Tradutores: Carolina de Oliveira Cruz Latorraca, Rachel Riera
Quem descreveu o coronavirus primeiro; porque eles são chamados de coronavirus; o que eles são; como eles invadem as células; como detectá-los
Jeffrey K Aronson
Centro de Medicina Baseada em Evidências, Departamento de Cuidados Primários em Ciências da Saúde de Nuffield, Universidade de Oxford
Até recentemente, muitas pessoas nunca tinham ouvido falar sobre os coronavirus. Mas eles, e as doenças que causam nos humanos e nos animais, são conhecidos por mais de 50 anos.
Quem descobriu os co ronavirus?
Os coronavirus foram identificados pela primeira vez por um grupo de virologistas (JD Almeida, DM Berry, CH Cunningham, D Hamre, MS Hofstad, L Mallucci, K McIntosh, e DAJ Tyrrell), que revelaram seus achados em 1968 na revista científica Nature, que publicou uma pequena nota, de onde foi extraída a Figura 1.
Figura 1. Detalhes das propriedades dos coronavirus, publicados pela primeira vez na revista Nature (1968; 220 (5168): 650); David Tyrrell, da Common Cold Research Unit (Unidade de Pesquisa sobre Gripe Comum), em Salisbury, Wiltshire, se ofereceu para fornecer um pequena bibliografia para qualquer interessado nos dados nos quais a tabela foi baseada.
Por que eles são chamados de coronavirus?
Como a revista Nature publicou em 1968, “esses vírus são membros de um grupo antes desconhecido que os virologistas sugerem que deveriam chamar coronavirus, que remete às características da aparência desses vírus na microscopiao eletrônica.”
A palavra “corona” tem muitos significados diferentes (veja o Apêndice 2). Mas era o sol que os virologistas tinham em mente quando escolheram o nome coronavirus. Como escreveram, eles compararam “as características das projeções nas bordas” de fora do vírus com a coroa do sol (e não, como alguns sugerem, com as pontas de uma coroa). A figura 2 ilustra isso.
Figura 2. Esquerda: os vírions do coronavirus; direita: a coroa do sol vista durante um eclipse.
O que são os coronavirus e como invadem as células?
Os coronavirus são vírus de RNA de fita simples, com cerca de 120 nanômetros de diâmetro. Eles são suscetíveis a mutações e recombinações e são, portanto, muito diversos. Há cerca de 40 variedades diferentes (veja Apêndice 1) e eles infectam principalmente humanos, mamíferos não-humanos e aves.
Eles são característicos de morcegos e aves selvagens, e podem se disseminar para outros animais e, portanto, para humanos. Imagina-se que o vírus que causa a COVID-19 seja originário de morcegos e depois tenha se alastrado para cobras e pangolins e depois para humanos, talvez por carne contaminada de animais selvagens, já que a carne deste animais é vendida nos mercados da China.
A aparência de coroa do coronavirus é causada pelo que se chama de glicoproteína em formato de espinho, ou peplomero, que é necessário para que o vírus entre na célula hospedeira. O espinho tem duas subunidades: a subunidade S1, que se liga a um receptor na superfície da célula hospedeira, e subunidade S2, que se funde com a membrana da célula.
A membrana da célula receptora para os vírus SARS-CoV-1 e SARS-CoV-2 é uma forma de enzima conversora de angiotensina, ECA-2, diferente da enzima que é inibida pelo inibidor convencional ECA-1, como os medicamentos enalapril e o ramipril.
Brevemente, a subunidade S1 se liga à enzima ECA-2 na superfície da membrana da célula. Uma protease transmembrana do hospedeirao TMPRSS2, então ativa o S1 e cria uma abertura na membrana com a ECA-2. O TMPRSS2 também age na subunidade S2, facilitando a fusão do vírus à membrana da célula. O vírus então entra na célula. Dentro da célula, o vírus é liberado dos endossomos por acidificação ou pela ação de uma protease intracelular de cisteína, a catepsina.
Um modelo e uma descrição mais detalhada desses eventos é apresentada na Figura 3.
Figura 3. Um modelo proposto do mecanismo como a SARS-CoV-2 entra na célula
O coronavirus se aproxima da membrana da célula
Uma subunidade S1 (vermelha) no final distal da glicoproteína do vírus se liga a uma molécula da membrana ligada à ACE-2 (azul)
Quanto mais subunidades de S1 dos espinhos de glicoproteína se ligam às moléculas ligadoras de ACE-2, a membrana começa a formar um envelope envolta do vírus (um endossoma)
O processo continua…
… até que o endossoma é completado
O vírus pode entrar na célula por duas vias:
Uma célula de serina protease ligada à membrana (marrom), TMPRSS2, quebra a subunidade S1 do vírus (vermelho) da sua subunidade S2 (preta) e também quebra as enzimas ECA-2; o endossoma entra na célula (endocitose), onde o vírus é liberado pela acidificaçãoo ou pela ação de outra protease, a catepsina.
A mesma serina protease, TMPRSS2, causa mudanças conformacionais irreversíveis na subunidade S2 do vírus, ativando-a, e permitindo a fusão do vírus à membrana da célula seguida de internalização.
Um inibidor da serina protease, o mesilato de camostato, usado para tratar pancreatite crônica no Japão, inibe a TMPRSS2 e bloqueia parcialmente a entrada do SARS-CoV-2 nas células epiteliais dos brônquios em estudos in vitro.
O interesse das pesquisas no coronavirus
Os primeiros coronavirus que infectaram humanos, chamados de 229E e OC43, causaram infecções muito leves, similares ao resfriado comum.
Foi nos surtos de SARS (Síndrome Respiratória Sereva Aguda) e de MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio ou gripe do camelo) que foi observado que eles poderiam causar infecções humanas sérias. Imagina-se que essas duas infecções venham de morcegos via gatos e camelos carnívoros.
O despertar desse interesse nos coronavirus em diferentes períodos reflete-se no padrão das publicações sobre eles. Após a primeira descrição dos coronavirus em 1968, houve um aumento lento no número de publicações, seguidos por dois picos, após as duas epidemias: a epidemia do coronavirus SARS em 2003-2004 e o surto da epidemia de diarreia em porcos na América do Norte em 2013 (figura 4). A identificação dos primeiros casos de MERS na Arábia Saudita em 2012, e depois em outros lugares (por exemplo, a Coréia do Sul em 2015), também causada por coronavirus, também pode ter contribuído.
Eu destaquei previamente o fato de que os maiores picos de interesse no coronavirus seguiram as maiores infecções em humanos e animais. Na minha coluna, publicada em 31 de janeiro de 2020 no BMJ, eu escrevi que eu esperava ver outro pico no número de publicações seguindo a epidemia atual.
Meu gráfico original terminou com as figuras de 2019. Agora eu adicionei os últimos números, de 2020 ao gráfico, que mostram que a minha profecia já foi confirmada. Mais publicações sobre os coronavirus têm sido acessadas no Pubmed nas primeiras 12 semanas de 2020 do que em qualquer outro ano anterior. A dificuldade de prevenir e tratar a infecção coincide com a dificuldade de acompanhar a literatura publicada.
Figura 4. Números de publicações com “coronavirus/es” como palavra chave (termo simples) (azul) ou em títulos (laranja) (fonte Pubmed Legacy); cada ponto representa um ano, mas os pontos mais à direita são relacionados apenas às primeiras 12 semanas de 2020.
Testes para o coronavirus, SARS-CoV-2
O RNA viral pode ser detectado pela reação em cadeia da polimerase (PCR, ou PCR quantitativo, qPCR, algumas vezes chamado de “PCR em tempo real” ou PCR-RT, causando confusão com outro termo, “PCR de transcriptase reversa”) (figura 5).
Neste teste, o vírus de RNA de fita simples é convertido no seu DNA complementar pela transcriptase reversa; região específica do DNA, marcada pelos chamados primers, depois são amplificados. Isso é feito pela sintetização de novas fitas de DNA dos desoxinucleósideos trifosfatos usando DNA polimerase. Falsos negativos ocasionais tem sido relatados.
Figura 5. Reação em cadeia da polimerase com transcriptase reversa (RT-PCR)
Um primer é ligado ao terceiro prime final de uma fita simples do RNA viral
Os desoxinucleosideos trifosfatos são adicionados após…
… criando uma cópia de DNA do RNA viral
A fita simples de DNA é separada…
… e uma fita complementar a esse DNA (cDNA) é preparada…
… cópias que são sintetizadas usando primers e DNA polimerase
O passo 6 pode ser repetido muitas vezes, dobrando o número de moléculas de DNA criados cada vez; 30 passos, por exemplo, produzirão 230 (ou seja, 1.073.741.824) ou cerca de 109 moléculas.
Uma técnica de imunoensaio também foi descrita, mas tem uma alta taxa de omissão (ou exclusão) de resultados falsos-negativos (tabela 1).
Tabela 1. Recursos diagnósticos de imunoensaio do SARS-CoV-2
Característica | Valor |
Sensibilidade (a taxa de verdadeiro positivo) | 89% |
Especificidade (1 – a taxa de falso positivo) | 91% |
Valor preditivo positivo (VPP) | 97% |
Valor preditivo negativo (VPN) | 72% |
Taxa de descoberta (ou detecção) falsa | 3% |
Taxa de omissão (ou exclusão) falsa | 28% |
Esforços estão sendo feitos para desenvolver e implementar pesquisas em imunoensaios para anticorpos antivirais para determinar se a infecção ocorreu previamente.
Apêndice 1: Variedades de coronavirus
Coronaviridae é o nome dado à família de vírus com duas subfamílias, Letovirinae e Coronavirinae. Essa última tem quatro gêneros, Alphacoronavirus, Betacoronavirus, Gammacoronavirus e Deltacoronavirus. Esses incluem sete coronavirus que podem infectar humanos (Tabela 2). Os coronavirus também podem infectar mamíferos não-humanos (Tabela 3), eles podem ser carregados por aves ou infectá-las (Tabela 4), e podem ser carregados por morcegos (Tabela 5).
Tabela 2. Taxonomia dos coronavirus que podem causar doenças em humanos
Gênero | Variedades causando a doença em humanos |
Alphacoronavirus | Coronavirus humano 229E (HCoV-229E) |
Betacoronavirus |
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Tabela 3. Alguns mamíferos não-humanos que podem ser infectados pelos coronavirus
Animal | Variedade de coronavirus |
Gado | Coronavirus bovino (BCV) – enterite severa em bezerros |
Gatos | Coronavirus felino (FCoV) – enterite leve em gatos e peritonite severa em felinos |
Cachorros | Coronavirus canino (CCoV) – enterite e doenças respiratórias |
Furões | Coronavirus entérico do furão – enterite catarral epizoótica;
Coronavirus sistêmico do furão – uma síndrome similar à peritonite no felino |
Ouriços | Coronavirus do ouriço 1 |
Vison | Coronavirus do vison 1 |
Porcos | Coronavirus HKU15 do porco – gastroenterite;
Vírus da epidemia de diarreia do porco (PED ou PEDV) |
Coelhos | Coronavirus entérico do coelho – doença gastrointestinal aguda e diarreia em coelhos europeus jovens |
Ratos | Coronavirus Lucheng Rn do rato |
Whale | Coronavirus SW1 da baleia beluga |
Tabela 4. Algumas aves que podem carregar ou ser infectadas pelos coronavirus (gammacoronavirus e deltacoronavirus)
Galinha doméstica: vírus da bronquite infecciosa (IBV) – bronquite infecciosa aviária
Coronavirus HKU11 do bulbul Coronavirus HKU21 comum da galinha-d’água Coronavirus HKU13 da munia Coronavirus HKU19 da garça noturna Coronavirus do peru (TCV) – enterite Coronavirus HKU16 do olho branco Coronavirus HKU20 da mareca |
Tabela 5. Alguns coronavirus carregados por morcegos
Hp-Betacoronavirus Zhejiang 2013 do morcego
Coronavirus CDPHE15 colacovirus do morcego Coronavirus HKU10 decacovirus do morcego Coronavirus 1 e HKU8 Miniopterus do morcego Coronavirus HKU5 pipistrellus do morcego Coronavirus HKU2 rhinolophus do morcego Coronavirus HuB-2013 rinolophus ferrumequinum do morcego Coronavirus GCCDC1 e HKU rousettus do morcego Coronavirus 512 scotophilus do morcego Coronavirus HKU4 tylonycteris do morcego |
Apêndice 2: Significados da palavra “corona”
Eu listei os diferentes significados de “corona” e alguns de seus derivados na Tabela 6.
Tabela 6. Diferentes significados de “corona” e alguns derivados (baseados em definições do Dicionário de Inglês de Oxford)
Tópico | Significado de “corona” |
Anatomia |
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Arquitetura | Um membro do canto (entre paredes), acima da moldura da cama e abaixo da cimalha tendo uma ampla face vertical, normalmente de projeção considerável; também chamado de goteira ou beira. |
Astronomia |
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Botânica |
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Patologia | Corona veneris: manchas sifíliticas na testa, que normalmente se estendem ao redor como uma coroa |
Fonética | Coronal: referindo a um som que é pronunciado com a ponta da língua virada para cima em direção ao palato |
Física |
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Religião |
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Zoologia |
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Link para o original: https://www.cebm.net/covid-19/coronaviruses-a-general-introduction/
Autor: Jeffrey K Aronson