Tradutores: Ana Paula Pires dos Santos, Rachel Riera


 

 

7 de maio de 2020

Sean Heneghan e Kamal R. Mahtani

Os autores lideram o Evidence-Based Healthcare Leadership Programme da Universidade de Oxford.

 

Primavera.

Uma enorme operação está em curso, envolvendo centenas de milhares de pessoas, em múltiplos locais, vigiada pelo mundo. Apesar de seu planejamento, equipes de pessoas altamente treinadas estão trabalhando em uma situação que nunca imaginaram que pudesse acontecer. Todas as equipes passaram por diferentes cenários, mas ninguém jamais pensou que isso aconteceria em tantos locais, em tanta parte da organização. Havia poucos avisos e os eventos estavam evoluindo em um ritmo incontrolável.  Todas as atividades rotineiras foram canceladas; o único foco agora era a sobrevivência.

 

Soa familiar?

A situação descrita acima aconteceu em 1970, com a NASA, e envolveu a Apollo 13, a sétima missão do programa espacial Apollo. Muitos conhecerão a luta desesperada para manter a tripulação viva após uma explosão a bordo que resultou em desafios tecnológicos insondáveis. Aqui estava uma nave espacial, flutuando no espaço, sem energia significativa, gelada e úmida, tentando reentrar na atmosfera da Terra e voltar para casa. Foi necessário um esforço colaborativo, a mais de 200.000 milhas de distância, para tentar estabilizar a espaçonave, fazer simulações em tempo real, criar protocolos e procedimentos e com apenas um resultado aceitável – um retorno seguro.

Essa era a crise.

Como a NASA lidou com isso internamente? O que aconteceu com a Liderança de Crise?

Assim que o Controle de Missão percebeu que os sensores e números que eles estavam vendo eram reais – e isso levou um período de tempo – choque, negação e dúvida surgiram em uma unidade de equipe altamente treinada e estressada. Gene Kranz, controlador de vôo, chamou sua equipe no final do turno “de vigia”. Kranz entregou a um novo controlador de vôo, tendo tido a compreensão e confiança para entender que novos olhos, novas perspectivas, novas energias eram necessárias. A equipe de Kranz seguiu para a sua sala “Tigre”. Nesta sala, não maior que uma típica sala de reuniões, com algumas mesas vazias, ele pediu a cada especialista a sua visão sobre a situação atual e os planos futuros. Clara, sucinta, sem longas explicações. Neste ponto, John Aaron, 27 anos, membro júnior da equipe, levantou-se, e suas palavras a seguir mudaram a missão: ‘Gene, se não cortarmos a energia, não voltaremos para casa’.

Um membro júnior da equipe, de 27 anos, acabara de interromper uma sala cheia de engenheiros sêniores de vôo e o Diretor de Vôo mais sênior da NASA, com total confiança e lhe disse sua opinião. Kranz fez uma pausa, pensou no que ele tinha dito, virou-se para Aaron e disse-lhe: “John, você agora está no comando”. Kranz então deixou a sala.

No meio do maior desafio da NASA naquele momento, com uma missão lunar ao vivo indo desastrosamente mal, um membro júnior de 27 anos levantou a mão, falou clara e calmamente, em uma sala com uma equipe sênior e com colegas. Gene Kranz imediatamente compreendeu as ramificações do que lhe estava sendo dito, e imediatamente tomou uma decisão que acabou salvando o vôo e a vida da tripulação. Tudo em tempo real, em uma crise.

A Liderança de crise na NASA foi construída, reforçada e mantida ao longo de muitos anos.

Foi o produto de tentativa e erro, um produto de experimentar coisas novas, inventar novas disciplinas, novas formas de trabalho, novos materiais, tudo isso sem muitas políticas e procedimentos. Era a construção de uma “cultura”.

A cultura da NASA era uma cultura de inovação, apoio, treinamento, incentivando e dando às pessoas a oportunidade de tentar; permissão para tentar e ver as coisas falharem. Afinal, ninguém jamais havia voado fora da órbita da Terra quando o programa começou e o objetivo era ir dali para a Lua e voltar, com segurança, dentro de dez anos.

Erros ao longo do caminho levaram Kranz a criar o lema (após o incêndio da Apollo 1 e morte de três astronautas) ‘Resistente e Competente’.   O vôo espacial nunca tolerará descuido, incapacidade e negligência. Nada do que fizemos tinha validade, mas ninguém disse ‘pare’. Resistente significa que somos eternamente responsáveis pelo que fazemos ou pelo que falhamos em fazer. Competente significa que nunca vamos tomar nada como garantido.

A Liderança da Crise empregou uma série de lições claras. Algumas delas podem ser aplicáveis agora.

  1. Construa uma grande equipe. Não uma equipe que lhe agrade, mas uma que o desafie e à organização”.

      Na manhã da missão da Lua, Kranz disse a todos os membros do controle da missão: ‘Eu estarei por trás de cada decisão que vocês tomarem. Nós entramos na sala como uma equipe e vamos sair como uma equipe”.

Kranz imediatamente deu confiança à sua equipe. Um elemento vital para que a comunicação na tomada de decisões permanecesse positiva e focada. Toda a energia da equipe foi direcionada para fazer um ótimo trabalho – não pensando duas vezes ou se preocupando com o que poderia acontecer depois.

  1. Líderes continuam aprendendo. Continue fazendo perguntas, continue se esforçando para aprender.

      A cada novo passo da crise, continue fazendo perguntas, procure respostas possíveis e veja as ramificações das perguntas e respostas – pergunte-se o que elas podem significar no contexto desta crise?

  1. Construa, desenvolva e sustente uma cultura que continue avançando, arrisque e perceba, realmente perceba, que errar é um ponto chave de aprendizado. Se essa cultura faz parte da equipe antes de uma crise, é muito mais fácil se sustentar durante uma crise. Muitas equipes falam em apoio – em nossa experiência, muito poucas de fato o fazem! Pergunte-se agora, “como líder, o que estou fazendo para construir essa cultura na minha equipe?”.

 

 

  1. Pare, reflita, mas depois tome decisões.

     Não confie em delegar decisões. Construa camadas de decisão para que em tempo real as pessoas possam se mover, agir sem esperar por um sinal do centro. Use a inteligência coletiva de sua equipe para ajudar você.

 

  1. Tenha uma estratégia e um desfecho claramente articulado sobre onde você quer estar.

Saiba o que você e a equipe estão fazendo em tempo real, para onde todos estão viajando, prazos claramente comunicados e quais são os principais objetivos ao longo do caminho. Para Kranz, a estratégia e o desfecho foram claros. Ele tinha que levar a tripulação da missão de volta à Terra com segurança – sem desvios, sem espaço para concessões, e ele comunicou isso a todos. Sua equipe foi capaz de contar uns com os outros, confiar uns nos outros, encontrar uma saída para a situação quando quase tudo que podia dar errado, deu errado.

Como disse Kranz;

“Um trabalho como diretor de voo consiste em tomar as medidas necessárias para a segurança da tripulação e o sucesso da missão.  Minha linha de trabalho é nem ambiguidade nem autoridade superior”. É ir, ou não ir”. E eu sou responsável pela missão”.

Muito mais tarde, Kranz disse;

“Em muitos aspectos temos os jovens, temos o talento, temos a imaginação, temos a tecnologia”. Mas eu não acredito que tenhamos a liderança e a disposição para aceitar riscos, para atingir grandes objetivos”.

Pode haver lições para todos nós.

 

Sean Heneghan é Psicólogo Organizacional e Tutor Sênior na Universidade de Oxford.

Kamal R. Mahtani é clínico geral do NHS (National Health Service, em português: Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido), Professor Associado e Co-Diretor do Centre for Evidence-Based Medicine, Nuffield Department of Primary Care Health Sciences.

Ambos os autores lideram Programa de Liderança em Cuidados em Saúde Baseados em Evidência da Universidade de Oxford.

Declaração de transparência: As opiniões expressas neste comentário representam as opiniões dos autores e não necessariamente as da instituição anfitriã, do NHS, do NIHR, ou do Departamento de Saúde e Assistência Social. Os pontos de vista não são um substituto para o aconselhamento médico profissional.