Tradutores: Luciana Thiago, Enderson Miranda


 

 

Diferenciando pneumonia viral e bacteriana

Distinguir a pneumonia viral da pneumonia bacteriana é difícil na comunidade. Podem existir pistas importantes na história do paciente e examiná-lo pode ajudar a diferenciar as duas.

A orientação recente do NICE (Reino Unido) vai ajudar os clínicos nesse processo.

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PARECER

A pneumonia viral é uma complicação grave da COVID-19. Distinguir a pneumonia viral da pneumonia bacteriana na comunidade é difícil. Em alguns casos, as duas podem coexistir, aumentando as hipóteses de um desfecho ruim.  No entanto, podem existir indícios importantes na história e no exame do paciente que possam ajudar a diferenciar as duas. Orientações recentes do NICE (Reino Unido) apoiarão os clínicos neste processo de diferenciação.

CONTEXTO

A pneumonia adquirida na Comunidade (PAC) pode ser causada por vírus, bactérias e fungos (figura 1).

Pneumonia adquirida na comunidade

Etiologia depende de fatores como epidemiologia local, severidade da doença, e sexo, idade e comorbidades da pessoa

Causas bacterianas:

– Streptococcus pneumoniae (mais comum)

– Haemophilus influenzae

– Staphylococcus aureus

– Streptococci grupo A

– Moraxella catarrhalis

– Mycoplasma pneumoniae

– Clamídia

– Espécies de legionela

Viral:

– Influenza A e B

– Vírus respiratório sincicial

– Adenovírus

– Alguns tipos de coronavirus

Causas menos comuns:

– Pseudomonas aeruginosa

– Espectro estendido beta-lactamase da enterobacteriaceae

– Staphilococcus aureus resistente a meticilina

A pneumonia viral é uma complicação comum de doenças semelhantes à gripe, e também é uma complicação da SRA-COV-2.  A pneumonia viral pode desaparecer por si só. Contudo, quando grave, pode ser fatal.  Os vírus não são geralmente uma causa tão comum da PAC como algumas bactérias. No entanto, mesmo sendo um patógeno primário, os vírus podem também coexistirem com bactérias, particularmente naqueles com doenças graves que requeiram admissão na unidade de terapia intensiva (UTI) e em pneumonia associada a ventilação mecânica.

 

Evidência Atual

A pneumonia bacteriana adquirida na comunidade e a pneumonia viral podem coexistir. Uma revisão sistemática, incluindo 31 estudos (n=10.762 pacientes), revelou que 25% dos pacientes com PAC tinham infecções virais (IC 95% 22-28%), o que aumentou para 44% em estudos em que mais de 50% tinham uma reserva respiratória inferior. A revisão indicou que a interação entre a PAC e a infecção viral duplicou a mortalidade:  probabilidades de morte em doentes com infecção bacteriana e viral (OR 2.1, IC 95% 1.32 a 3.31) (10 estudos).

Outra revisão sistemática de 28 estudos (n= 8.777) identificou vírus respiratórios em 22% (IC 95% 18%-27%) dos doentes da PAC, aumentando para 29% (25%-34%) nos estudos em que foi utilizada a detecção da reação em cadeia da polimerase (PCR). A revisão concluiu que a proporção de vírus respiratórios mistos e de coinfecções bacterianas em doentes com PAC era de 10% (IC 95%: 6%-14%). Os vírus da gripe (9%), os rinovírus (5%) e os coronavírus (4%) representaram a maioria dos agentes patogénicos de vírus detectados.

Também foi demonstrado que o coronavírus ocorre com PAC. Num estudo de controle de casos realizado em Israel em 2010 (n=183 adultos com PAC, 450 controles), foram identificados coronavírus em 24 (13%) doentes com PAC, em comparação com 17 (4%) no grupo controle.

Entre aqueles que estão mais em risco, contam-se:

  • Os muito jovens e os idosos (há um declínio na incidência desde a adolescência até à quinta década).
  • Imunossupressão relacionada com a idade.
  • Comorbidades relacionadas com a idade.
  • Terapia imunossupressora e imunodeficiências secundárias.
  • Agentes hematológicos/imunológicos modificadores da doença em doenças crónicas

 

 Diferenciando a pneumonia viral da pneumonia bacteriana

Há poucos indícios para diferenciar a pneumonia bacteriana da viral.

Em um coorte de 310 pacientes com pneumonia viral ou não-viral adquiridas na comunidade, a pneumonia viral foi associada com:

  • Rinorreia (multivariada OR 3,52; IC 95%, 1,58-7,87)
  • Fração linfocitária superior nos glóbulos brancos,
  • Creatinina sérica mais baixa.
  • Opacidade do vidro fosco (GGO) em resultados radiológicos (multivariada OR 4,68; IC 95%, 2,48-8,89).

Veja também: Coronavírus 2019 (COVID-19): Uma revisão sistemática dos resultados de imagens em 919 pacientes.

O Desenvolvimento de um Modelo Preditivo à beira do leito e de um Sistema de Pontuação em 103 pacientes consecutivos classificados como tendo pneumonia tipo vírus (48), bacteriana (37) e desconhecida (18), descobriu que os preditores independentes para pneumonia bacteriana eram:

  • Início agudo dos sintomas (OR 31; IC 95%, 6-150),
  • Idade acima de 65 anos.
  • Comorbidade (OR 6,9; IC 95% 2-23),
  • Leucocitose ou leucopenia (OR 2; IC 95% 0,6-7).

 

A sensibilidade e especificidade da pontuação para identificar pacientes com pneumonia bacteriana foram de 89% e 94%, respectivamente. A amostra foi pequena, os resultados podem não ser generalizáveis fora do pronto socorro e eles não foram validados.

 

Uma regra diagnóstica para a etiologia das infecções do trato respiratório inferior em 145 adultos [infecção bacteriana (n = 35), viral (n = 49), ou dupla infecção (n = 8), ou infecção de causa desconhecida (n = 53)] encontrou os seguintes preditores independentes para a infecção bacteriana:

  • Febre (OR 8,0, IC 95% = 0,9 a 71,0).
  • Cefaleia (OR 4,3; IC 95% = 1,0 a 19,1).
  • Linfonodos cervicais dolorosos (OR 8.7; IC 95%  = 1.1 a 68.0)
  • Diarreia (OR = 0,3; IC 95% = 0,1 a 1,0)
  • Rinite (OR = 0,3; IC 95% = 0,1 a 0,9).

 

Procalcitonina

Uma metanálise incluiu 12 estudos de 2408 pacientes adultos com etiologia bacteriana versus não bacteriana da PAC documentada. Para os 8 estudos que utilizaram um corte de procalcitonina de 0,5 µg/L, as estimativas de sensibilidade e especificidade combinadas foram de 55% (IC 95%, 37-71%) e 76% (IC 95%, 62-86%), respectivamente. A revisão constatou que a sensibilidade e a especificidade eram ambas demasiadamente baixas e variáveis para que os resultados pudessem ser utilizados com confiança na tomada de decisões.

 

Cuidados de Suporte:

 

  • Manter a oxigenação conforme necessário.
  • Manter a hidratação pela ingestão oral supervisionada ou de fluidos intravenosos.
  • Diminuir a demanda de oxigênio.
  • Atender ao aumento das necessidades calóricas do paciente, secundário ao aumento do esforço respiratório.

 

MANEJO DE PNEUMONIA SUSPEITA OU CONFIRMADA EM ADULTOS DA COMUNIDADE DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19

 No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) produziu diretrizes rápidas para o manejo de pneumonia suspeita ou confirmada em adultos da comunidade durante a pandemia de COVID-19. A orientação faz referência específica para diferenciar a pneumonia viral COVID-19 da pneumonia bacteriana da seguinte forma:

Pneumonia viral COVID-19 pode ser mais provável se o paciente: Uma causa bacteriana de pneumonia pode ser mais provável se o paciente:
-Apresenta um histórico de sintomas típicos da COVID-19 durante cerca de uma semana.

 

-Tem dores musculares graves (mialgia).

 

– Tem uma perda do olfacto (anosmia).

 

– Está sem fôlego, mas não tem dor pleurítica.

 

– Tem um histórico de exposição a COVID-19 conhecido ou suspeito, tal como um contato doméstico ou no local de trabalho.

-Torna-se rapidamente indisposto após apenas alguns dias de sintomas.

 

– Não tem um histórico de sintomas típicos da COVID-19.

 

– Tem dores pleuríticas.

 

– Tem expectoração purulenta.

Opinião dos especialistas – sugestões adicionais incluídas*.

Pneumonia viral mais provável se Pneumonia Bacteriana mais provável se 
-Início insidioso.

 

-Temperatura mais baixa.

 

-Taquicardia ou taquipneia fora de proporção à temperatura.

 

-Uma escassez de achados físicos no exame pulmonar desproporcional ao nível de incapacidade.

 

-Achado pulmonar positivo bilateral.

-Início agudo.

 

-Temperatura mais alta.

 

– Resultados pulmonares unilaterais positivos.

 

*Pneumonia Viral [Atualizado em 2019 Dez 25]. Publicado em; 2020 Jan. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK513286/

 

Se o tratamento pode ser mantido na comunidade, a NICE continua a sugerir:

. Como a pneumonia COVID-19 é causada por um vírus, os antibióticos são ineficazes.

. Não oferecer um antibiótico para tratamento ou prevenção de pneumonia se a COVID-19 for provavelmente a causa e os sintomas são leves.

. Oferecer um antibiótico oral para o tratamento de pneumonia em pessoas que podem ou desejam ser tratadas na comunidade se:

      – a causa provável for bacteriana ou

      – não está claro se a causa é bacteriana ou viral e se os sintomas são mais preocupantes ou estão em alto risco de complicações porque, por exemplo, são mais velhos ou frágeis,

    – ou têm uma comorbidade pré-existente como imunossupressão ou doença cardíaca ou pulmonar significativa (por exemplo bronquiectasia ou DPOC), ou têm um histórico de doença grave após uma infecção pulmonar anterior.

 

– Ao iniciar o tratamento com antibióticos, o antibiótico oral de primeira escolha é

doxiciclina 200 mg no primeiro dia, depois 100 mg uma vez por dia durante 5 dias no total (não durante a gravidez)

alternativa: amoxicilina 500 mg 3 vezes por dia durante 5 dias.

 

– Não use antibióticos duplos rotineiramente.

– Para a escolha de antibióticos em alergia à penicilina, gravidez e doenças mais graves, ou se é provável que sejam patógenos atípicos, ver as recomendações sobre a escolha de antibióticos na diretriz de prescrição de antimicrobianos NICE sobre pneumonia adquirida na comunidade.

– Iniciar o tratamento antibiótico o mais rápido possível, tendo em conta quaisquer métodos diferentes necessários para administrar medicamentos aos doentes durante a pandemia de COVID-19

– Não oferecer rotineiramente um corticosteróide* a menos que o paciente tenha outras condições para as quais estes são indicados, tais como asma ou DPOC.

– Rede de segurança e revisão, conforme apropriado.

*Os corticosteróides foram amplamente utilizados durante o surto da SRA de 2002-3. No entanto, numa revisão sistemática subsequente, incluindo 29 estudos de baixa qualidade do uso de esteróides, foram relatados 25 estudos que foram inconclusivos e quatro relataram possíveis danos decorrentes do uso de esteróides.  Uma revisão adicional de evidências não suportou o tratamento com corticosteróides, não reportando qualquer evidência de benefício líquido com corticosteróides na “infecção respiratória devido a RSV, gripe, SRA-CoV, ou MERS-CoV e que os corticosteróides provavelmente prejudicam a depuração do SRA-CoV.

 

CONCLUSÕES

Distinguir a pneumonia viral da pneumonia bacteriana é difícil. Existem pistas importantes na história e no exame do paciente que podem ajudar a diferenciar as duas. O clínico deve estar ciente de que a coexistência de pneumonia viral e bacteriana aumenta o risco de morte.

 

LINK PUBMED

Procuramos no Pubmed usando Filtros de Consultas Clínicas systematic[sb] AND (viral pneumonia); (Diagnosis/Narrow[filter]) AND (viral pneumonia); (Clinical Prediction Guides/Narrow[filter]) AND (viral pneumonia), (Prognosis/Narrow[filter]) AND (viral pneumonia) e com o termo COVID.

 

Aviso: O artigo não foi revisto por pares; não deve substituir o julgamento clínico individual e as fontes citadas devem ser verificadas. As opiniões expressas neste comentário representam as opiniões dos autores e não necessariamente as da instituição anfitriã, do SNS, do NIHR, ou do Departamento de Saúde e Assistência Social. Os pontos de vista não substituem o aconselhamento médico profissional.

 


Autores

Carl Heneghan é o Editor Chefe da BMJ e Professor de MBE Centro de Medicina Baseada em Evidências, Departamento de Ciências da Saúde de Nuffield, Universidade de Oxford.

Annette Pluddemann é Diretora do Curso do Mestrado em Saúde Baseada em Evidência e também Pesquisadora Sênior do Centro de Medicina Baseada em Evidência.

kamal R. Mahtani é médico de família, Professor Associado e Diretor Adjunto do Centro de Medicina Baseada em Evidências, Departamento de Ciências da Saúde de Nuffield, Universidade de Oxford. É também Editor Associado da revista BMJ Medicina Baseada em Evidência e Diretor do Mestrado Baseado em Evidência de Cuidado de Saúde em Revisões Sistemáticas.