Tradutores: Daniela Oliveira de Melo, Rachel Riera


 

 

PARECER

  • Não há estudos avaliando o uso de estabilizadores de mastócitos, antagonistas de leucotrienos ou anti-histamínicos na COVID-19.
  • Lesões pulmonares e a “tempestade de citocinas” observadas na infecção causada pelo SARS-CoV-2 estão associadas à níveis elevados de citocinas pró-inflamatórias. Especula-se que estabilizadores de mastócitos poderiam atenuar complicações pulmonares, inflamações fatais e mortes pela COVID-19.
  • Não está claro ainda se a administração de estabilizadores de mastócitos na COVID-19 seria benéfica. Ensaios clínicos seriam necessários para determinar se esses medicamentos podem ser direcionados para o tratamento desta doença.

CONTEXTO       

Os mastócitos estão presentes nos tecidos conjuntivos e mucosos. Eles participam do processo imunológico inato e adaptativo e têm um papel importante nas inflamações e alergias. Já se sabe que os mastócitos localizados na submucosa do trato respiratório são ativados pelo vírus SARS-CoV-2 (1) (ver Figura 1). Uma vez ativados, ocorre a degranulação, liberando histamina e proteases. Uma ativação tardia de mastócitos leva à liberação de citocinas pró-inflamatórias como IL-1, IL-6, (1,2) e TNF-α (3). A vitamina D é necessária para manter a estabilidade dos mastócitos, e a deficiência nessa vitamina resulta na ativação dos mastócitos(4).

Figura 1 (5) (reproduzida com a autorização do autor) SARS-CoV-2 pode ativar mastócitos no sistema respiratório através de receptores do tipo toll (TLR) ou induzindo o cross-linking do IgE-FcεRI. Mastócitos ativados liberam citocinas pro-inflamatórias como IL-1, IL-6 e TNF-α como também mediadores broncoconstritores como histamina, prostaglandina-D2 e leucotrieno-C4. Produções e liberações anormais desses mediadores pelos mastócitos podem futuramente agravar a inflamação induzida causada pelo SARS-CoV-2 no sistema respiratório. Estabilizadores de mastócitos podem aliviar as respostas inflamatórias e complicações pulmonares ao suprimir a ativação de mastócitos na infecção pelo SARS-CoV-2. TNF-α: fator-α de necrose tumoral, IL: interleucina. LTC4: leucotrieno-C4, PGD2: prostaglandina-D2.

Todas as três classes de fármacos são comumente usadas na prevenção e tratamento de distúrbios mediados pela ativação de mastócitos, desde asma até rinite alérgica. Antagonistas de leucotrienos, como o montelucaste, são amplamente usados no tratamento de asma crônica (6). Anti-histamínicos bloqueiam a inflamação e broncoconstricção das vias aéreas provocadas pela liberação de histamina pelos mastócitos e são extensamente usados para conjuntivite, rinite e sinusite alérgicas. Estabilizadores de mastócitos, como cromoglicato dissódico e cetotifeno, inibem a degranulação dessas células, e são usados para asma, rinite alérgica e alergia alimentar.

PORQUE CONSIDERAR ESSES MEDICAMENTOS NA COVID-19?

A COVID-19 manifesta-se principalmente no sistema respiratório (7). Os sintomas predominantes são tosse e febre; complicações tardias incluem dispneia, pneumonia, insuficiência respiratória e sepse, o que pode ser fatal (7).

Condições alérgicas do trato respiratório como rinite e asma podem causar rinorreia, tosse e falta de ar, os quais são sintomas que podem se sobrepor aos observados na COVID-19. Portanto, é possível que medicamentos para alergias possam também aliviar os sintomas da COVID-19.

Nós sabemos que certas citocinas como a IL-6 são conhecidas por contribuirem nas inflamações do pulmão e tecidos, na febre e fibrose em resposta a infecções virais (1). Foram encontrados elevados níveis de expressão de IL-1, IL-6 e TNF-α na autópsia dos pulmões e células bronquiais infectadas de pacientes que faleceram pelo SARS. Na influenza A, o acúmulo e ativação de mastócitos em tecidos infectados está associado à patologia local (3).

A maioria dos pacientes hospitalizados com COVID-19 apresentam elevação sistêmica de citocinas pró-inflamatórias como IL-6 e TNF-α (7). Em alguns casos, essas citocinas podem agravar a inflamação excessiva especialmente nos pulmões durante a COVID-19 (5). Isto é chamado de “tempestade de citocinas” na qual mastócitos desempenham um papel crucial (2). Isso pode resultar em uma possível sepse com lesões orgânicas fatais (3). A gravidade das complicações pulmonares na COVID-19 é estreitamente relacionada aos níveis de pico da IL-6 (9). A excessiva ativação de mastócitos e liberação de citocinas pode também ter um papel crucial no desenvolvimento de fibrose pulmonar na COVID-19, particularmente em populações pré-dispostas a desenvolver doenças relacionadas à ativação de mastócitos (2). Fibrose pulmonar pode resultar em doença pulmonar crônica naqueles que se recuperam (10). Sendo assim, estabilizadores de mastócitos podem ter o potencial de reduzir a liberação de citocinas por essas células, o que pode atenuar complicações pulmonares, inflamações fatais e morte pela COVID-19 (2).

Estabilizadores de mastócitos têm demonstrado aumentar a sobrevida em casos de sepse em ratos selvagens mas não em ratos com deficiência em mastócitos (11). Em um estudo, todos os ratos com sepse induzida por vírus sobreviveram quando usado o estabilizador de mastócitos cetotifeno com um antiviral; naqueles que foi administrado um antiviral ou cetotifeno isoladamente tiveram uma taxa menor de sobrevivência (12). Cetotifeno também demonstrou diminuir lesões pulmonares e morte celular nos ratos infectados com o vírus da influenza A (12).

EVIDÊNCIAS DE ESTABILIZADORES DE MASTÓCITOS, ANTAGONISTAS DE LEUCOTRIENOS E ANTI-HISTAMÍNICOS PARA COVID-19

Foram pesquisadas as bases PubMed e Google Scholar a procura de estudos que incluíam termos para estabilizadores de mastócitos, antagonistas de leucotrieno ou anti-histamínicos e COVID-19. Não foi identificado nenhum estudo que tenha avaliado o uso de estabilizadores de mastócitos, antagonistas de leucotrieno ou anti-histamínicos na COVID-19. Como as buscas não identificaram resultados relevantes, os critérios foram ampliados para incluir outras infecções virais agudas do trato respiratório.

 

EVIDÊNCIAS DE ESTABILIZADORES DE MASTÓCITOS, ANTAGONISTAS DE LEUCOTRIENO E ANTI-HISTAMÍNICOS EM INFECÇÃO VIRAL AGUDA DO TRATO RESPIRATÓRIO

Devido às semelhanças dos sintomas alérgicos das vias respiratórias superiores com aqueles observados no resfriado comum, estudos têm sido realizados para avaliar se os anti-histamínicos teriam um papel no alívio dos sintomas em ambas as condições. Uma revisão sistemática da Cochrane com 18 ensaios controlados randomizados incluindo adultos e crianças (13) concluiu que os anti-histamínicos têm um efeito benéfico limitado no curto prazo (dias um e dois do tratamento) sobre a gravidade dos sintomas em geral, mas não no médio e longo prazo. Não houve efeito clínico significativo na obstrução nasal, rinorreia ou espirros.

Excluindo a bronquiolite infantil, (causada pelo vírus sincicial respiratório) não foi encontrado nenhum estudo relevante avaliando o efeito de beta-agonistas como o salbutamol (integrado em nossa busca como um tipo de estabilizador de mastócitos), ou de antagonistas de receptores de leucotrienos, como o montelucaste, em resultados clínicos na infecção viral aguda do trato respiratório.

A vitamina D também tem demonstrado contribuir para a estabilização dos mastócitos (4). Há evidências limitadas de que a suplementação com vitamina D no tempo de semanas a meses possa ser profilática contra infecções agudas do trato respiratório naqueles indivíduos com níveis baixos ou muito baixos de vitamina D (14). A evidência para tratamento ou prevenção do COVID-19 com vitamina D é avaliada aqui (15).

CONCLUSÕES

  • A pneumonia grave induzida por coronavírus humano incluindo SARS-CoV-2 está associada a respostas elevadas de citocinas pró-inflamatórias, que resultam em lesões pulmonares agudas, síndrome respiratória aguda grave e possível fibrose pulmonar crônica. Os mastócitos são a principal fonte de citocinas pró-inflamatórias e mediadores broncoconstritores.
  • Até o momento da redação deste artigo, não haviam sido encontradas evidências sobre o uso de estabilizadores de mastócitos, antagonistas de leucotrienos ou anti-histamínicos na COVID-19.
  • Havia evidências corroborando o alívio sintomático a curto prazo quando administrados anti-histamínicos para o tratamento do resfriado comum.
  • Evidências clínicas adicionais são necessárias para determinar se os estabilizadores de mastócitos podem ser benéficos para o tratamento da COVID-19.

Declaração de transparência: o artigo não foi revisado por pares; não deve substituir o julgamento clínico individual e as fontes citadas devem ser verificadas. As opiniões expressas neste comentário representam as opiniões dos autores e não necessariamente as da instituição anfitriã, do NHS, do NIHR, ou do Departamento de Saúde e Assistência Social. Os pontos de vista não substituem o aconselhamento médico profissional.

 

AUTORES

Meriel Raymond* e Gemma Ching-A-Sue* são clínicas gerais. Meriel é bolsista do NIHR do Nuffield Department of Primary Care Health Sciences, University of Oxford. Gemma é clínica geral com ampla atuação em oftalmologia no Hospital John Radcliffe, Oxford. Oliver Van Hecke é clínico geral e docente de práticas clínicas do NIHR, sediado no Nuffield Department of Primary Care Health Sciences, University of Oxford.

*Co-primeiros autores para esta revisão do CEBM

 

TERMOS DA PESQUISA

 

Pesquisamos no PubMed e no GoogleScholar em 22 de abril de 2020 usando termos abrangentes para incluir o uso de anti-histamínicos, estabilizadores de mastócitos e antagonistas do leucotrienos em qualquer infecção do trato respiratório (ver Tabela 1). Os resultados foram restritos a artigos disponíveis em inglês. Uma pesquisa mais restrita também foi feita no LitCOVID e os preprints solicitados/selecionados no medRxiv.org. Também incluímos revisões da literatura já existentes sobre este tópico e revisamos referências relevantes de artigos de revisão. Ambos os autores avaliaram os títulos e resumos para selecionar aqueles relevantes para esta revisão, com orientação de um terceiro revisor. Fornecemos um resumo narrativo da literatura atual.

 

Tabela 1. Estratégia de Pesquisa

Subgrupo Termos de busca ampliados utilizados
Coronavirus 2019nCoV, Wuhan coronavírus, Sídrome Respiratória Aguda Grave Coronavírus 2, 2019-nCoV, WN-CoV, nCoV, SARS-CoV-2, HCoV-19, novo coronavírus
Infecções Respiratórias SARS, MERS, pneumonia, infecções respiratórias agudas, infecções do trato respiratório, gripe, resfriado comum, bronquite
Estabilizadores de Mastócitos Cromoglicato, cetotifeno, nedocromil sódico, metilxantina*, teofilina, aminofilina, Vitamina D, vit d*, colecalciferol, estab de mastócitos*, estabilizadores de mastócitos* beta 2 agonista*, b2 agonista*, salbutamol, terbutalina, salmeterol, bambuterol, formoterol
Antagonistas de Leucotrienos Montelucaste
Anti-histamínicos Anti-histamínico, hidroxizina, clorofenamina, acrivastina, bilastina, cetirizina,  fexofenadina, levocetirizina, loratadina, mizolastina, desloratadina, alimemazina, clemastina, cinarizina

 

 


REFERÊNCIAS:

  1. Kritas SK, Ronconi G, Caraffa A, Gallenga CE, Ross R, Conti P. Mast cells contribute to coronavirus-induced inflammation: new anti-inflammatory strategy. J Biol Regul Homeost Agents [Internet]. 2020;34(1):2019. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/32013309
  2. Taumann W, Molderings G. MC Sciences Statement – Additional COVID-19 Treatment Options [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 16]. Available from: https://www.mcsciences.com/news-2/
  3. Graham AC, Temple RM, Obar JJ. Mast cells and influenza A virus: Association with allergic responses and beyond. Front Immunol. 2015;6:1–12.
  4. Liu ZQ, Li XX, Qiu SQ, Yu Y, Li MG, Yang LT, et al. Vitamin D contributes to mast cell stabilization. Allergy Eur J Allergy Clin Immunol. 2017;72(8):1184–92.
  5. Kilinc E, Baranoglu Y. Mast cell stabilizers as a supportive therapy can contribute to alleviate fatal inflammatory responses and severity of pulmonary complications in COVID-19 infection. Anadolu Klin Tıp Bilim Derg. 2020;25(Supplement 1):111–8.
  6. NICE. Asthma: diagnosis, monitoring and chronic asthma management [Internet]. NICE guidance. 2017. Available from: www.nice.org.uk/guidance/ng80
  7. Huang C, Wang Y, Li X, Ren L, Zhao J, Hu Y, et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020;395(10223):497–506.
  8. He L, Ding Y, Zhang Q, Che X, He Y, Shen H, et al. Expression of elevated levels of pro-inflammatory cytokines in SARS-CoV-infected ACE2+ cells in SARS patients: relation to the acute lung injury and pathogenesis of SARS. J Pathol. 2006 Nov;210(3):288–97.
  9. Russell B, Moss C, George G, Santaolalla A, Cope A, Papa S, et al. Associations between immune-suppressive and stimulating drugs and novel COVID-19—a systematic review of current evidence. ecancer. 2020;14:1022.
  10. Wang J, Wang BJ, Yang JC, Wang MY, Chen C, Luo GX, et al. Advances in the research of mechanism of pulmonary fibrosis induced by Corona Virus Disease 2019 and the corresponding therapeutic measures. Zhonghua Shao Shang Za Zhi. 2020;36:6.
  11. Ramos L, Peña G, Cai B, Deitch EA, Ulloa L. Mast Cell Stabilization Improves Survival by Preventing Apoptosis in Sepsis. J Immunol. 2010;185(1):709–16.
  12. Hu Y, Jin Y, Han D, Zhang G, Cao S, Xie J, et al. Mast Cell-Induced Lung Injury in Mice Infected with H5N1 Influenza Virus. J Virol. 2012;86(6):3347–56.
  13. De Sutter A, Saraswat A, Van Driel M. Antihistamines for the common cold ( Review ). Cochrane Database Syst Rev. 2015;(11).
  14. Martineau AR, Jolliffe DA, Hooper RL, Greenberg L, Aloia JF, Bergman P, et al. Vitamin D supplementation to prevent acute respiratory tract infections: Systematic review and meta-analysis of individual participant data. BMJ. 2017;356.
  15. Lee J, Van Hecke O, Roberts N. Vitamin D: A rapid review of the evidence for treatment or prevention in COVID-19 [Internet]. The Centre for Evidence-Based Medicine, University of Oxford. 2020 [cited 2020 May 16]. Available from: https://www.cebm.net/covid-19/vitamin-d-a-rapid-review-of-the-evidence-for-treatment-or-prevention-in-covid-19/