Tradutores: Daniela Oliveira de Melo, Maria Regina Torloni


 

Parecer

Esta revisão rápida concluiu que intervenções direcionadas para influenza, DPOC, ICC, diabetes, ITU e celulite deveriam ser identificadas para aumentar o manejo desses casos na atenção primária a saúde. Isto poderia manter as pessoas bem e teria o potencial de reduzir internações hospitalares evitáveis.

Os autores sugerem a realização de uma série de revisões rápidas para identificar as intervenções existentes e eficazes para DPOC, ICC, diabetes e asma, e que poderiam ser adaptadas e implementadas rapidamente, na atenção primária.

 

CONTEXTO

Racional para esta revisão

A demanda hospitalar devido à pandemia da COVID-19 está aumentando e as internações relacionadas à SARS-COV-2 pressionam o sistema de saúde. Muitos países têm se preparado para o aumento da demanda, reduzindo as internações hospitalares eletivas para liberar leitos para pacientes com COVID-19. Porém, os hospitais ainda têm que lidar com as internações não planejadas de pacientes sem COVID, algumas das quais poderiam ser evitadas.

Se as internações não planejadas pudessem ser reduzidas com segurança através de atividades e serviços direcionados de cuidados comunitários e da atenção primária, isso ajudaria a reduzir a pressão por leitos e por profissionais de saúde, permitindo um maior foco nos pacientes com COVID-19. Isso também poderia ajudar a proteger pacientes com doenças crônicas e agudas da exposição a este novo coronavírus, mantendo-os fora do hospital. Se for comprovado que suas doenças podem ser manejadas de forma segura na comunidade, isso também pode trazer segurança para os pacientes que não estão sendo encaminhados para hospitais neste momento. Talvez estas estratégias resultem em práticas duradouras para quando a transmissão da Covid19 tiver diminuído.

 

Pergunta abordada nesta revisão rápida

A equipe do Oxford COVID-19 Evidence Service coletou uma série de perguntas de clínicos gerais (CGs) do Reino Unido que, entre outras coisas, queriam saber: quais grupos populacionais/condições mórbidas devemos priorizar/centrar nossas atenções para que fiquem bem e assim evitar as internações de pacientes sem COVID? Esta é uma pergunta complexa que exigiria diferentes tipos de evidências para identificar as comorbidades que levam a internações e as diferentes populações afetadas. E leva naturalmente à pergunta sobre quais intervenções são efetivas para prevenir essas internações. Portanto dividimos a pergunta inicial em uma série de perguntas que poderiam ser respondidas sequencialmente em revisões rápidas.

 

Esta revisão rápida aborda a primeira destas questões: Quais são as doenças que mais frequentemente levam a internações hospitalares não planejadas potencialmente evitáveis, e que são manejáveis na atenção primária?

 

Abordagem adotada

Conceitualmente, as internações hospitalares evitáveis podem ser divididas em três áreas principais: prevenção primária (por exemplo, vacinação); diagnóstico e tratamento precoce de novas doenças (por exemplo, diabetes); monitoramento, controle e tratamento imediato, se houver piora, de doenças existentes (por exemplo, insuficiência cardíaca). Tem havido muitas discussões sobre quais internações hospitalares não planejadas são verdadeiramente evitáveis. Para assegurar a comparabilidade entre estudos e países, nos últimos anos o foco tem sido, portanto, em doenças sensíveis à atenção primária (DSAP) (1), embora seja reconhecido que nem todas as internações por DSAP são evitáveis ou passíveis de prevenção. As principais DSAPs que levam a internações hospitalares evitáveis podem ser classificados como: crônicas (doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), complicações do diabetes, asma, hipertensão, deficiência de ferro, insuficiência cardíaca congestiva, angina, deficiências nutricionais), agudas (infecções de ouvido, nariz e garganta, convulsões e epilepsia, celulite, pielonefrite, gangrena, problemas dentários, desidratação e gastroenterite, doença inflamatória pélvica, úlcera perfurada/hemorrágica) e doenças para as quais existem vacinas (gripe e pneumonia e outras condições evitáveis com vacinas).

Por razões pragmáticas, nesta revisão rápida as DSAP são usadas como uma medida proxy para as condições potencialmente evitáveis que podem ser tratadas no contexto da atenção primária ou comunidade.

 

EVIDÊNCIA ATUAL

Buscamos as evidências mais recentes sobre DSAP em países com grande prestação de cuidados primários e um sistema nacional de saúde, a saber, o Serviço Nacional de Saúde inglês, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Holanda e Espanha. As evidências mais recentes e confiáveis vieram de dados nacionais sobre cuidados secundários da Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia e Espanha e de dois estudos revisados por pares que usaram dados canadenses e holandeses. Devido às limitações linguísticas da equipe, avaliamos apenas os dados dos estudos escritos em idiomas com os quais a equipe tinha familiaridade.

 

Durante o processo de coleta de dados, obtivemos contribuições dos seguintes clínicos:  professor Jon Emery, professora Lena Sanci, professora associada Jo-Anne Manski-Nankervis, e professor associado John Furler.

 

Tabela 1. Resumo do conjunto de evidências

Descrição
Volume 4 relatórios utilizando conjuntos de dados nacionais recentes sobre a DSAP

2 estudos de coorte

Qualidade Análise detalhada dos dados nacionais utilizando estatísticas de episódios hospitalares. Dados da Inglaterra e Nova Zelândia tão recentes quanto 2019. Dados da Austrália e Espanha de 2017. Dados do Canadáde de 2011. Dados da Holanda de 2014.
Aplicabilidade Os conjuntos de dados e estudos são provenientes de sistemas com forte atuação em atenção primária e de cuidados de saúde nacionalizados. Entretanto, eles são de países de maior renda e predominam os países anglófonos
Consistência Os achados mostram consistência entre os conjuntos de dados quanto às principais internações hospitalares não planejadas para as doenças agudas e crônicas, e vacinações.

 

EVIDÊNCIAS EMERGENTES NA COVID-19

Principais conclusões

Os dados mais confiáveis que nos permitiram sintetizar os resultados de diferentes países de forma significativa vieram do sistema de saúde inglês, da Austrália e Espanha. Os dados da Nova Zelândia eram de pacientes com 45-64 anos de idade, enquanto os dados dos dois estudos retrospectivos do Canadá e da Holanda não apresentavam detalhes suficientes para permitir uma análise comparável aos outros três.

A Tabela 2 apresenta um ranking em termos de carga de DSAP para Inglaterra, Austrália e Espanha. A carga de DSAP foi calculada considerando o número de internações e o tempo de internação resultante de cada hospitalização. Alguns resultados de todos os países são apresentados nas seções seguintes. Os dados de todos os países podem ser encontrados em um arquivo suplementar.

 

Tabela 2: Carga de DSAP evitável para a Inglaterra, Austrália e Espanha

Condição RU Austrália Espanha
Influenza e pneumonia ***** ***** ***
DPOC **** *** ****
ICC ** **** *****
Diabetes *** ** *
ITU * **
Celulite *

Nota: maior número de * indica maior carga criada pelas internações evitáveis (utilizando o total de internações anuais e o tempo de internação no hospital).

 

Conclusões específicas de cada país

Os últimos dados do NHS na Inglaterra sobre internações hospitalares evitáveis (2) em 2019 sugerem que:

  • Sete problemas de saúde são responsáveis por três quartos do total de casos de internações evitáveis (gripe e pneumonia, DPOC, infecções de ouvido, nariz e garganta, convulsões e epilepsia, complicações do diabetes, celulite e asma), e quatro deles (gripe e pneumonia, DPOC, infecções de ouvido, nariz e garganta, convulsões e epilepsia) respondem por mais da metade das internações.
  • O maior índice de internações foi devido à gripe e pneumonia, que mostrou um aumento em relação aos anos anteriores. A gripe e a pneumonia também têm a segunda maior taxa de tempo de internação.
  • Quando se trata de reinternações evitáveis, a DPOC é a condição mais comum (19% do total).
  • O maior aumento de casos desde 2014 foi observado para hipertensão (aumento de 80%), seguido pela deficiência de ferro (anemia) com aumento de 53%, influenza e pneumonia com aumento de 47%, e complicações do diabetes com aumento de 39%.

 

Os últimos dados da Austrália (3) sobre internações hospitalares por DSAP potencialmente evitáveis em 2017 sugerem:

  • Quase 10% de todos os dias de leito hospitalar foram para internações potencialmente evitáveis.
  • O maior número de casos de internação evitável deve-se à DPOC, embora quando traduzidos em dias de hospitalização, a pneumonia e a gripe sejam as principais causas.
  • O número de internações hospitalares evitáveis aumentou consistentemente desde 2014, chegando a 715.336 casos em 2017.
  • A maioria das causas de internação evitável (com exceção de angina, diabetes, infecções de urina e úlcera hemorrágica que parecem se estabilizar) tem aumentado desde 2014.
  • As principais causas de internação hospitalar evitável de acordo com os casos incluem DPOC, infecção do trato urinário, problemas dentárias, celulite e deficiência de ferro. Em termos de dias totais de internação, as principais causas são pneumonia e gripe, insuficiência cardíaca congestiva, DPOC, infecções do trato urinário e celulite.

 

Na Espanha, os dados mais recentes são de 2017 (4) e mostram que:

  • Houve variações regionais em relação às principais internações hospitalares evitáveis.
  • As principais razões para internação foram ICC, DPOC e diabetes.

 

Na Nova Zelândia, os dados mais recentes para DSAPs são de pessoas entre 45-64 (5) anos, são de 2019 e mostram que:

  • As principais condições incluem: angina, celulite, infarto, gastroenterite, DPOC, pneumonia, infecção renal/urinária, ICC, acidente vascular cerebral, epilepsia.
  • Os dados variam de acordo com a etnia dos pacientes.

 

No Canadá, um estudo recente (6) revelou que:

  • Os pacientes internados principalmente por angina, ICC e DPOC, sendo que a asma foi menos comum nos homens, e hipertensão foi o motivo menos comum nas mulheres.
  • A análise mostrou que as variáveis comportamentais de saúde tiveram os maiores tamanhos de efeito, incluindo tabagismo intenso (Homens HR 2,65 (IC 95% 2,17-3,23); Mulheres HR 3,41 (IC 95% 2,81-4,13)) e baixo peso (Homens HR 1,98 (IC 95% 1,14-3,43); Mulheres HR 2,78 (IC 95% 1,61-4,81)).

 

Na Holanda (7):

  • Em 2014, ocorreram 89,8 internações hospitalares por CSAPs por 10 mil habitantes segurados.
  • Os principais motivos para internação foram angina, infarto e DPOC.

 

CONCLUSÕES

Esta revisão rápida concluiu que, na Inglaterra, Espanha e Austrália, as intervenções de saúde primária direcionadas para pacientes com influenza, DPOC, ICC, diabetes, ITU e celulite podem ajudar a reduzir as internações evitáveis.

A influenza e a pneumonia foram responsáveis pelo maior número de casos evitáveis de internações por DSAP (16% do total) no NHS inglês e pelo maior número total de dias no hospital na Austrália. Os sistemas de saúde enfrentam a possível necessidade de reorganizar o atendimento por 12 a 24 meses, período durante o qual não haverá uma vacina para o Covid-19. Uma medida de saúde pública que a maioria desses países está implementando atualmente é assegurar a adoção adequada das vacinas atuais e futuras contra a gripe, a fim de reduzir as internações evitáveis. Intervenções relacionadas com a vacinação poderiam levar a uma redução de mais de 800.000 internações na Inglaterra e poderiam liberar até 424.068 dias de leito hospitalar na Austrália por ano, em uma estação normal de gripe.

Para DPOC, ICC, diabetes, ITU e celulite sugerimos que uma série de revisões rápidas sejam realizadas para identificar intervenções eficazes que poderiam ser implementadas e adaptadas rapidamente (conforme necessário) na atenção primária. A prevenção e o manejo dos pacientes no ambiente comunitário podem ajudar os hospitais a lidar com o excesso de demanda decorrente da COVID-19 e garantir a segurança e o bem-estar dos pacientes.

 

Declaração: o artigo não foi revisado por pares; não deve substituir o julgamento clínico individual e as fontes citadas devem ser verificadas. As opiniões expressas neste comentário representam as opiniões dos autores e não necessariamente as da instituição anfitriã, do NHS, do NIHR, ou do Departamento de Saúde e Assistência Social. Os pontos de vista não substituem a orientação profissional de um médico.

 

Autores

Charitini Stavropoulou é Conferencista Senior em Pesquisa em Serviços de Saúde na Faculdade de Ciências da Saúde da City, Universidade de Londres, Inglaterra.

Victoria Palmer é Professora Associada em Cuidados Primários de Saúde Mental no Departamento de Clínica Geral, Melbourne Medical School, The University of Melbourne, Austrália.

Amanda Burls é médica de saúde pública e professora emérita de Saúde Pública na Faculdade de Ciências da Saúde da City, Universidade de Londres, Inglaterra.

Eukene Ansuategi é bibliotecário do Hospital Universitário Donostial, Espanha.

Mª Del Mar Ubeda Carrillo é bibliotecária do Hospital Universitário Donostial, Espanha.

Sarah Purdy é Clínica Geral e Professora de Atenção Primária no Centro de Atenção Primária Acadêmica, Faculdade de Medicina de Bristol, Universidade de Bristol, Inglaterra.

Estratégia de busca

Inicialmente fizemos buscas no Medline, EMBASE, CINAHL, PsycInfo, e Google Scholar. Também fizemos buscas por literatura cinzenta no King’s Fund, Health Foundation, The Nuffield Trust, OMS, e OCDE. As palavras usadas nas buscas incluíram: a) Risk factor OR predictor OR cause and b) Prevent* OR avoid* OR unplanned OR emergency OR unscheduled OR unanticipated OR unexpected OR Ambulatory Care Sensitive Conditions and c) hospital* OR hospital admissions OR hospital readmissions.

Para garantir a obtenção dos números mais atualizados, sempre que possível baixamos os últimos dados sobre DSAP dos conjuntos nacionais de dados online.

 

 


 

Referências

 

  1. Huntley A, Lasserson D, Wye L, Morris R, Checkland K, England H, et al. Which features of primary care affect unscheduled secondary care use? A systematic review. BMJ Open. 2014 May 1;4(5):e004746.
  2. NHS Digital. Ambulatory Care Sensitive Conditions (ACSC) – NHS Digital [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 7]. Available from: https://digital.nhs.uk/data-and-information/data-tools-and-services/data-services/innovative-uses-of-data/demand-on-healthcare/ambulatory-care-sensitive-conditions#top
  3. Australian Institute of Health and Welfare. Potentially preventable hospitalisations in Australia by age groups and small geographic areas, 2017–18, Overview [Internet]. Australian Institute of Health and Welfare. 2019 [cited 2020 Apr 7]. Available from: https://www.aihw.gov.au/reports/primary-health-care/potentially-preventable-hospitalisations/contents/overview
  4. Ministerio de Sanidad, Consumo y Bienestar Social, Subdirección General de Información Sanitaria e Innovación. Registro de Atención Especializada/Conjunto Mínimo Básico de Datos (RAE-CMBD) de los hospitales del Sistema Nacional de Salud [Internet]. Madrid: Ministerio de Sanidad, Consumo y Bienestar Social;] [Internet]. [cited 2020 Apr 14]. Available from: http://icmbd.es
  5. Nationwide Service Framework Library. Ambulatory sensitive (avoidable) hospital admissions [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 18]. Available from: https://nsfl.health.govt.nz/accountability/performance-and-monitoring/data-quarterly-reports-and-reporting/ambulatory-sensitive
  6. Wallar LE, Rosella LC. Risk factors for avoidable hospitalizations in Canada using national linked data: A retrospective cohort study. PLOS ONE. 2020 Mar 17;15(3):e0229465.
  7. Paul MC, Dik J-WH, Hoekstra T, van Dijk CE. Admissions for ambulatory care sensitive conditions: a national observational study in the general and COPD population. Eur J Public Health. 2019 Apr 1;29(2):213–9.

Link para o original: https://www.cebm.net/covid-19/what-conditions-could-we-prioritise-in-the-primary-care-setting-to-reduce-non-covid-related-admissions-to-hospital/