Tradutor: Airton Tetelbom Stein


 

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Pergunta: O que explica a alta taxa de transmissão do Sars-CoV-2 nas instalações de carnes e aves?

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Resposta resumida:

O ambiente de trabalho nestas instalações é favorável à persistência do SARS-CoV-2 (superfícies metálicas, baixas temperaturas e umidade relativa).

O ambiente de trabalho pode ajudar a transmissão do SRA-CoV-2 (locais de trabalho lotados, transporte compartilhado, produção de aerossóis, gotículas, fômites).

Uma força de trabalho vulnerável e de baixa remuneração pode estar sob pressão para continuar trabalhando, apesar de ter sintomas de COVID-19.

Um resumo expandido encontra-se abaixo; um artigo completo foi submetido para publicação e será referenciado a partir desta página quando publicado como pré-impressão.

Introdução

Numerosos surtos de coronavírus 2019 (COVID-19) foram descritos em relação às instalações de processamento de carne e aves em diferentes países. O assunto está atraindo considerável interesse da grande mídia e das mídias sociais.

Nós queríamos entender melhor porque existem clusters de COVID-19 nestas instalações. Nossas perguntas de revisão estão listadas abaixo.

Como a questão está sendo apresentada na imprensa leiga e nas mídias sociais?

Qual é a natureza do processo de trabalho nas instalações de carnes e aves?

Como o ambiente de trabalho afeta a persistência e transmissão do SARS-CoV-2 nas instalações de carne e de aves?

Como as instalações de carne e de aves são propícias a vírus transmitidos pelo ar?

Métodos

O estudo foi realizado em maio de 2020. Seguimos duas abordagens de pesquisa paralelas: Primeiro, uma análise de artigos da imprensa leiga usando uma pesquisa no Google News, e posts no Twitter usando uma abordagem analítica descrita separadamente. Traçamos temas-chave desde artigos identificados até a saturação (ou seja, até que novos artigos de imprensa não contivessem novos temas). Em segundo lugar, uma pesquisa rápida de palavras-chave nas bases de dados PubMed e Medline. Também foram incluídos artigos relevantes sugeridos por co-autores com expertise especializada. Todos os tipos de estudo foram incluídos. Os dados foram reunidos iterativamente usando síntese narrativa, progressivamente construindo uma compreensão dos múltiplos fatores de interação a nível humano, material, organizacional e de sistema.

Resultados

Q1.  Como a questão está sendo abordada na imprensa leiga?

Artigos recentes de jornais retratam uma indústria dominada por grandes empresas multinacionais, trabalhando para pressões “just in time” na cadeia de suprimentos e orientada para a maximização da eficiência. A força de trabalho é retratada como extremamente vulnerável e a natureza do trabalho dificulta ou impossibilita a implementação e seguimento de altos padrões de controle de infecções. Algumas fábricas parecem ter observado níveis extremamente altos de transmissão. A má qualidade e, às vezes, a lotação de pessoas e de má qualidade de transporte são listadas como agravantes dos riscos. A tensão entre os controles regulatórios (que muitas vezes requerem fechamentos prolongados) e o lobby de vozes poderosas da indústria (que pressionam para permanecerem abertas) ocorre de forma diferente em diferentes países.

Q2.  Qual é a natureza do processo de trabalho nas instalações de carne e aves?

O abate e processamento de carne envolve várias etapas realizadas em condições de linhas de produção intensivas e lotadas e envolvendo tanto temperaturas baixas quanto altas, em ambientes de trabalho com altos níveis de umidade relativa e exigindo (mas talvez não tendo) sistemas de ventilação eficientes. Os ambientes de trabalho são tipicamente barulhentos.

Q3. Qual é o impacto de aspectos do ambiente de trabalho na persistência do SARS-CoV-2?

O SRA-CoV-2 sobrevive mais tempo a temperaturas mais baixas e a humidades relativas tanto altas como baixas. Equipamento de proteção individual (EPI) devidamente usado e removido provavelmente reduz a transmissão do vírus neste ambiente. No entanto, pode haver barreiras ao uso adequado e consistente de tais equipamentos, mesmo quando são fornecidos, e os trabalhadores podem não ser treinados ou adequadamente supervisionados. A necessidade de gritar para superar o ruído pode aumentar a transmissão do SARS-CoV-2 através da aerossolização.

Q4.  Os vírus podem ser transmitidos pelo ar em fábricas de carne e de aves?

Embora a transmissão por carcaças de animais seja improvável, há alguma evidência de que os manipuladores de alimentos podem ser as principais fontes de bioaerossóis internos na indústria de alimentos. Os funcionários podem carregar e distribuir microorganismos através de suas roupas, por contato, tosse ou espirro. Sistemas de ventilação inadequados podem desempenhar um papel significativo, bem como manutenção e saneamento inadequados. Não há evidência direta de que o SARS-CoV-2 seja transmitido de humano para humano pela propagação por via aérea neste ambiente.

Conclusão

Os múltiplos fatores que interagem explicam a alta taxa de infecção e a ocorrência de focos em frigoríficos e avícolas. Um relatório recente do CDC sobre instalações de carne e aves e Covid-19 [1] incluiu uma tabela resumida de questões-chave de saúde ocupacional e recomendações, que reproduzimos com permissão abaixo, reconhecendo o trabalho do autor principal Jonathan Dyal.

 

Referência

  1. Dyal JW, Grant MP, Broadwater K, et al. COVID-19 Among Workers in Meat and Poultry Processing Facilities ― 19 States, April 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2020;69:557–561. DOI: http://dx.doi.org/10.15585/mmwr.mm6918e3external