Tradutores: Daniela Oliveira de Melo, Enderson Miranda


 

 

 

PARECER

A atual evidência para sugerir que alterações na percepção olfativa são uma característica de COVID-19 é limitada e inconclusiva. São necessárias mais evidências para estabelecer se há ou não ligação entre as mudanças no olfato e a COVID-19. Entretanto, encorajamos que os clínicos incluam em sua prática clínica, questões relacionadas à perda de olfato ao avaliarem pacientes com suspeita de COVID-19.

CONTEXTO

Existem 2 tipos de alterações olfativas – Anosmia e Hiposmia.

O que é Anosmia?

Anosmia é a perda total do olfato.

O que é Hiposmia?

Hiposmia é uma perda parcial do olfato.

Por que realizar essa revisão neste momento?

Dezenas de reportagens recentes nos meios de comunicação sugerem que a anosmia de início recente, na ausência de obstrução nasal ou doença respiratória subjacente, pode ser uma característica clínica da COVID-191-3.

Qual foi o objetivo da revisão?

Compreender a evidência existente acerca dos sintomas olfativos (anosmia e hiposmia) como característica clínica da COVID-19.

 

EVIDÊNCIA ATUAL

Quais bases de dados foram utilizadas?

Foi conduzida uma revisão rápida e sistemática de escopo da literatura nas 5 grandes bases de dados (Medline; Embase; via Ovid; CINAHL via Ebsco; Web of Science e Scopus; via ProQuest).

Também foi realizada busca na literatura cinzenta ((sites das sociedades membro da Federação Internacional  de Otorrinolaringologia (FIO)); https://www.medrxiv.org/ (base de manuscritos (não publicados e/ou revisados por pares) na área das ciências da saúde); e sites de organizações profissionais relevantes ((p.e Sociedade de Profissionais Sensoriais, Fifth Sense (Quinto sentido) do Reino Unido)) em combinação com consulta aos especialistas.

Quais foram os critérios de inclusão?

Estudos ou evidência publicados entre 31 de dezembro de 2019 e 23 de março de 2020 foram elegíveis para inclusão. Não foi imposta restrição de idioma. Estudos foram elegíveis para a inclusão final se descrevessem aspectos clínicos de COVID-19 – especificamente aqueles relacionados a sintomatologia do olfato.

Como foi classificada a evidência?

A evidência incluída foi classificada utilizando o guia de níveis de evidência do Centro de Medicina Baseada em Evidências da Oxford (CEBM).

 

RESULTADOS

Qual é a evidência que subsidia a sugestão de que as mudanças no olfato poderiam ser características da COVID-19?

Foram identificadas 4 evidências relevantes sugerindo que os sintomas olfativos seriam uma característica clínica potencial da COVID-19, incluindo:

  • Um estudo de Mao et al., não revisado por pares, da China, onde 11 dos 214 (5,1%) pacientes com diagnóstico confirmado de SARS-CoV-2 reclamaram de hiposmia. Entretanto, esse achado não foi considerado significativo (p=0.338).4
  • Três pareceres de especialistas das associações Americana, Britânica e Francesa de Otorrinolaringologia. 5-7

É importante notar que pareceres de organizações profissionais são amplamente baseados em observações clínicas anedóticas emergentes sem revisão por pares. O parecer da Associação Britânica de Otorrinolaringologia, ABO, (que até agora tem recebido a maior atenção na mídia popular) indicou que tinham ‘’boas evidências” provenientes de diversos países onde pacientes com diagnóstico confirmado de COVID-19 também desenvolveram sintomas olfativos.

Após esclarecer esta informação com representantes da ABO, ficou claro que o posicionamento foi baseado em mensagens anedóticas, compartilhadas entre clínicos em um fórum online exclusivo para otorrinolaringologistas. Devido a regras de privacidade, não foi possível ter acesso a este fórum para realizar a análise das mensagens compartilhadas.

O comunicado à imprensa também afirmou que “na Coréia do Sul, onde os testes têm sido mais difundidos, 30% dos pacientes testados positivo têm apresentado a anosmia como principal sintoma em casos que, de outra forma, seriam leves”.6 Essa evidência se refere a uma reportagem de um veículo de notícias coreano. Um jornalista entrevistou médicos em hospitais de Daegu. Um médico foi citado como tendo dito: “Se você reunir os médicos que realizaram rondas na enfermaria ou falaram com os pacientes ao telefone, aproximadamente 30% dos pacientes confirmados (COVID-19 positivo) relataram a perda do olfato como sintoma”8

 

Qual é a qualidade da evidência para sugerir que sintomas olfativos são uma característica clínica potencial da COVID-19?

No geral, a evidência foi classificada como “inconclusiva” (GRADE D) utilizando a diretriz do Centro de Medicina Baseada em Evidencia de Oxford (CEBM).

Durante o processo de revisão sistemática, também foram identificados 56 estudos revisados por pares que descrevem as características clínicas em casos confirmados de COVID-19. Nenhum destes estudos mencionam sintomas olfativos como característica clínica de COVID-19.

EVIDÊNCIA EMERGENTE SOBRE COVID-19

CONCLUSÕES

  • A evidência atual sobre mudanças no olfato ser uma característica clínica da COVID-19 é altamente preliminar e principalmente baseada em informações clínicas anedóticas que foram revisadas por pares.
  • Mudanças no olfato secundárias à COVID-19 não foram mencionadas como sintoma em nenhum dos 56 estudos existentes, onde foram relatados sintomas de pacientes com casos confirmados da doença.
  • Isto pode ser por várias razões: (i) os sintomas relacionados ao olfato podem não ter sido desencadeados e registrados (ii) a menos que os pacientes estejam monitorando conscientemente a perda olfativa, muitos deles podem não se dar conta dessa manifestação ou procurar atendimento médico por dias ou semanas (iii) a perda olfativa pode ser um sintoma em casos mais leves da doença, ao invés de pacientes críticos que necessitavam de hospitalização, o que constitui a grande maioria dos pacientes incluídos na literatura até o momento.
  • A base de evidências preliminar atual sobre sintomas olfativos como característica potencial da COVID-19 está, até o momento, limitada a declarações de especialistas e a um estudo preliminar (não revisado por pares e inconclusivo). No entanto, relatórios clínicos anedóticos sugerem que esta característica deve ser investigada mais a fundo. Qualquer anosmia nova de início, na ausência de obstrução nasal ou sintomas respiratórios, deve ser registrada por clínicos que suspeitem que um paciente possa ser positivo para a COVID-19.

Declaração: Este artigo não foi revisado por pares; ele não deve substituir o julgamento clínico individual e as fontes citadas devem ser verificadas. As opiniões expressas neste comentário representam as opiniões dos autores e não necessariamente as da instituição anfitriã, do NHS, do NIHR, ou do Departamento de Saúde e Assistência Social. Os pontos de vista não são um substituto para o aconselhamento médico profissional.

AUTORES

James O’Donovan é um candidato a DPhil e doutor em medicina no Departamento de Educação da Universidade de Oxford. Twitter: @james_odonovan

Sarah Tanveer é um candidata a PhD na Universidade de Maryland.  Twitter: @SarahTanveer

Nicholas Jones é pesquisador de doutorado da Wellcome Trust na Universidade de Oxford.

Claire Hopkins é professora de Rinologia no Kings College London, Reino Unido.

Brent A. Senior é professor de Otorrinolaringologia/Neurocirurgia na Escola de Medicina da UNC, EUA.

Sarah K. Wise é Professora de Rinologia/Cirurgiais Professor Rhinology/Cirurgia Sinusal na Emory Medicine, EUA.

Jon Brassey é diretor da Trip Database LTD, lider da “Mobilização do conhecimento” na Saúde Pública do País de Gales (NHS) e é um editor associado na BMJ Evidence-Based Medicine.

Trisha Greenhalgh é Professora de Atenção Básica na Universidade de Oxford. Twitter: @trishgreenhalgh

TERMOS DA BUSCA

A combinação de termos abaixo foi usada na busca da literatura:

“SARS‐CoV‐2” OR “2019‐nCoV” OR “Coronavirus” OR “COVID-19”

AND

“Anosmia” OR “Hyposmia” OR “loss of smell” OR “symptom*” OR “clinical feature*” OR “Smell” OR “olfact*”SEARCH TERMS

 


REFERÊNCIAS:

  1. CNN. Doctors say loss of sense of smell might be Covid-19 symptom. 2020; https://edition.cnn.com/2020/03/23/health/coronavirus-symptoms-smell-intl/index.html. Accessed 23/03/2020.
  2. Roni Caryn Rabin. Lost Sense of Smell May Be Peculiar Clue to Coronavirus Infection. New York Times. 23rd March 2020, 2020.
  3. The Independant. Coronavirus: New symptom of virus could be loss of taste and smell, top UK doctor says. 2020; https://www.independent.co.uk/news/health/coronavirus-symptoms-taste-smell-loss-ear-nose-throat-a9416226.html. Accessed 23/03/2020.
  4. Mao L, Wang M, Chen S, et al. Neurological Manifestations of Hospitalized Patients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective case series study. 2020.
  5. American Academy of Otolaryngology – Head and Neck Surgery. AAO-HNS: Anosmia, Hyposmia, and Dysgeusia Symptoms of Coronavirus Disease. 2020; https://www.entnet.org/content/aao-hns-anosmia-hyposmia-and-dysgeusia-symptoms-coronavirus-disease. Accessed 23/03/2020.
  6. ENT-UK. Loss of sense of smell as marker of COVID-19 infection 2020; 2. Available at: https://www.entuk.org/sites/default/files/files/Loss%20of%20sense%20of%20smell%20as%20marker%20of%20COVID.pdf.
  7. Alerte Anosmie COVID-19 [press release]. France, 20/03/2020 2020.
  8. ChoSun. [최보식이 만난 사람] “가장 힘들고 위험한 일 시켜달라… 이름 노출은 원치 않던 그 의사들 출처 2020; https://news.chosun.com/site/data/html_dir/2020/03/16/2020031600009.html. Accessed 22/03/2020