Tradutores: Tatiane B. Ribeiro, Ana Luiza Cabrera Martimbianco


 

Parecer

  • A N-acetilcisteína (NAC) tem sido indicada para o tratamento e/ou prevenção de diversas doenças respiratórias e de doenças envolvendo estresse oxidativo, incluindo a COVID-19.
  • Uma pesquisa realizada em 3 de abril de 2020 não encontrou nenhuma evidência específica de NAC para COVID, desta forma, os autores recorreram às evidências de outras doenças respiratórias agudas.
  • As evidências de ensaios clínicos para o uso de NAC como um antioxidante na gripe e outras infecções virais agudas do trato respiratório são muito limitadas e, portanto, é difícil extrair conclusões concretas devido a ausência de ensaios clínicos adicionais.

Uma droga antiga reaproveitada?

A N-acetilcisteína (NAC) foi introduzida nos anos 60 como um medicamento mucolítico para o tratamento de doenças respiratórias crônicas. Ela tem um perfil de segurança bem estabelecido e é comumente utilizada como um agente mucolítico, administrada por via oral em doses de 600mg/dia. Em ambiente hospitalar, também é indicada como antídoto para overdose de paracetamol (formulação intravenosa em doses de até 150mg/kg), e como nebulização em pacientes com doença broncopulmonar aguda (pneumonia, bronquite, traqueobronquite). A acetilcisteína torna a mucosa brônquica menos viscosa. Em estudos in vitro, os derivados da cisteína atuam rompendo pontes de dissulfeto entre macromoléculas, levando à redução na viscosidade do muco (1).

Entretanto, em doses mais elevadas (≥1200mg), a acetilcisteína também atua como antioxidante por meio de mecanismos complexos que podem combater as condições de estresse oxidativo. A acetilcisteína é um derivado do aminoácido natural cisteína, que serve como substrato para a síntese de glutationa (GSH) no organismo, que tem efeito antioxidante. Isto reduz a formação de citocinas pró-inflamatórias, como IL-9 e TNF-α. Este composto também dispõe de propriedades vasodilatadoras que aumentam os níveis cíclicos de GMP e contribuem para a regeneração do fator relaxante derivado do endotélio. Este potencial mecanismo antioxidante tem despertado interesse no contexto da pandemia de COVID-19, considerando uma possível aplicabilidade no ambiente comunitário.

Portanto, o objetivo foi realizar uma rápida revisão da NAC com ênfase específica no seu potencial de administração precoce na comunidade, para pacientes com maior risco de COVID-19 grave.

 

NAC e suas propriedades antioxidantes

A NAC parece apoiar a síntese de glutationa (GSH) em condições em que a demanda para GSH é aumentada durante o estresse oxidativo. A GSH é uma molécula crítica na resistência ao estresse oxidativo juntamente com a enzima glutationa redutase (GR) que recicla a glutationa oxidada de volta à forma reduzida. Os níveis de GSH diminuem com a idade e com determinadas condições de saúde, como por exemplo, Diabetes Mellitus Tipo 2 e doença cardiovascular (2). A NAC oral aumenta os níveis de GSH ao fornecer ao fígado um suprimento aumentado de cisteína que promove aumento na síntese de GSH e, portanto, reduz o estresse oxidativo. Com base em uma pequena série de casos (n=198), os pacientes com COVID-19 tiveram aumento notável dos níveis de glutationa redutase (GR) ocorrendo em aproximadamente 40% dos pacientes com COVID-19 (3).

Vários estudos investigaram a atividade antiviral da NAC contra as cepas de influenza A (4,5). Experimentos in vitro e in vivo mostram que a NAC aumenta os níveis de GSH, os quais reduzem a carga viral ao inibir a replicação viral em vários vírus, por exemplo, influenza A (H3N2 e H5N1). Entretanto, estes modelos sugerem que qualquer eficácia terapêutica da NAC é provavelmente dependente da cepa. O efeito protetor da NAC por si só pareceu como fraco ou nulo em alguns modelos, onde houve uma variação em sua eficácia a depender da cepa viral infectante.

A administração da NAC em doses elevadas (1,2 g por dia) não é recomendada em indivíduos saudáveis não expostos a estresse oxidativo extremo. A NAC pode na verdade atuar como um agente pró-oxidante, desta forma, reduzindo o GSH e aumentando a quantidade de GSH oxidado.

 

Dados limitados de ensaios clínicos para justificar seu uso na COVID-19

Na maioria dos estudos clínicos, a NAC têm sido utilizada como agente mucolítico (em monoterapia ou em combinação com outro medicamento) em dois subgrupos populacionais: populações pediátricas, doses menores com efeitos antioxidantes menos evidentes (6) em estudos de baixa qualidade, que datam principalmente dos anos 70 e 80; OU em pacientes com bronquite crônica, com períodos de tratamento longos (12±24 semanas), em doses de 400±600 mg/dia onde a NCA havia reduzido o risco de exacerbações e melhorou os sintomas em pacientes com bronquite crônica em comparação com placebo (11 ensaios, 2.011 participantes). (7)

As evidências de ensaios clínicos para o uso da NAC como antioxidante na gripe e outras infecções agudas do trato respiratório são limitadas e estão relacionadas a pequenos ensaios clínicos isolados. Um pequeno ECR (n=262) na década de 1990 mostrou que a NAC (600 mg duas vezes ao dia durante 6 meses) atenuou a gravidade (auto relato) da gripe (vírus A/H1N1) e os episódios semelhantes à gripe (avaliados pelo tempo de repouso) particularmente em idosos de alto risco, quando comparado ao placebo (8). Não houve mortes nem casos de hospitalização em nenhum dos grupos.

Em um pequeno ECR na China (n=39) com pacientes hospitalizados com pneumonia adquirida na comunidade, a adição de alta dose de NAC (1200mg/d por 10 dias) aos cuidados habituais sugeriu uma melhora nos parâmetros de estresse oxidativo e fatores inflamatórios, mas não foram observadas mudanças radiológicas em comparação com os cuidados habituais apenas. Não foram reportados resultados clínicos (9).

 

CONCLUSÕES

Dados pré-clínicos sugerem que a N-acetilcisteína e suas propriedades antioxidantes possam ser utilizadas na terapia e/ou prevenção de infecções respiratórias virais agudas, incluindo a gripe. Entretanto, é provável que a eficácia terapêutica da NAC seja dependente da cepa viral. As evidências de ensaios clínicos para o uso da NAC como um antioxidante na gripe ou outras infecções respiratórias agudas são muito limitadas. Portanto, é difícil obter quaisquer conclusões concretas na ausência de estudos maiores. Não encontramos nenhuma evidência específica sobre o uso da N-acetilcisteína para COVID-19.

Declaração: este artigo não foi revisado por pares; não deve substituir o julgamento clínico individual e as fontes citadas devem ser verificadas. As opiniões expressas nesse comentário representam as opiniões dos autores e não necessariamente as da instituição anfitriã, do National Health Service (HHS), do National Institute for Health Research (NIHR) ou do Departamento de Saúde do Reino Unido. As opiniões não substituem a consulta médica

AUTORES

Joseph Lee é Clínico Geral e doutorando do Nuffield Department of Primary Care Health Sciences, University of Oxford.

Oliver van Hecke é Clínico Geral e NIHR Academic Clinical Lecturer no Nuffield Department of Primary Care Health Sciences, University of Oxford.

  

ESTRATÉGIA DE BUSCA

Nós pesquisamos o Pubmed e Google Scholar em 4 de abril de 2020 usando os termos de busca *N-acetylcysteine, AND coronavirus, SARS-Cov-2, 2019-NCov, and COVID-19; and broader search terms N-acetylcysteine AND bronchitis OR common cold OR influenza OR pneumonia OR SARS OR MERS OR severe respiratory infections OR acute respiratory infections OR “Respiratory Tract Infections”[Mesh]). Além disso, incluímos revisões da literatura publicadas sobre este tema. Foi apresentado um resumo narrativo da literatura atual.

 


Referências

 

  1. Medici TC, Radielovic P. Effects of drugs on mucus glycoproteins and water in bronchial secretion. Journal of International Medical Research 1979;7(5):434‐
  2. Teskey G, Abrahem R, Cao R, et al. Glutathione as a Marker for Human Disease. Adv Clin Chem. 2018;87:141–159. doi:10.1016/bs.acc.2018.07.004
  3. Cao M, Zhang D, Wang Y, et al. Clinical Features of Patients Infected with the 2019 Novel Coronavirus (COVID-19) in Shanghai, China. (preprint) medRxiv 2020.03.04.20030395; doi: https://doi.org/10.1101/2020.03.04.20030395
  4. Geiler J, Michaelis M, Naczk P, et al. N-acetyl-L-cysteine (NAC) inhibits virus replication and expression of pro-inflammatory molecules in A549 cells infected with highly pathogenic H5N1 influenza A virus. Biochem Pharmacol. 2010 Feb;79(3): 413–20.
  5. Ghezzi P, Ungheri D. Synergistic combination of N-acetylcysteine and ribavirin to protect from lethal influenza viral infection in a mouse model.
  6. Chalumeau M, Duijvestijn YC. Acetylcysteine and carbocysteine for acute upper and lower respiratory tract infections in paediatric patients without chronic broncho-pulmonary disease. Cochrane Database Syst Rev. 2013 May 31;(5):CD003124.
  7. Stey C, Steurer J, Bachmann S, et al. The effect of oral N-acetylcysteine in chronic bronchitis: a quantitative systematic review. Eur Respir J. 2000 Aug;16(2):253-62.
  8. De Flora S, Grassi C, Carati L. Attenuation of influenza-like symptomatology and improvement of cell-mediated immunity with long-term N-acetylcysteine treatment. Eur Respir J. 1997 Jul;10(7):1535–41.
  9. Zhang Q, Ju Y, Ma Y, et al. N-acetylcysteine improves oxidative stress and inflammatory response in patients with community acquired pneumonia: A randomized controlled trial. Medicine (Baltimore). 2018 Nov;97(45):e13087.

 

Link para o original: https://www.cebm.net/covid-19/n-acetylcysteine-a-rapid-review-of-the-evidence-for-effectiveness-in-treating-covid-19/

 

Deve ser citado como: Oxford COVID-19 Evidence Service. Dr Oliver Van Hecke, Dr Joseph Lee. N-acetylcysteine: A rapid review of the evidence for effectiveness in treating COVID-19. https://www.cebm.net/covid-19/n-acetylcysteine-a-rapid-review-of-the-evidence-for-effectiveness-in-treating-covid-19/