Tradutores: Ana Paula Pires dos Santos, Ana Luiza Cabrera Martimbianco


 

22 de maio de 2020

Tom Jefferson, Carl Heneghan

 

O Lorde Bertrand Russel sempre foi crítico da indução, a lógica cotidiana que foi primeiramente sistematizada por Francis Bacon, primeiro Lorde de Verulam.

De acordo com a indução, a ciência poderia ser fundamentada em observações repetidas. Particularidades observadas repetidamente (como os cisnes brancos) poderiam levar a princípios gerais (todos os cisnes são brancos). Nem todos os cisnes são brancos, e indução e seus limites são particularmente perigosos se ignorados.

 

Russel exemplificou a falácia da indução com um exemplo famoso (ainda que trágico), do peru indutivista:

“Este peru descobriu que – na sua primeira manhã na fazenda – foi alimentado às 9 horas da manhã. Entretanto, sendo um bom indutivista, ele não tirou conclusões precipitadas. Ele esperou até ter coletado um grande número de observações sobre o fato de ter sido alimentado às 9 horas da manhã, e fez essas observações sob uma grande variedade de circunstâncias, às quartas e quintas-feiras, em dias quentes e frios, em dias de chuva e dias secos. A cada dia, ele adicionava outra observação à sua lista. Finalmente, sua consciência indutivista ficou satisfeita e ele fez uma inferência indutiva para concluir: “Eu sou sempre alimentado às 9 horas da manhã”. Infelizmente, essa conclusão se mostrou falsa de maneira inequívoca quando, na véspera de Natal, ao invés de ser alimentado, ele teve a garganta cortada. Uma inferência indutiva com premissas verdadeiras levou a uma conclusão falsa”.

 

Nós já comentamos sobre a confiabilidade das firmes previsões de futuras “ondas” da COVID-19, feitas até mesmo pelos políticos mais seniores de alguns países. Nós mostramos como a teoria das “ondas” é fundamentada na leitura contemporânea das pandemias de influenza, das quais apenas algumas tiveram “ondas”. Esta primeira lacuna no padrão provavelmente não seria aceitável para o peru de Russel. Ele pode, no entanto, admitir que, dadas as repetidas observações da presença de “ondas” em algumas pandemias de influenza, seu aparecimento na COVID-19 seria altamente provável. Esta lógica, como mostra o trágico exemplo de Russel, é falsa. Ela também tem uma consequência devastadora.

 

Embora as IRAs (infecções respiratórias agudas) sejam uma síndrome causada por uma grande variedade de agentes conhecidos e desconhecidos, a narrativa do último meio século tem sido dominada por apenas um: influenza. A figura abaixo mostra que entre 1970 e 2019, 67.936 artigos com “influenza” no título foram publicados e indexados pelo PubMed. Doze vezes as 5.502 publicações sobre coronavírus no mesmo período.

 

Em 2020 o quadro é completamente invertido: 13.847 artigos com coronavírus ou covid no título contra apenas 16 artigos sobre influenza – uma razão de 865:1.

 

Uma outra ideia da distorção introduzida pela lógica indutiva é fornecida pelo dado mais importantes de todos: as mortes.

Na Itália, como em todos os outros países do mundo, não há um número exato de mortes por influenza. Um estudo analisando o excesso de mortes por influenza em quatro anos estimou o número para a “temporada” de 2016-2017 (a maior dos quatro anos) em 24.981. Para a Covid-19, nós temos números muito mais precisos desde 20 de fevereiro de 2020 até o momento em que escrevemos: 32.330 mortes.

Nossa abordagem atual é baseada na lógica indutiva e a agenda de pesquisas é dominada pela abordagem de rebanho. Isto leva a uma desproporção entre o impacto da doença e a sua base de pesquisa e o nosso preparo.

Até agora, nem mesmo o peru indutivista arriscaria uma previsão.

Tom Jefferson é um tutor associado sênior e pesquisador honorário, Centro de Medicina Baseada em Evidência, Universidade de Oxford. Declaração de conflitos de interesse aqui

Carl Heneghan é Professor de Medicina Baseada em Evidência e Diretor do Centro de Medicina Baseada em Evidência e do Programa de Cuidado em Saúde Baseado em Evidência. Declaração de conflitos de interesse aqui