com demência no Reino Unido e 46,8 milhões em todo o mundo. A maioria das pessoas com demência é mais velha e será particularmente vulnerável a morbidades severas e mortalidade com a COVID-19. Maiores de 70 anos foram aconselhados a auto isolar-se, o que é um desafio para todas as pessoas, mas particularmente desafiador para aqueles com demência que vivem com cuidadores ou que vivem sozinhos com o apoio de cuidadores.  Há uma grande variedade de aplicativos e outras atividades baseadas em tecnologia, mas quase um terço das pessoas com mais de 65 anos não tem acesso à internet.  Além disso, a dependência de aplicativos para apoiar os cuidados familiares daqueles com demência exclui os que vivem em áreas rurais e remotas onde o acesso à internet é intermitente, e os que vivem em áreas socioeconomicamente mais carentes onde o acesso a atividades na internet não é possível devido a restrições financeiras.

Existe a preocupação de manter a função cognitiva na demência, pois a sua deterioração pode levar à maior morbidade, aumento do sofrimento dos cuidadores e potencialmente levar as pessoas idosas com demência à necessidade de cuidados domiciliares, aumentando assim os custos com os orçamentos de saúde e de assistência social.

Pessoas com demência frequentemente participam de grupos que oferecem atividades de distração e podem participar de centros-dia que oferecem uma série de atividades destinadas a promover o bem-estar cognitivo, e os cuidadores dessas pessoas podem solicitar informações sobre quais atividades eles mesmos podem realizar para promover a função cognitiva.

 

OBJETIVO

O objetivo desta revisão rápida é estabelecer as evidências sobre quais atividades não baseadas em tecnologia e podem ser realizadas em casa por cuidadores, são eficazes para manter a função cognitiva em pessoas com demência que estão socialmente isoladas durante a COVID-19.

 

EVIDÊNCIA ATUAL

Foram encontrados poucos estudos onde os cuidadores foram treinados/apoiados para realizar uma intervenção dentro do ambiente domiciliar, a grande maioria das intervenções foi realizada por clínicos ou pesquisadores dentro de um ambiente de cuidados para idosos; quando o ambiente comunitário foi incluído, estes eram frequentemente serviços de cuidado diário ou intervenções sendo realizadas como parte de uma atividade em grupo.

Terapia de Reminiscência

A terapia de reminiscência (TR) é baseada na evocação e discussão sobre atividades, eventos e experiências passadas, usando uma variedade de materiais de apoio. Inclui a evocação de eventos passados com o uso de música, fotografias e outros auxílios, muitas vezes preparados com o envolvimento de cuidadores. Os autores notaram uma distinção entre o trabalho de reminiscência que é baseado na partilha de histórias e memórias do passado em grupo, que tem uma função narrativa e informativa, e aquele que tem foco no indivíduo fazendo sentido à sua própria história de vida, que é descrita como tendo uma função integradora.

Uma recente revisão da Cochrane relatou que, embora tenha havido apenas um pequeno benefício na qualidade de vida e cognição imediatamente após a TR realizada com pessoas com demência em casas de repouso, houve um pequeno benefício nas escalas de depressão associadas à TR individual quando comparada à TR em grupo. Uma revisão anterior também encontrou um pequeno conjunto de evidências que sugerem que a realização da TR individual, culminando na produção de um livro de histórias de vida, está associada a melhorias na cognição e bem-estar. Um trabalho menos personalizado de um para um, que não utiliza gatilhos de memória (como fotografias que são de relevância específica para a pessoa), tem pouco benefício. Isso destaca a importância de adequar a atividade ao interesse da pessoa com demência.

Embora muitas das evidências até o momento sejam baseadas em estudos de pequena escala sobre pessoas com demência em casas de repouso, pode haver algum benefício em realizar trabalho de reminiscência com pessoas com demência que estão atualmente isoladas em casa. Isso poderia ser adotado com baixo custo (por exemplo, usando objetos familiares e significativos em torno da casa das pessoas). Entretanto, pesquisas futuras são necessárias para analisar o papel dos cuidadores neste processo.

Terapia de estimulação cognitiva

A terapia de estimulação cognitiva (TEC) é uma intervenção para pessoas com demência que inclui uma série de atividades que proporcionam um estímulo geral para o pensamento, concentração e memória e, embora normalmente realizada como parte de um grupo, pode ser realizada individualmente por cuidadores. Uma revisão da Cochrane relatou que a TEC beneficiou a cognição em pessoas com demência de leve a moderada, mas não naquelas com demência mais grave. Nos poucos estudos em que os cuidadores estavam envolvidos, eles não pareciam relatar aumento de tensão ou carga. Embora estes resultados sejam promissores, tem sido sugerido que os benefícios podem estar ligados ao fato de que a estimulação cognitiva do grupo encoraja os participantes a dar suas opiniões e envolve os participantes em um ambiente de aprendizado ideal, geralmente com os benefícios sociais de um grupo.

Mais recentemente foram desenvolvidos programas domiciliares de terapia de estimulação cognitiva individual (TECi), realizados por cuidadores. Um ensaio randomizado controlado (ECR) incluiu 356 pessoas com demência de leve a moderada e seus cuidadores, e mostrou que, embora não houvesse evidências de que a TECi tivesse um efeito sobre a cognição ou a qualidade de vida das pessoas com demência, a participação na TECi parece melhorar a qualidade da relação de cuidado e a qualidade de vida dos cuidadores. Consequentemente, atividades de estimulação cognitiva (como jogos de palavras ou uma atividade prática, como por exemplo seguir uma receita) também poderiam ser consideradas pelas pessoas atualmente isoladas em casa, a fim de manter relações positivas.

Intervenções baseadas em música

Tem havido um interesse considerável em intervenções musicais e demência. Em termos gerais, essas intervenções podem ser classificadas como musicoterapia, que é implementada por um musicoterapeuta treinado e segue um protocolo estabelecido, ou como outras intervenções baseadas em música, compreendendo atividades musicais implementadas por outros profissionais (por exemplo, equipe de enfermagem), pela própria pessoa ou por cuidadores (como ouvir música, cantar, tocar instrumentos e dançar).

Uma revisão da Cochrane sobre terapia musical para pessoas com demência em casas de repouso relatou que embora possa melhorar o bem-estar emocional e a qualidade de vida e reduzir a ansiedade, tem pouco ou nenhum efeito sobre a cognição. Entretanto, há evidências emergentes de que intervenções baseadas em música realizadas fora de um contexto formal de musicoterapia podem ter benefícios potenciais para o funcionamento cognitivo.  Estudos têm revelado que música de fundo agradável e estimulante pode reduzir temporariamente a ansiedade, bem como aumentar a consciência e o desempenho cognitivo em tarefas de memória episódica (autobiográfica) e fluência verbal. Evidências de ECRs também indicam que ouvir música regularmente e com frequência, pode apoiar o funcionamento cognitivo, humor e qualidade de vida em demência de leve e moderada.

Embora não tenha sido encontrado nenhum ensaio de intervenções musicoterapêuticas domiciliares, uma meta-análise de intervenções musicais para pessoas com demência relatou que elas não tiveram nenhum evento adverso, sugerindo que seria uma intervenção segura para os cuidadores considerarem durante este período de auto isolamento. Atualmente, está em andamento um estudo internacional para determinar a eficácia da musicoterapia realizada por cuidadores em ambiente domiciliar.

Arteterapia

A arteterapia é definida como um “processo terapêutico baseado na expressão criativa espontânea ou induzida, utilizando diversos materiais e técnicas de arte, como pintura, desenho, escultura, modelagem em argila e colagem” (Avrahami, 2006, p. 6). Uma recente revisão da Cochrane sobre arteterapia para pessoas com demência concluiu que não há evidências suficientes para tirar conclusões confiáveis sobre sua eficácia, porém alguns estudos menores mostraram que a arteterapia envolve atenção, é agradável e melhora os sintomas neuropsiquiátricos, o comportamento social e a autoestima. Como resultado, pessoas com demência e seus cuidadores que estão atualmente isolados em casa poderiam considerar as atividades baseadas nas artes como um método de distração não invasivo que pode ter alguns efeitos positivos a curto prazo. Entretanto, são necessários estudos mais rigorosos para determinar sua eficácia a longo prazo na função cognitiva.

Atividade Significativa

O termo “atividade significativa” é comumente usado na literatura sobre cuidados na demência. As evidências indicam que para uma atividade ser “significativa” deve ter três características. São elas: participação ativa, conteúdo da atividade relacionada aos interesses e funções passadas dos participantes e atividades que atendam às necessidades psicológicas básicas de identidade e pertencimento. Portanto, atividades significativas incluem uma grande variedade de atividades de lazer e recreação, tarefas domésticas, envolvimento social e atividades relacionadas ao trabalho.

Uma revisão sistemática descobriu que proporcionar atividades significativas ou individualizadas sob medida para pessoas com demência vivendo em casas de repouso parece ser eficaz para uma gama de sintomas. A evidência mais forte foi para atividades individualizadas / intervenções recreativas para uma gama de sintomas comportamentais e psicológicos de demência; música preferida para depressão e ansiedade; e terapia de reminiscência para humor e funcionamento cognitivo. É importante ressaltar que efeitos significativos foram encontrados quando as intervenções foram conduzidas pela equipe de atendimento domiciliar, indicando que as intervenções podem ser realizadas por cuidadores formais ou familiares e ser eficazes.

Uma síntese de estudos qualitativos sobre as perspectivas das pessoas com demência sobre atividades significativas revelou que aqueles que se dedicavam a atividades intelectuais, físicas e de lazer (por exemplo, ler, fazer palavras cruzadas) acreditavam que essas atividades melhorariam a memória e restaurariam suas habilidades. Eles também mostraram que manter a mente ativa, ser fisicamente ativo e manter a saúde e o bem-estar são de grande valor para produzir uma sensação de melhor bem-estar. Além disso, pessoas com demência em estágio inicial que se dedicavam a atividades de lazer o faziam para se manterem ocupadas, o que ajudava a reduzir a solidão e a se distrair do isolamento social. Os autores concluíram que os cuidadores deveriam ajudar as pessoas com demência a continuarem engajadas em atividades pessoalmente significativas, compreendendo melhor o desejo e a necessidade de engajamento da pessoa em atividades e identificando formas variadas de se conectar de forma pessoalmente significativa.

 

LIMITAÇÕES

Intervenções não baseadas em tecnologia para pessoas que vivem com demência em instalações de cuidado têm mostrado alguns resultados positivos na manutenção ou melhora da cognição (e do humor) e na redução dos sintomas comportamentais. Entretanto, as evidências para intervenções domiciliares são muito limitadas e com poucos estudos e fraquezas metodológicas, particularmente em relação ao tamanho pequeno das amostras, à heterogeneidade dos grupos de pacientes (ou seja, demência de várias etiologias) e às dificuldades em realizar avaliações pós-tratamento “cegas” para a condição de tratamento. Por vezes, faltaram detalhes sobre a randomização.

 

CONCLUSÕES

As evidências destacam que envolver pessoas com demência em atividades que elas acham agradáveis ou aquelas que se ligam ao trabalho/hobby passado pode ser útil para dar um sentido de propósito e significado durante este tempo de isolamento. Além disso, intervenções não baseadas em tecnologia podem ter algumas vantagens práticas para aqueles que atualmente estão isolados em casa, pois são de baixo custo e não requerem treinamento extensivo.

 


Link para o original: https://www.cebm.net/covid-19/activities-delivered-at-home-by-family-carers-to-maintain-cognitive-function-in-people-with-dementia-socially-isolating-during-covid-19-evidence-for-non-technology-based-activities-inte/

 

Nome dos autores e afiliações:

Mari Lloyd-Williams é Professora e Diretora do Grupo de Estudos Acadêmicos de Apoio e de Cuidados Paliativos, na Universidade de Liverpool e Consultora Honorária em Medicina Paliativa no Liverpool Marie Curie Hospice e Consultora Honorária na Liverpool CCG – Liverpool Health Partners.

Caroline Mogan é doutoranda pelo Grupo de Estudos Acadêmicos de Apoio e de Cuidados Paliativos da ESRC, na Universidade de Liverpool.

Dra. Sarah Russell é Facilitadora de Desenvolvimento da Prática de Demência do Reino Unido e Bolsista Visitante da Universidade de Southampton.

Dra. Karen Harrison-Dening é Chefe de Pesquisa sobre Demência do Reino Unido e Pesquisadora Associada Honorária do Grupo de Estudos Acadêmicos de Apoio e Cuidados Paliativos, na Universidade de Liverpool.

Deve ser citado como: Mari Lloyd-Williams, Caroline Mogan, Sarah Russell, Karen Harrison-Dening.  https://www.cebm.net/covid-19/activities-delivered-at-home-by-family-carers-to-maintain-cognitive-function-in-people-with-dementia-socially-isolating-during-covid-19-evidence-for-non-technology-based-activities-inte/

Fontes: Todas as evidências utilizadas nesta revisão estão disponíveis através de hiperlinks no texto.