Tradutores: Tatiane B. Ribeiro, Enderson Miranda


 

COVID-19: Os antivirais históricos podem ser úteis?

Quando o exército americano se retirou do Reino Unido no final da Segunda Guerra Mundial, deixou para trás o Hospital Harvard, um complexo de cabanas Nissen e edifícios de um andar perto de Salisbury.

O Hospital Harvard era um dos conhecidos “hospitais do Dia D” construído para tratar as vítimas da campanha da Normandia e casos de doenças infecciosas. O complexo e o seu conteúdo foram doados ao povo britânico em 1945, em um gesto típico de generosidade americana.

Pouco depois, os edifícios vazios foram ocupados pela Unidade de resfriado comum do Conselho de Pesquisa Médica (do inglês Medical Research Council’s  Common Cold UnitCCU). A CCU realizou 1.006 estudos entre 1946 e 1989, o ano anterior ao seu encerramento. Um ato que parecia inevitável naquele momento mas que agora tem a aparência distinta de um vandalismo científico.

Em 2000, um dos autores (TJ) realizou uma revisão de todos os estudos dos arquivos do Conselho de Pesquisa Médica e uma extensa série de entrevistas com o último diretor da CCU, o falecido Dr. David Tyrrel, CBE. Desse material, um subconjunto de 243 estudos comparativos constituiu a fonte de informação de uma revisão sistemática. Nem todas as fontes eram de publicações, mas algumas eram de verdadeiros relatórios, as vezes escritos à mão, sobre cada estudo.

Normalmente, um conjunto de voluntários seria alojado no Hospital Harvard e sujeitos a transmissão, isolamento, prevenção ou tratamento após um “desafio” com uma variedade de agentes causadores de resfriados. Os mesmos agentes que causam doenças semelhantes à gripe (influenza-like). Entre eles estavam dois dos vírus identificados e isolados pela primeira vez em humanos na CCU nos anos 50 e a maioria associada a resfriados comuns e doenças semelhantes à gripe: o Rinovírus e o Coronavírus. O desafio consistia geralmente em esguichar uma dose de soro fisiológico contendo um agente viral cultivado e colhido no laboratório da CCU e observar o mecanismo de transmissão num ambiente altamente controlado ou intervir com uma variedade de compostos experimentais promissores.

Aqui disponibilizamos a revisão, que foi interrompida devido à falta de financiamento para mantê-la atualizada.

Acesse a revisão: Antivirais para o resfriado comum.

Esta revisão foi retirada da The Cochrane Library, edição 3, 2004. O autor principal (TJ) informou que os revisores não podiam mais atualiza-la. A falta de financiamento para atualizar a revisão é a principal razão para a sua interrupção.

Recomendações de pesquisas e estudos publicadas na revisão (ver página 12): “Deve ser efetuada uma avaliação mais aprofundada dos efeitos do dipiridamol, ICI 130, 685, Impulsina (palmitato) e Pleconaril na prevenção do resfriado comum”. A avaliação dos efeitos do dipiridamol pode inicialmente envolver um estudo de caso-controle antes da realização de um ensaio clínico. A utilização comum do medicamento (atualmente utilizado para prevenir ataques isquêmicos transitórios, acidentes vasculares cerebrais e prevenir a formação de trombos nas alterações circulatórias) deve tornar o estudo de tal concepção relativamente fácil de organizar. Deve ser dada atenção ao desenvolvimento de compostos com uma ação específica não-vírus”.

A revisão inclui um pequeno estudo controlado por placebo do composto intranasal 7-tia-8-oxoguanosina (conhecido como NARI 10146). O NARI é um análogo nucleosédeo com atividade imuno-moduladora comprovada, testado contra o coronavírus 229E no Verão de 1989, pouco antes do encerramento da CCU em um pequeno estudo realizado em 40 voluntários. Não parecia haver qualquer diferença nos efeitos do composto, mas os intervalos de confiança eram grandes.

Outros tratamentos surpreendentemente eficazes contra os coronavírus foram o interferon e o dipiridamol (este último de um ensaio búlgaro).

Esperamos que a disponibilidade deste registro histórico ajude nas pesquisas de possíveis tratamentos contra a COVID-19 com base em moléculas que se mostraram ser prometedoras no passado e poderiam ser testadas em ensaios clínicos com populações maiores.

Para além desta pandemia, consideramos que há necessidade de reorientar os esforços para todos os vírus respiratórios. Precisamos investigar a sua ecologia e transmissão, e identificar medidas eficazes de prevenção e tratamento, tanto a nível populacional como individual. Estas medidas devem incluir intervenções não-farmacológicas e comportamentais. Uma perspectiva de saúde pública mais ampla se faz necessária para problemas de saúde pública, como o que enfrentamos atualmente.

Olhar o nosso passado pode salvar vidas e nos ajudar a evitar o ditado “Aqueles que não conhecem a história estão destinados a repeti-la”.

 

 


Autores:

 

Tom Jefferson é tutor associado sênior e pesquisador honorário do Centro de Medicina Baseada em Evidências da Universidade de Oxford. A declaração de divulgação está aqui

Carl Heneghan é Professor de Medicina Baseada em Evidências e Diretor do Centro de Medicina Baseada em Evidências da Universidade de Oxford.

A declaração de divulgação está aqui

Jon Brassey é diretor do Trip Database Ltd, líder em mobilização de conhecimento na Public Health Wales (NHS) e editor associado no BMJ Evidence-Based Medicine.

Declaração: este artigo não foi revisado por pares; não deve substituir o julgamento clínico individual e as fontes citadas devem ser verificadas. As opiniões expressas nesse comentário representam as opiniões dos autores e não necessariamente as da instituição anfitriã, do National Health Service (HHS), do National Institute for Health Research (NIHR) ou do Departamento de Saúde do Reino Unido. As opiniões não substituem a consulta médica

 

Link para o original: https://www.cebm.net/covid-19/covid-19-can-historical-antivirals-be-of-use/

 

Deve ser citado como: Oxford COVID-19 Evidence Service. Tom Jefferson, Jon Brassey, Carl Heneghan. COVID-19 can historical antivirals be of use. https://www.cebm.net/covid-19/covid-19-can-historical-antivirals-be-of-use/