Nome original do viés: Outcome reporting bias

Tradutor: Ana Luiza Cabrera Martimbianco

Primeiro revisor: Rafael Leite Pacheco

Segundo revisor: Rachel Riera

Introdução

Ensaios clínicos respondem a questões de pesquisa específicas sobre benefícios e malefícios de uma intervenção. Os desfechos de interesse devem ser especificados pelos avaliadores antes (a priori) do início do estudo. Os desfechos devem ser selecionados com base na probabilidade de impacto na saúde geral do paciente.

O relato seletivo de desfechos pré-especificados – dependendo da natureza e direção dos desfechos analisados – ocorre em uma grande proporção de ensaios clínicos publicados, resultando em viés de relato de desfechos. O relato seletivo dos desfechos pode potencialmente comprometer a validade de um estudo e de qualquer metanálise subsequente.

O relato seletivo pode ocorrer por meio de diferentes situações:

  1. Omissão de desfechos considerados desfavoráveis ou estatisticamente não significantes;
  2. Adição de novos desfechos com base nos dados coletados para favorecer a significância estatística;
  3. Inclusão de apenas um subconjunto de dados analisados no estudo publicado;
  4. Falha ao relatar dados que foram analisados no estudo (como eventos adversos, por exemplo);
  5. Alteração nos desfechos de interesse (primários ou secundários) que não levaram a resultados significativos.

O viés de relato de desfechos pode ser difícil de detectar. Um modo de detectá-lo é obter o protocolo ou registro do ensaio clínico (acessando bases de registros como o Clinicaltrials.gov ou o International Clinical Trials Register da World Health Organization, ICTR-WHO) e comparar os desfechos de interesse planejados com os desfechos analisados e publicados no artigo final. Se estes diferem, então o viés de relato dos desfechos está presente.

Exemplos

Um estudo coorte contendo ensaios clínicos e seus protocolos foi conduzido na Dinamarca entre 1994 e 1995 e constatou que dos 102 ensaios, 62% havia mudado, introduzido ou omitido pelo menos um dos seus desfechos primários. Um estudo semelhante conduzido no Canadá identificou que 88% dos ensaios clínicos randomizados falharam ao relatar pelo menos um desfecho pré-especificado.

Uma reanálise de nove metanálises do Food and Drugs Administration (FDA), nos Estados Unidos, que adicionou dados não publicados a estas metanálises, constatou que em duas delas os efeitos foram alterados (Hart et al. 2012).

Uma revisão sistemática publicada no BMC Medicine incluiu 27 metanálises e constatou que em 31% (variando de 0% a 100%) dos estudos os desfechos primários foram seletivamente relatados.

Uma revisão sistemática publicada na revista PLoSOne incluiu 137 ensaios clínicos randomizados de cinco revistas médicas de alto fator de impacto (The Lancet, British Medical Journal, New England Journal of Medicine, Annals of Internal Medicine e Journal of American Medical Association) e observou que 25 ensaios clínicos (18%) apresentavam discrepâncias relacionadas com o desfecho primário.

Impacto

Tem sido mostrado que estudos que omitem ou modificam seletivamente os desfechos de interesse distorcem o efeito global do tratamento. Kirkham e colaboradores conduziram uma análise de sensibilidade de 81 revisões e descobriram que em 23% o efeito do tratamento foi significativamente menor (por exemplo, pelo menos 20% menor). Quando foram analisadas 42 metanálises apenas com resultados estatisticamente significativos, oito (19%) deixaram de ser significativos após o ajuste para viés de relato de desfechos (onze superestimaram o efeito do tratamento em 20% ou mais).

A verdadeira dimensão dos danos associados a presença de relato seletivo de desfecho é desconhecida, embora os estudos mostrem que é um problema prevalente.

O relato seletivo pode causar distorção na interpretação da eficácia de uma intervenção, alterando a percepção do público e o entendimento científico coletivo sobre seus benefícios e danos. Em uma comunidade científica que favorece a publicação de ensaios com resultados positivos ou “significativos”, a publicação de estudos com viés de relato seletivo é mais provável (Dwan et al. 2008).

Além de informar inadequadamente pacientes e médicos, se os desfechos de interesse forem omitidos devido à ausência de significância estatística, esta omissão pode levar outros grupos de pesquisadores a conduzir ensaios clínicos semelhantes e a investigar os mesmos desfechos, o que pode ser desnecessário.

 

Passos para prevenção

Embora tenham sido tomadas medidas para tentar atenuar a questão do relato seletivo de desfechos, os ensaios clínicos ainda continuam modificando os desfechos pré-especificados sem justificativa.

Em 1997, o FDA criou o website ClinicalTrials.gov para que os autores registrassem seus ensaios clínicos de eficácia para doenças graves e potencialmente fatais. A partir de 2005, o  Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (The International Committee of Medical Journal Editors, ICMJE) tornou obrigatório o registro de ensaios clínicos para que os mesmos pudessem ser publicados. Em 2006, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu a Plataforma Internacional de Registros de Ensaios Clínicos (ICTRP) para apoiar o registro de ensaios clínicos envolvendo pacientes, e promover a transparência dos estudos clínicos.

Em 2007, uma emenda do FDA determinou que todos os ensaios clínicos conduzidos nos EUA deveriam ser registrados no ClinicalTrials.gov. Em 2019, entra em vigor o EU Clinical Trial Regulation (Regulamento de Ensaios Clínicos da União Europeia), que exige o registo de todos os ensaios clínico conduzidos na União Europeia na base EU Clinical Trials Register.

O Projeto COMPare é uma iniciativa que visa cinco dos periódicos de maior fator de impacto no campo da medicina e audita a troca de desfechos em ensaios clínicos randomizados publicados nesses periódicos.

Os investigadores de ensaios clínicos devem manter uma política de transparência e, se mudarem ou omitirem os desfechos planejados, uma explicação adequada deve ser fornecida aos leitores. Revisores e editores de periódicos devem comparar os artigos publicados com seu protocolo ou registro para avaliar a evidência de viés de relato de desfechos.

Link para o original: https://catalogofbias.org/biases/outcome-reporting-bias/

 

Deve ser citado como: Catalogue of Bias Collaboration, Thomas ET, Heneghan C. Outcome reporting bias. In: Catalogue Of Biases 2017: www.catalogueofbiases.org/outcomereportingbias

Fontes:

Chan A, et al.. Empirical Evidence for Selective Reporting of Outcomes in Randomized Trials: Comparison of Protocols to Published Articles. JAMA. 2004;291(20):2457–65.

Chan A, et al. Outcome reporting bias in randomized trials funded by the Canadian Institutes of Health Research. CMAJ 2004;171(7):735-40; doi: https://doi.org/10.1503/cmaj.1041086

Dwan K , et al. Systematic review of the empirical evidence of study publication bias and outcome reporting bias. PLoS One 2008;3:e3081.doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0003081

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Hart B, et al. Effect of reporting bias on meta-analyses of drug trials: reanalysis of meta-analyses. BMJ 2012;344:d7202; doi: https://doi.org/10.1136/bmj.d7202

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Kirkham JJ, et al. The impact of outcome reporting bias in randomised controlled trials on a cohort of systematic reviews BMJ 2010; 340 doi: https://doi.org/10.1136/bmj.c365

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