Nome original do viés: Selection bias
Tradutor: Ana Luiza Cabrera Martimbianco
Primeiro revisor: Rafael Leite Pacheco
Segundo revisor: Rachel Riera
Introdução
Os participantes de um estudo podem diferir sistematicamente da população de interesse. Por exemplo, os participantes incluídos em um estudo de vacina contra influenza podem ser adultos jovens e saudáveis, enquanto aqueles que têm maior probabilidade de receber a intervenção na prática podem ser idosos e ter muitas comorbidades e, portanto, podem não estarem representados no estudo.
Da mesma forma, em estudos observacionais, as conclusões obtidas a partir da população incluída podem não se aplicar a pessoas do mundo real pois o efeito observado pode ser exagerado, ou não é possível assumir um efeito para aqueles não incluídos no estudo.
O viés de seleção pode surgir nos estudos porque os grupos de participantes comparados podem ser diferentes não apenas pelas intervenções ou exposições investigação. Quando este é o caso, os resultados do estudo são influenciados por fatores de confusão.
Exemplos
Um estudo sobre a prevalência da doença de Parkinson (DP) incluiu uma pesquisa porta-a-porta em um município dos Estados Unidos. Os autores usaram uma técnica de triagem em duas etapas, primeiro aplicando um questionário abrangente e, em seguida, encaminhando os indivíduos com sinais e sintomas sugestivos de DP para uma avaliação neurológica. Mais de 97% dos moradores do município participaram e cerca de 15% dos exames positivos na primeira etapa recusaram o encaminhamento. Esforços intensos forneceram “informações valiosas sobre quase todas as recusas, que foram então revisadas por um neurologista para estabelecer um diagnóstico”. Os autores apresentaram evidências convincentes de que conseguiram obter um rastreamento completo dos casos de DP no município.
No dia da entrevista (1º. de janeiro de 1978), a doença foi diagnosticada em 31 dos 24.000 residentes do município. Desses, 13 nunca haviam passado por atendimento médico. Nesta pesquisa, se a abordagem para o rastreamento dos casos tivesse utilizado apenas o sistema de assistência médica, todos aqueles que não receberam cuidados (acima de 40%) não teriam sido identificados. Além disso, não haveria uma modo definitivo de caracterizar o viés introduzido se fossem utilizados apenas aqueles identificados por meio dos registros de saúde.
Outro exemplo é o efeito da terapia de reposição hormonal (TRH) na doença arterial coronariana (DAC) em mulheres. Vários estudos mostraram que a TRH reduziu a DAC, mas ensaios clínicos subsequentes mostraram que a TRH pode aumentar o risco de DAC. Nos estudos observacionais, as mulheres em uso de TRH eram mais preocupadas com a sua saúde, eram mais fisicamente ativas e eram de classes socioeconômicas mais altas do que aquelas que não usavam a TRH. Esta auto-seleção de mulheres (viés de seleção) levou à confusão e um “viés de usuário saudável”.
Em um estudo duplo-cego controlado por placebo sobre o uso de fenobarbital para prevenção de convulsões febris recorrentes, a adesão não foi tão boa quanto se esperava. As curvas de Kaplan-Meier calculadas para o desfecho “tempo livre de convulsão” não apresentaram diferença estatisticamente significativa, ao contrário do esperado. Os autores usaram várias definições de aderência e reanalisaram os resultados considerando os pacientes dentro dos grupos das intervenções realmente recebidas (análise ‘as treated’) e não para os quais foram inicialmente alocados. Os resultados baseados em uma certa definição de aderência mostraram que os indivíduos aderentes nos grupos fenobarbital e placebo tiveram um risco maior de recorrência do que aqueles que não eram aderentes. Os resultados foram, portanto, conflitantes e demonstraram viés de seleção devido ao atrito (perdas).
Estudos coorte prospectivos sobre dietas e estilo de vida exibem um “efeito participante saudável”, relatando taxas de mortalidade mais baixas entre os participantes do que na população em geral. Isto sugere que as pessoas que estão interessadas em estilos de vida saudáveis e, portanto, têm comportamentos mais saudáveis, como baixas taxas de tabagismo, são mais propensas a participarem de um estudo prospectivo do que aquelas com estilos de vida menos saudáveis. Isso também pode ser considerado um viés de amostragem.
Um estudo sobre tabagismo e demência encontrou um potencial viés de seleção em idosos. O viés de seleção devido à censura pela morte foi uma das explicações para a menor taxa relativa de demência em fumantes com idade mais avançada.
Impacto
O viés de seleção pode ter efeitos variados, e a magnitude de seu impacto e a direção do efeito é freqüentemente difícil de determinar.(Odgaard-Jensen J et al.)
Como exemplos, um estudo meta-epidemiológico sobre impacto do viés de seleção nas estimativas de tamanho do efeito do tratamento em ensaios clínicos randomizados de intervenções de saúde bucal encontrou estimativas de efeito significativamente maiores em estudos que tiveram geração da sequência inadequada ou desconhecida (diferença no tamanho do efeito = 0,13; intervalo de confiança [IC] = 0,01 a 0,25). Um estudo posterior para determinar a sobrevida em estudos de coorte de bebês prematuros descobriu que a presença de viés de seleção superestimou a sobrevida em até 100%.
Passos para prevenção
Para avaliar o provável grau de viés de seleção, os autores devem incluir as seguintes informações em diferentes estágios do estudo:
- Número de participantes rastreados e randomizados;
- Comparação das características dos grupos de intervenção / exposição na linha de base (início do estudo);
- Estimativa de quantos potenciais participantes foram re-selecionados;
- Quais os procedimentos foram realmente implementados para impedir a predição de alocações futuras e o conhecimento de alocações anteriores;
- Quais foram as restrições relacionadas à randomização (por exemplo, tamanho dos blocos de randomização);
- Qualquer evidência de não cegamento.
- Como os dados faltantes dos participantes que saíram do estudo durante o seguimento foram tratados.
A randomização de participantes em estudos de intervenção visa fornecer o método mais justo de comparar o efeito de uma intervenção com um controle, e evitar vieses de seleção é parte deste objetivo. No entanto, isso pode não ser perfeitamente alcançado. Berger e colaboradores apresentaram argumentos claros para o papel crucial de procedimentos adequados de ocultação da alocação e de randomização para evitar vieses de seleção.
Como tudo o que acontece após a randomização pode afetar a chance de um participante do estudo ter o desfecho de interesse, é essencial que todos os participantes (mesmo aqueles que não tenham tomado o medicamento ou tenham recebido o tratamento errado de modo acidental ou intencional) sejam analisados nos grupos para o qual foram alocados. A análise por intenção de tratar inclui dados de todos os participantes aleatoriamente designados para os grupos de comparação, independentemente de terem ou não recebido o tratamento para o qual foram atribuídos, mesmo que nunca tenham iniciado o tratamento, ou que tenham mudado para outro tratamento durante o estudo. Isso evita o viés causado pela quebra da equivalência das características de base estabelecida pela alocação aleatória.
Em estudos observacionais, o viés de seleção é difícil de abordar com métodos analíticos, mas métodos para lidar com dados perdidos estão disponíveis, incluindo a última observação (ou valor de referência) analisada, modelos mistos, imputação e análise de sensibilidade usando ‘cenários pessimistas’ (onde os dados faltantes representam o pior desfecho) ou ‘cenários otimistas’ (onde os dados faltantes representam o melhor desfecho). A análise dos dados considerando apenas dos participantes que permanecem no estudo até seu término, é chamada de análise dos casos completos.
Certas medidas externas podem às vezes ser usadas para calibrar os dados de um estudo, como, por exemplo, as taxas de mortalidade são padronizadas. Além disso, a ponderação da probabilidade inversa pode ser usada sob certas premissas.
Para melhorar a generalização dos achados dos estudos, a seleção da população deve ser ampla e relatada nos critérios de recrutamento / inclusão.
Link para o original: https://catalogofbias.org/biases/selection-bias/
Deve ser citado como: Catalogue of Bias Collaboration, Nunan D, Bankhead C, Aronson JK. Selection bias. Catalogue Of Bias 2017: http://www.catalogofbias.org/biases/selection-bias/
Fontes:
Berger VW, et al. Randomization technique, allocation concealment, masking, and susceptibility of trials to selection bias. J Mod Appl Stat Methods 2003;2(1):80-6.
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Odgaard-Jensen J, et al. Randomisation to protect against selection bias in healthcare trials. Cochrane Database Syst Rev 2011 Apr 13; (4): MR000012. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21491415
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Odgaard-Jensen J, et al. Randomisation to protect against selection bias in healthcare trials. Cochrane Database Syst Rev. 2011 Apr 13;(4):MR000012. doi: 10.1002/14651858.MR000012.pub3.
Essa fonte pode ser recuperada dinamicamente pelo PubMed:
Salway TJ, Morgan J, Ferlatte O, Hawkins B, Lachowsky NJ, Gilbert M. A Systematic Review of Characteristics of Nonprobability Community Venue Samples of Sexual Minority Individuals and Associated Methods for Assessing Selection Bias.