Somos expostos todos os dias a informações sobre saúde, especialmente afirmações sobre efeitos de tratamentos ou coisas que podemos fazer para melhorar a vitalidade ou resistência a doenças. Estão incluídas aqui modificações no comportamento, procedimentos preventivos, como as vacinas, por exemplo, ou terapêuticos, como remédios, tratamentos físicos e até cirurgias. Os pesquisadores chamam todas essas coisas de “intervenções em saúde”. Entretanto, muitas dessas informações são falsas ou não possuem embasamento científico. Portanto, as pessoas precisam estar aptas a avaliar as afirmativas sobre os efeitos de intervenções para promover e manter a sua própria saúde.
Várias iniciativas têm sido propostas para lidar com essa questão. Uma delas é o projeto Informed Health Choices (IHC), em português Escolhas Informadas em Saúde. Esta iniciativa tem como objetivo desenvolver recursos para ajudar as pessoas a avaliar o quão confiáveis são as informações que recebem sobre saúde e a fazer escolhas bem informadas. A ideia é oferecer um ponto de partida para que professores, alunos e pesquisadores possam mapear o que as pessoas precisam aprender sobre o tema; encontrar maneiras de ajudar as pessoas a aprender e medir o quanto as pessoas aprenderam a avaliar criticamente as informações e a tomar decisões bem informadas em saúde.
Primeiro, os pesquisadores do IHC desenvolveram uma lista de conceitos-chave, ou coisas que as pessoas precisam saber para poderem tomar decisões bem informadas em saúde. Eles procuraram incluir todos os conceitos considerados universalmente relevantes, e recebem feedback e atualizam a lista anualmente. Atualmente ela contém 49 conceitos-chave divididos em três grandes grupos: afirmações, comparações e escolhas. Exemplos de conceitos-chave para cada um desses grupos são, respectivamente: “tratamentos podem causar danos”; “os grupos de comparação devem ser similares” e “tratamentos em animais ou grupos muito selecionados de pessoas podem não ser relevantes”. Esses conceitos-chave nortearam a elaboração de recursos de aprendizagem como materiais para professores e alunos dos ensinos fundamental e médio, pois a rede IHC acredita que um dos caminhos para uma sociedade com alfabetismo em saúde é iniciar o ensino do pensamento crítico sobre saúde nas escolas.
Quem criou a lista e como?
Os pesquisadores envolvidos nesse projeto, que é apoiado pelo Conselho de Pesquisa da Noruega (Research Council of Norway), compõem um grupo internacional multidisciplinar com experiência em métodos de pesquisa, serviços de saúde, medicina, saúde pública, epidemiologia, design, educação, comunicação e jornalismo. A rede IHC reúne pessoas que estão desenvolvendo, avaliando ou contextualizando esses recursos do projeto. As atividades estão em andamento ou sendo planejadas em mais de 20 países em diferentes continentes, como Brasil, Estados Unidos, Austrália, Reino Unido e China. Para mais detalhes sobre a metodologia envolvida na elaboração dessa lista clique aqui.
Os recursos foram testados? Eles funcionam?
Os recursos direcionados ao ensino fundamental foram desenvolvidos para crianças entre 10 e 12 anos de idade. Um ensaio randomizado do tipo cluster foi realizado em Uganda com o objetivo de testar os efeitos desses recursos de aprendizagem na habilidade de crianças para avaliar informações sobre os efeitos de tratamentos. Nesse estudo, os recursos de aprendizagem utilizados incluíram 12 conceitos-chave considerados relevantes para crianças escolares e selecionados com a ajuda de professores locais. Nas escolas selecionadas como grupo de intervenção, os professores receberam material de apoio e participaram de workshops para capacitá-los a ministrar o conteúdo referente aos 12 conceitos. Os recursos de aprendizagem foram desenvolvidos para serem utilizados durante nove semanas, em aulas de 80 minutos por semana. Ao final das nove semanas, os alunos realizaram um teste com questões de múltipla escolha e com duração de uma hora. O grupo controle foi composto por escolas que não receberam quaisquer intervenções. Os desfechos primários foram a porcentagem de acertos obtida por cada aluno e a proporção de crianças que foram aprovadas no teste (com mínimo de 13 respostas corretas de um total de 24). Cento e vinte escolas, 159 professores e 12.639 crianças participaram do estudo.
O uso do material baseado nos conceitos-chave do IHC teve grande efeito na habilidade de crianças escolares para avaliar informações sobre os efeitos de tratamentos; esse efeito positivo foi identificado em crianças com diferentes níveis de habilidade em leitura. No grupo de intervenção, a porcentagem média de acertos no teste foi 62,4% (desvio padrão [DP] = 18,8) comparada a 43,1% (DP = 15,2) no grupo controle, com uma diferença de médias ajustada de 20% (intervalo de confiança [IC] 95% 17,3 – 22,7). No grupo de intervenção, 69% das crianças (3.967 de 5.753) foram aprovadas no teste, em comparação a 27% (1.186 de 4.430) das crianças do grupo controle (diferença de médias [DM] ajustada = 50%; IC 95% 44 a 55). Esses resultados se mantiveram um ano depois, quando foi aplicado novo teste. Acredita-se que o uso desse material seja um primeiro passo na capacitação de crianças para a tomada de decisões bem informadas em saúde.
Esses recursos de aprendizagem foram transformados em um podcast contendo 13 episódios: uma introdução, oito episódios principais, três episódios de revisão e uma conclusão. Um outro estudo randomizado em Uganda, com os pais das crianças que participaram do estudo descrito acima, testou o efeito desse podcast, em comparação a um podcast contendo informações típicas sobre saúde divulgadas em rádios locais. Ouvir o podcast baseado nos conceitos-chave do IHC melhorou a habilidade dos pais em avaliar as informações sobre os efeitos de tratamentos. No entanto, ao contrário do que ocorreu com as crianças, houve um decréscimo substancial no efeito da intervenção após um ano, sugerindo a necessidade de implementação de estratégias de aprendizagem mais ativas, colaborativas e com maior frequência.
Esses estudos foram os primeiros a testar os efeitos de recursos de aprendizagem baseados na lista de conceitos-chave do IHC sobre a habilidade de crianças e pais para avaliar as informações sobre os efeitos de tratamentos. Logo, estudos em outros países devem ser conduzidos para verificar o quão generalizáveis são esses achados. Além disso, em 2019, foi iniciado um novo projeto, previsto para durar quatro anos, com o objetivo de desenvolver e avaliar os recursos de aprendizagem do IHC para alunos do ensino médio de escolas no Quênia, em Ruanda e Uganda.
Podemos testar esses recursos no Brasil?
No Brasil, pesquisadores, incluindo membros da Oxford-Brazil EBM Alliance, traduziram e adaptaram o material direcionado aos alunos do ensino fundamental e professores, e realizaram análises de contexto para conduzir estudos randomizados em Vitória da Conquista (BA) e em São Paulo (SP). Além disso, estão atualmente avaliando a viabilidade de realizar outro estudo randomizado em Petrópolis (RJ). Para saber mais sobre o projeto, siga o perfil no Twitter e inscreva-se no canal do YouTube.
Ana Paula Pires dos Santos é cirurgiã-dentista, membro da Oxford-Brazil EBM Alliance e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Rachel Riera é médica, cofundadora da Oxford-Brazil EBM Alliance, professora da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Coordenadora do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Sírio-Libanês.
Revisão jornalística: Patricia Logullo.