Tradutores: Airton Tetelbom Stein, Rachel Riera
PARECER
Há evidências fracas associando positivamente o voluntariado ao bem-estar. Para que este benefício ocorra, as pessoas precisariam sentir que o que fazem provavelmente faz a diferença e é valorizado. Essa ideia de “importância ou relevância” destaca o fato de que, embora não seja uma razão explícita para o voluntariado, a reciprocidade pode ser importante para que alguém continue empreendendo esse trabalho e ganhe psicologicamente com ele.
Considerando os muitos desafios apresentados pela pandemia da Covid-19, uma demonstração de solidariedade por meio do voluntariado é animadora. Dentro de 24 horas após um chamado governamental para que os cidadãos se alistassem no exército de voluntários do National Health Service (NHS, português: Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido), 500.000 pessoas haviam se inscrito. No início de abril, mais de 750,000 pessoas foram alistadas e começaram a realizar tarefas como entregar medicamentos em farmácias, levar pacientes a consultas ou fazer ligações telefônicas regulares para indivíduos isolados. Profissionais de saúde, farmacêuticos e funcionários das secretarias de saúde dos municípios fazem o upload das solicitações coletadas por esses voluntários em um aplicativo específico. Em outros locais fora do NHS, muitos outros esforços voluntários foram estabelecidos em resposta à pandemia da Covid-19. Neste blog, nós exploramos porque as pessoas podem ser atraídas para o voluntariado neste momento, o que elas podem ganhar com isso, e que lições o NHS pode aprender ao aproveitar o entusiasmo do público para oferecer assistência.
POR QUE AS PESSOAS PODEM ESTAR DISPOSTAS A SEREM VOLUNTÁRIAS DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19?
Uma rápida análise das reportagens da mídia sobre os motivos do voluntariado durante a pandemia da Covid-19 destaca que algumas pessoas querem “‘retribuir“, tendo recebido apoio do NHS para uma doença anterior; que isso pode ajudar as pessoas a sentirem que estão fazendo algo em um momento de crise; ou que isso lhes permite lidar com relatos tristes que ouvem todos os dias na mídia. Estas notícias mostram que as pessoas se oferecem como voluntárias, antecipando que podem precisar de ajuda no futuro, caso apresentem com uma infecção pelo vírus. Um senso de solidariedade também pode ser estabelecido através da união de outros no trabalho em prol de um propósito comum.
Na crise atual, o voluntariado pode ser reconfortante, ajudando as pessoas a superar sentimentos de inércia e desamparo (pois se encontram separadas de entes queridos e testemunham relatos sobre deficiências na infraestrutura familiar – saúde, governo, abastecimento de alimentos). Uma revisão de 33 artigos sobre motivos para o engajamento voluntariado durante emergências, sugeriu que, mesmo em uma situação considerada emocionalmente catártica, estar ligado a uma causa pode ser um fator-chave para encontrar consolo em colaborar com outros para um objetivo em comum.
O QUE SABEMOS SOBRE OS BENEFÍCIOS QUE O VOLUNTARIADO TRAZ PARA A SAÚDE?
Os voluntários podem referir que recebem um retorno de seus esforços tanto no nível individual quanto nas organizações que estão apoiando. As evidências mostram que o voluntariado pode alterar a autopercepção, permitindo às pessoas construir confiança e autoestima e aprender novas habilidades. Isto pode ajudar a combater o baixo humor, produzindo um pensamento mais positivo. Também tem sido sugerido que o voluntariado pode afirmar a própria identidade social, importante quando outros papéis têm diminuído (por exemplo, após a aposentadoria, perda do parceiro, filhos crescendo).
O voluntariado pode promover bem-estar, em especial entre aqueles com poucas conexões sociais. Ao ampliar suas redes através do voluntariado, as pessoas podem se sentir parte de uma comunidade que aumenta seu capital social (por exemplo, recursos ou contatos aos quais podem recorrer para obter assistência). O estabelecimento de laços sociais laços sociais gera confiança, fazendo com que as pessoas se sintam mais seguras. Porém, o contrário também pode ser verdade: que os laços sociais facilitam o voluntariado, de forma que aqueles com redes sociais existentes e bem desenvolvidas podem estar mais expostos e ouvir falar de oportunidades de voluntariado. Aqueles de origem carente ou desfavorecida são reportados como voluntários com menor frequência. Portanto, os benefícios do voluntariado dificilmente serão uniformes. Por exemplo, o voluntariado parece aumentar a satisfação na vida das pessoas mais velhas (com mais de 60 anos) mais do que nas mais jovens. Dados da British Household Panel Survey, adotando uma abordagem de curso de vida, sugerem que um impacto positivo resultante do voluntariado é mais pronunciado durante a meia-idade e idade avançada. Seus autores propuseram que, numa fase anterior da vida, as pessoas vejam o voluntariado como algo que se encaixa ao lado de outros compromissos (por exemplo, estudar ou parentalidade). Entretanto, há relatos de voluntariado ajudando os adolescentes a se sentirem mais conectados socialmente, e isso pode reduzi sua ansiedade, se escolhidos por livremente e não por demanda.
Os mais jovens são mais propensos a se voluntariarem de modo irregular. Há evidências de dose-resposta: mais voluntariado está ligado a maiores recompensas – embora nem todos os pesquisadores relatem esta associação. Não está claro qual é a dose ideal para garantir os benefícios do voluntariado. Algumas pesquisas mostram a uma melhora mais evidente no bem-estar psicológico entre aqueles que se envolvem em pelo menos 100 horas de atividade voluntária por ano. Outros estudos relatam que os benefícios diminuem ou não aumentam após mais de 100 horas por ano (2-3 horas por semana). Dados do National Council for Voluntary Organisations (Conselho Nacional de Organizações Voluntárias) mostram que cerca de um quinto das pessoas no Reino Unido se voluntariam pelo menos uma vez por mês para um grupo, clube ou organização.
A IDEIA DE “IMPORTÂNCIA”
Piliavin and Siegl distinguem dois tipos de bem-estar:
- Bem-estar hedônico: felicidade e satisfação de se sentir bem com a própria situação, que pode vir de diferentes áreas da vida, incluindo socializar com amigos e ter hobbies;
- Bem-estar eudaimônico: sentir-se bem consigo mesmo, por meio do serviço aos outros, por exemplo.
Pode haver uma série de atividades que fazem a pessoa se sentir bem, mas o voluntariado permite que a pessoa se sinta “bem consigo mesma“. Isto está relacionado à noção de “importância” termo usado para descrever o sentimento valorizado e capaz de agregar valor. “Importância” refere-se a uma percepção de que temos um papel no mundo, no qual nos sentimos notados e valorizados, e estamos dando valor aos outros. Tem sido ligado a melhor autoestima, autoaceitação, e menos depressão.
EVIDÊNCIAS
Embora haja evidências de que o voluntariado pode beneficiar a saúde emocional, o senso de si mesmo e a satisfação com a vida, estudos de tais associações muitas vezes derivam de estudos transversais e não de estudos de coorte prospectivos ou ensaios clínicos controlados; portanto, pode ser que aqueles com melhor saúde física e psicológica, ou bem-estar social, optem pelo voluntariado. Estudos longitudinais têm sugerido uma relação potencialmente causal entre apresentar uma situação saudável e voluntariado, mas sem dados incluindo mais comparação é difícil ter certeza se outros fatores estão envolvidos. Além disso, tais benefícios não estão necessariamente refletidos nos resultados dos estudos.
Outro problema na pesquisa deste tópico é que o que constitui o voluntariado é abrangente, dificultando as comparações entre estudos; ele cobre uma infinidade de atividades heterogêneas, portanto provavelmente é enganoso tratar todo o voluntariado como se fosse o mesmo ao considerar suas consequências para a saúde individual. Isto se estenderia a quais desfechos são avaliados; os desfechos devem ser mensuráveis com a atividade voluntária (por exemplo, não esperar melhor condição física de um programa voluntário que envolve leitura para crianças na escola).
O QUE O NHS PODE APRENDER SOBRE O VOLUNTARIADO A PARTIR DA CRISE ATUAL?
O voluntariado no NHS não é incomum. Os voluntários liberam tempo para que o pessoal pago possa se concentrar nas tarefas clínicas, enquanto ajudam as comunidades locais a se manterem em forma e bem. O plano de longo prazo do NHS incluiu o objetivo de duplicar o número de voluntários em toda a organização, em parte relacionado com o seu compromisso com a prescrição social. Como os gestores de saúde e os decisores políticos tentam criar uma cultura de participação do NHS, .eles devem assegurar que os voluntários experimentem uma sensação de serem apreciados e que possam desempenhar desempenhar um papel útil; como foi dito acima, isto pode aumentar o bem-estar dos voluntários. Por outro lado, uma experiência negativa pode fazer as pessoas acreditarem que elas não são apreciadas. Isso pode acontecer quando os voluntários não são apoiados, o que pode deixá-los sobrecarregados.
Um entendimento claro sobre como os voluntários podem contribuir para os serviços bem estabelecidos e o que eles podem e não podem fazer é necessário, para evitar ambiguidade de papéis. Pesquisas sugerem que alguns funcionários do NHS desconfiam dos voluntários em seu local de trabalho e estão preocupados com a substituição de empregos. É, portanto, essencial distinguir entre as tarefas remuneradas e as contribuições dos voluntários. No ano passado, os sindicatos de saúde publicaram uma carta, em parte para mitigar o medo sobre o uso de voluntários como uma alternativa barata ao pessoal pago e treinado, e para assegurar aos profissionais de saúde que os voluntários não estavam sendo introduzidos simplesmente em resposta a uma falta de pessoal.
Um desfecho que leva a um benefício com as habilidades, tempo e entusiasmo dos voluntários que estão apoiando o NHS em resposta à pandemia da Covid-19 pode exigir uma mudança cultural. Toda a organização deve reconhecer a contribuição desses indivíduos, para evitar cinismo e desmotivação. Como foi observado por Boyle e colaboradores “…isto vai levar a uma mudança de mentalidade, particularmente no NHS, que pode parecer ambivalente e de difícil acesso, e o pior cenário, não valoriza”. Pode também haver a necessidade de uma transformação de perceber os voluntários como mão-de-obra barata, dispostos a aceitar quaisquer tarefas que lhes sejam atribuídas, sem muita orientação ou encorajamento; é provável que os voluntários, mesmo que subconscientemente, estejam buscando alguns benefícios (por exemplo, sentir que estão fazendo a diferença, conhecer pessoas ou desenvolver novas habilidades). Assim, aqueles que estão identificando oportunidades de voluntariado podem precisar investir tempo no desenvolvimento de relacionamentos e na prestação de apoio e treinamento. O voluntariado não deve ser considerado como uma atividade sem custos; requer uma infraestrutura apropriada para ser bem sucedido, para que os voluntários sejam bem gerenciados..
CONCLUSÃO
Uma forma potencial de aumentar o bem-estar em tempo de crise pode ser estimular o sentimento de “importância” das pessoas, através do voluntariado. Isto pode trazer benefícios particulares para os membros mais velhos da população, permitindo-lhes estabelecer um forte papel social e vínculos. Mas como eles correm um risco particular de sofrer efeitos negativos ao apresentarem Covid-19, o voluntariado pode ser limitado no momento por orientações para evitar contatos sociais.
A impressionante resposta pública durante a pandemia da Covid-19 mostra que existe um conjunto de indivíduos considerável, potencialmente inexplorado, para o NHS, embora o “exército voluntário” recentemente recrutado esteja oferecendo apoio e não trabalhando diretamente na organização em si (por exemplo, transportando equipamentos médicos, entregando medicamentos às pessoas, levando pacientes a consultas, fazendo ligações telefônicas para aqueles que estão isolados em casa). Pode ser importante capitalizar o atual entusiasmo nacional pelo voluntariado, pois o país tem que lidar com as consequências sociais e econômicas da Covid-19.
Declaração de transparência: O artigo não foi revisto por pares; não deve substituir o julgamento clínico individual e as fontes citadas devem ser verificadas. As opiniões expressas neste comentário representam as opiniões dos autores e não necessariamente as da instituição anfitriã, NHS, NIHR, ou do Department of Health and Social Care. Os pontos de vista não substituem o aconselhamento médico profissional.
AUTORES
Agradecimentos: Agradecemos a Helen Gilbert e Jeffrey Aronson por comentários úteis sobre um rascunho anterior. Ambos os autores são apoiados pelo NIHR School for Primary Care Research Evidence Synthesis Working Group [project 390] e pela NIHR School for Primary Care Research [project 483].