30 de junho de 2020
Jeffrey K Aronson, Nicholas DeVito, Robin E Ferner*†, Kamal R Mahtani, David Nunan, Annette Plüddemann
Em nome da equipe do Oxford COVID-19 Evidence Service Team
Centre for Evidence-Based Medicine, Nuffield Department of Primary Care Health Sciences
University of OxfordCorrespondência para jeffrey.aronson@phc.ox.ac.uk
*Universidade de Birmingham †University College London
Resumo
Um painel da Organização Mundial da Saúde (OMS), reunido durante a epidemia do vírus Ébola em 2014, avaliou as implicações éticas ao se utilizar medicamentos com resultados promissores em estudos de laboratório e em animais, mas que não haviam sido avaliados em relação à segurança e eficácia em humanos. O painel concluiu que os pesquisadores têm o dever moral de avaliar intervenções não comprovadas (para tratamento ou prevenção) em ensaios clínicos com o melhor desenho possível em circunstâncias excepcionais. Circunstâncias como as que se aplicam hoje.
Na nossa visão, a descrição “ensaios clínicos com o melhor desenho possível”, quando se trata de intervenções terapêuticas, implica em ensaios controlados randomizados adequadamente mascarados.
Entretanto, há mais ensaios de intervenções farmacológicas sendo conduzidos no tratamento da Covid-19 sem mascaramento das intervenções do que com mascaramento. Alguns ensaios mascaram apenas o participante e não o investigador (single-blind). Uma minoria é controlada por placebo. Estudos de intervenções não-farmacológicas estão sendo ainda menos bem conduzidos, confiando em grande parte em estudos retrospectivos e modelos matemáticos de valor incerto.
Nós acreditamos que isto seja um potencial desperdício de tempo dos participantes e investigadores e, portanto, antiético. Resultados tendenciosos podem distorcer a tomada de decisões terapêuticas, as percepções do público, o investimento na saúde e o status e o valor da pesquisa médica. Eles podem sugerir falsamente uma falta de equipoise, desencorajando os investigadores de realizar ensaios clínicos bem desenhados e dificultando o recrutamento para tais estudos. Eles podem resultar em mais danos do que benefícios.
O grito de batalha de Tom Chalmers engloba o que ele havia escrito anteriormente, em 1975: “O conceito de que o primeiro paciente doente a receber um novo medicamento, procedimento ou operação deve ser randomizado, decorre do reconhecimento da influência perniciosa de ensaios-piloto no adiamento ou eliminação de um ensaio terapêutico definitivo”, e antes ainda, em 1968: “Estou firmemente convencido de que o primeiro paciente a receber um novo agente deve ser randomizado”. É uma mensagem que muitas vezes é esquecida ou ignorada. Mesmo os ensaios que são registrados como randomizados muitas vezes não especificam o método de randomização e nem se e como será feito o sigilo da alocação.
A randomização efetiva da intervenção sendo estudada ou de seu(s) comparador(es) é um componente essencial de ensaios clínicos confiáveis, pois garante que quaisquer diferenças nas características que possam influenciar o desfecho entre um grupo de tratamento e um grupo de comparação surjam por acaso. Os vieses que resultam de uma randomização inadequada têm sido reconhecidos pelo menos desde o experimento do Lanarkshire School Milk relatado em 1930. Mas embora o erro de “comparar maçãs e laranjas” seja comumente reconhecido, a epidemia da Covid-19 tem visto uma série de ensaios clínicos sem grupo controle ou randomizados de forma inefetiva e cujos resultados não são confiáveis e podem estar influenciando adversamente a política de saúde. A randomização adequada e a manutenção do sigilo da alocação formam o alicerce de um ensaio clínico bem desenhado.
A escolha do comparador é importante. A hipótese nula é que os tratamentos comparados são igualmente eficazes, e isto é mais fácil de julgar se o comparador não tem efeito, ou seja, um placebo. Entretanto, surgem dificuldades se o comparador for o “cuidado padrão”, sem um placebo (equipe de cuidados e pacientes não são mascarados); ou se for de eficácia desconhecida; ou se um placebo for usado quando houver uma alternativa conhecidamente eficaz.
Durante um ensaio clínico, o mascaramento (ou seja, a ocultação do conhecimento da intervenção à qual os participantes foram designados após a randomização), para minimizar o risco de vieses, é igualmente importante. No entanto, o mascaramento é ainda mais comumente e imperdoavelmente ignorado nos ensaios da Covid-19 do que a randomização e a ocultação da alocação. Ensaios clínicos sobre o uso de cloroquina e hidroxicloroquina, no tratamento de pessoas com Covid-19, exemplificam o problema. Os dados de 142 protocolos registrados para tais ensaios são mostrados na Tabela 1. Dados similares de ensaios clínicos atualmente registrados de remdesivir, tocilizumabe e vários corticosteroides são mostrados na Tabela 2.
Tabela 1. Os números de estudos com mascaramento único, duplo ou triplo* de cloroquina, ou hidroxicloroquina, ou ambos, como medicamentos primários de investigação ou como comparadores, atualmente incluídos em registros de ensaios clínicos em 30 países.
Grupo de países (número de países) | Número de ensaios | Mascaramento único | Mascaramento duplo, triplo ou quádruplo | Número total de ensaios com mascaramento (%) | |
Europa (13) | 40 | 0 | 13 | 13 (33%) | |
Extremo Priente e Austrália (8) | 37 | 5 | 4 | 9 (24%) | |
Oriente Médio (4) | 26 | 2 | 8 | 10 (38%) | |
América do Norte (2) | 26 | 2 | 12 | 14 (54%) | |
América Latina (3) | 13 | 1 | 4 | 5 (38%) | |
Total | 142 | 10 | 41 | 51 (36%) |
* Mascaramento simples (10 estudos): mascaramento relatado de forma variada – maioria participantes ou avaliadores do desfecho; investigadores primários em apenas um caso (mas quatro não declarados)
Mascaramento duplo (17 estudos): quase sempre participantes, geralmente com investigadores primários, mas às vezes com avaliadores e ocasionalmente com cuidadores
Mascaramento triplo (7 estudos): sempre participantes, quase sempre com investigadores e cuidadores
Mascaramento quádruplo (17 estudos): sempre participantes, investigadores, cuidadores e avaliadores
Tabela 2. Os números de estudos com mascaramento sobre remdesivir, tocilizumabe e corticoesteroides atualmente incluídos em registros de ensaios clínicos, embora nem todos estejam recrutando participantes.
Medicamento | Número de ensaios | Mascaramento singular* | Mascaramento duplo, triplo ou quádruplo | Número total de ensaios com mascaramento (%) | Número de pacientes a ser estudado em ensaios com mascaramento |
Remdesivir | 11 | 1 | 3 | 4 (36%) | 2061/22,437 (9.2%) |
Tocilizumabe | 34 | 1 | 4 | 5 (15%) | 1590/10,396 (15%) |
Corticoesteroides† | 49 | 3 | 9 | 12 (24%) | 2636/22.306 (12%) |
*Excluindo estudos com mascaramento dos participantes apenas
†Metilprednisolona (22), dexametasona (6), ciclesonida (6), prednisona ou prednisolona (5), budesonida (5), hidrocortisona (1), não identificado (4)
É difícil avaliar os protocolos registrados, pois diferentes registros relatam diferentes graus de mascaramento, mas está claro que os ensaios clínicos mascarados são minoritários. Combinando os ensaios clínicos dos quatro tipos de medicamentos, cerca de 120.000 indivíduos vão participar de ensaios que provavelmente nos darão pouca ou nenhuma informação útil, ou, pior ainda, informações potencialmente enganosas, exemplificadas pela hidroxicloroquina, que se mostrou em um grande ensaio randomizado bem desenhado não ser diferente do placebo, podendo até ser prejudicial. Este é um lapso ético significativo, considerando que os participantes frequentemente concordam em se expor altruisticamente a riscos de danos a fim de ajudar a avançar a base de evidências clínicas. Por exemplo, em um estudo com 168 pacientes, 84% disseram que ficariam felizes em participar de pesquisas em ensaios clínicos e 58% endossaram a afirmação “Eu acredito que os resultados poderiam ajudar outros pacientes no futuro”.
Em algumas instituições, a cloroquina ou a hidroxicloroquina foram consideradas como tratamento padrão antes da obtenção de evidências. E alguns pesquisadores, a fim de evitar o uso de placebo, alocaram a um grupo controle aqueles que não consentiram em participar, introduzindo assim um viés de seleção.
Ensaios clínicos antiéticos
Aqui estão algumas das formas pelas quais os ensaios podem ficar aquém do que se considera ético:
- Falha na randomização ou na manutenção do sigilo de alocação durante o ensaio clínico
- Falha no mascaramento
- Não mascarado
- Apenas paciente mascarado
- Alguns investigadores não mascarados
- Usar comparadores inadequados, por exemplo:
- Escolhendo um comparador cuja eficácia é desconhecida
- Escolhendo um placebo quando há um tratamento efetivo reconhecido
- Escolhendo como comparador um tratamento efetivo em uma dosagem inadequada
- Alterar um protocolo pré-especificado sem uma boa razão e sem explicar o motivo
- Alteração do desfecho a ser relatado
- Alteração dos medicamentos utilizados
- Alteração dos regimes de dosagem
- Relatar análises estatísticas (por exemplo, análises de subgrupo) que não foram pré-especificadas
- Não incluir um comitê pré-especificado de monitoramento de dados
- Encerrar prematuramente um ensaio clínico sem uma boa razão
Ensaios com alto risco de viés devido a erros no desenho estão falhando com os participantes desde o início.
Os ensaios sem mascaramento podem ser éticos?
A importância do mascaramento foi destacada em uma revisão que mostrou que estudos que não mascaram tanto os participantes quanto os investigadores forneceram estimativas do tamanho do efeito do tratamento que foram, em média, 19% maiores (IC 95% = 6-32%) do que as fornecidas pelos estudos mascarados. Outro estudo sugeriu que não havia diferença entre estudos mascarados e não mascarados, particularmente para desfechos objetivos; uma razão de razão de chances (ROR) abaixo de 1 sugeriu estimativas exageradas de efeitos em estudos sem mascaramento; os valores de ROR em diferentes análises pairavam em torno de 1, e, por exemplo, em 14 meta-análises com resultados relatados por observadores mascarados a ROR foi de 0,98 (Intervalo de credibilidade Bayesiano = 0,69 a 1,39). Os autores concluíram que seus resultados precisavam ser replicados e que, enquanto isso, os estudos deveriam continuar mascarados. Também foi argumentado que o mascaramento nem sempre é necessário e pode, em alguns casos, ser prejudicial, por exemplo, para desencorajar o recrutamento; isto é uma boa polêmica, mas acreditamos que seja uma prática ruim para tratar infecções agudas.
A necessidade de ensaios clínicos de alta qualidade
Todos nós queremos claramente ser capazes de dar àqueles que têm a doença hoje os benefícios de terapias efetivas. É presumivelmente por isso que tantos pesquisadores pensam que é aceitável fazer ensaios pequenos, abertos, randomizados ou não randomizados, comparativos ou apenas observações sem controle de séries de casos, esperando por uma solução rápida. Mas os dados que surgiram e foram rapidamente publicados, incompletos e sem revisão por pares, não ajudaram pacientes ou clínicos. Alguns foram retirados/removidos, mas não sem antes terem afetado a prática clínica. Há vários problemas:
- A maioria dos ensaios clínicos que foram publicados são inadequados, e os resultados não são confiáveis. Alguns ensaios iniciais, mal desenhados e muito pequenos sobre hidroxicloroquina,por exemplo, pareciam mostrar pequenos efeitos benéficos sobre a COVID-19, mas não relataram efeitos sobre a mortalidade ou eventos adversos. Em pelo menos dois casos, os ensaios foram realizados de forma bastante diferente do que havia sido especificado previamente nos protocolos, levantando dúvidas sobre os padrões de prática, relato e análise e aumentando a possibilidade de vieses.
Por exemplo, em um estudo, as medidas de desfecho relatadas foram o tempo de recuperação clínica, o tempo de recuperação da temperatura corporal e o tempo de remissão da tosse. Estes desfechos clínicos não foram mencionados no protocolo. Nem os desfechos virológicos e hematológicos pré-especificados foram mencionados no relato do estudo. Em um estudo não randomizado e sem mascaramento, a formação de um grupo controle a partir de pacientes que se recusaram a participar teria introduzido um viés de seleção.
Outros ensaios similarmente pobres sobre hidroxicloroquina não mostraram nenhum benefício, deixando-nos perplexos, até que os resultados de um grande ensaio bem desenhado mostraram clara evidência de nenhuma eficácia, e até mesmo uma possível tendência a danos; a hazard ratio para aumento da mortalidade foi de 1,11 (IC 95% = 0,98-1,26; p=0,10).
Ensaios mal desenhados podem nos levar a acreditar que uma intervenção é benéfica, fazendo-nos duvidar se ensaios bem desenhados teriam demonstrado nenhum benefício, ou mesmo dano. Portanto, não podemos saber se beneficiaremos de alguma forma as pessoas ou talvez até mesmo prejudicaremos mais pessoas ao usar a intervenção do que ao não usá-la.
- Em alguns lugares, a hidroxicloroquina foi adotada precocemente como parte de um tratamento padrão para COVID-19. Em alguns países, a hidroxicloroquina e o lopinavir/ritonavir foram incluídos precocemente como parte de um tratamento padrão, para comparação com outros medicamentos não testados, muitas vezes em ensaios abertos (sem mascaramento). Os resultados de tais estudos serão impossíveis de interpretar sensatamente e não serão úteis para decidir se os medicamentos em estudo são realmente efetivos e se o balanço benefício – dano é favorável. A hidroxicloroquina já demonstrou ser ineficaz e possivelmente prejudicial.
- Se uma intervenção não funcionar ou, pior ainda, for prejudicial, teremos desperdiçado o tempo tanto dos participantes quanto dos investigadores, possivelmente perdendo vidas por meio da intervenção, quando poderíamos estar fazendo ensaios controlados randomizados adequados. Os autores de uma avaliação dos desperdícios em pesquisa concluíram que “uma importante carga de pesquisa desperdiçada está relacionada a métodos inadequados”. Este desperdício poderia ser parcialmente evitado através de ajustes simples e baratos”. É um princípio bem estabelecido que não é ético fazer ensaios com desperdício. Embora as pessoas que participam de ensaios clínicos bem desenhados possam não se beneficiar por terem feito isso, seu tempo não é desperdiçado, pois assim ajudam os outros.
As 4-aminoquinolinas hidroxicloroquina/cloroquina também se tornaram, sem dúvida, vítimas do “viés da moda“, pois sua proeminência na política global e nas mídias sociais as colocou na vanguarda da agenda da pesquisa da COVID-19. Isto causou não apenas um influxo de ensaios de menor qualidade, mas uma supersaturação na quantidade de ensaios. A pesquisa sobre estes tratamentos é muito mais extensa do que o necessário para avaliar com confiança se existe algum benefício terapêutico ou profilático. Pesquisadores qualificados, centros de pesquisa adequados, participantes dispostos e financiamento para estudos são limites naturais para o número de pesquisas que podem ser realizadas em qualquer momento; um número excessivo de ensaios sobre um determinado tratamento “que está na moda” apresentaria um custo de oportunidade significativo para a comunidade de pesquisa global, desviando tempo e recursos que poderiam ser melhor utilizados investigando outros tratamentos promissores.
- A publicação de um ensaio de má qualidade sobre uma droga, cujos resultados sugerem benefícios, pode desencorajar os investigadores de embarcar em ensaios rigorosos; ou pode encorajar o uso generalizado da droga, como aconteceu com a hidroxicloroquina. Isto pode dificultar o recrutamento em tais ensaios de participantes que nunca tenham usado a droga.
- Enquanto isso, quando a mídia divulga que um novo medicamento é benéfico, o público em geral começará a procurar o tratamento. No início ouvimos falar de um casal americano que decidiu se tratar com cloroquina depois que seu presidente proclamou que ela seria efetiva. Eles tomaram uma formulação destinada à limpeza de aquários. O marido morreu e a esposa ficou gravemente doente. Mais tarde, a FDA considerou apropriado emitir umalerta ao público americano para não se precipitar e comprar ivermectina formulada para tratar infecções parasitárias em animais, após a publicação de um pré-print descrevendo os efeitos da ivermectina sobre o SARS-CoV-2 em uma placa de Petri em laboratório.
- A pressa em usar suprimentos de uma droga que está sendo usada para outros fins coloca em risco aqueles que fazem uso dela regularmente. A escassez de medicamentos, particularmente de hidroxicloroquina, foi relatada durante a pandemia da COVID-19.
- Há também o risco de que ensaios clínicos mal desenhados contribuam com metanálises inapropriadas, onde conclusões incorretas serão promulgadas. Por exemplo, uma alegação de que a hidroxicloroquina é benéfica na Covid-19, com tamanhos de efeito relatados, foi baseada em uma metanálise de uma combinação heterogênea de publicações, incluindo artigos publicados em revistas revisadas por pares, pré-prints não revisados por pares, e artigos disponíveis na Internet, e numa comparação dos números de estudos aparentemente positivos e negativos, semelhante à contagem de votos, e onde um tamanho de efeito não pode ser calculado corretamente.
Nós precisamos de ensaios clínicos bem desenhados
Nós estamos sob o domínio do pânico de curto prazo, nos esforçando para administrar a crise atual e perdendo de vista o futuro igualmente importante.
A experiência atual dos pacientes e os conhecimentos profissionais estão sendo desperdiçados. Estudos retrospectivos, e estudos observacionais complexos mal desenhados e utilizando técnicas estatísticas inadequadas para tentar mitigar ou disfarçar deficiências inerentes a estudos não randomizados, podem não mostrar de forma convincente os benefícios ou danos de uma intervenção, como a hidroxicloroquina, resultando em pequenos efeitos, se houver, e amplos intervalos de confiança, seguidos de declarações banais de que são necessários ensaios controlados randomizados. Tais ensaios, no entanto, quando eventualmente são realizados, são muitas vezes de má qualidade, como já descrevemos aqui, e os resultados não são confiáveis.
Aqueles que ignoram, ou pior, depreciam/condenam o uso de ensaios clínicos com mascaramento, randomizados e cuidadosamente controlados, têm prejudicado nossa capacidade de tratar adequadamente os efeitos do coronavírus. Aqueles que estão em condições de fazer tais ensaios devem assegurar que eles sejam bem desenhados e que possam dar respostas confiáveis. Tais ensaios levam tempo para serem realizados; alguns estão começando a relatar os resultados, mas outros não os relatarão até que a epidemia atual tenha passado. Este é o preço que pagamos por evidências confiáveis. Nós devemos nos concentrar em encontrar tratamentos eficazes para aqueles que são afetados quando a próxima epidemia ocorrer, não procurando um remendo ineficaz e possivelmente prejudicial para aqueles que estão sendo afetados atualmente, para os quais devemos fazer o melhor que pudermos com o que sabemos atualmente.
Um argumento padrão quando as políticas de curto prazo são criticadas é a famosa observação do economista John Maynard Keynes, de que no longo prazo estamos todos mortos, uma declaração de seu tratado A Tract on Monetary Reform (1923). O que Keynes quis dizer em termos econômicos é geralmente mal interpretado. Entretanto, se não iniciarmos estudos mais bem desenhados não apenas das 4-aminoquinolinas, mas de todas as drogas que estão sendo testadas recentemente no tratamento da Covid-19, podemos de fato estar todos mortos, mais cedo do que gostaríamos.
Conclusão
Em 2014, durante a epidemia do vírus Ebola, a OMS convocou um painel “para considerar e avaliar as implicações éticas para a tomada de decisões clínicas do uso de intervenções não registradas que mostraram resultados promissores no laboratório e em modelos animais, mas que ainda não foram avaliadas em relação à segurança e eficácia em humanos”. Eles concluíram que “os pesquisadores têm o dever moral de avaliar intervenções não comprovadas (para tratamento ou prevenção) em ensaios clínicos com o melhor desenho possível nas circunstâncias excepcionais atuais, … a fim de estabelecer a segurança e eficácia das intervenções ou de fornecer evidências para interromper o seu uso”. Na nossa opinião, não há barreiras, mesmo durante uma pandemia como a atual, para realizar “ensaios clínicos que tenham o melhor desenho possível”, ou seja, ensaios duplamente mascarados, randomizados e controlados de qualquer agente, seja ele novo ou redirecionado, de preferência com um comparador placebo. Kirchoff & Pierson deram bons exemplos de como isso foi feito com drogas em desenvolvimento em epidemias anteriores. E outros comentaram que “grandes ensaios de longo prazo que estabelecem padrões para tratamentos com drogas são tão importantes para a saúde do público que todo esforço, incluindo o mascaramento do investigador, deve ser incorporado ao desenho do ensaio para produzir resultados válidos em estudos da mais alta confiabilidade e clara interpretação”.
Assim, fazemos eco aos gritos de batalha de eminentes trialistas e estatísticos: