Tradutores: Ana Paula Pires dos Santos, Enderson Miranda


 

 

Nós discutimos a relação entre a carga viral e gravidade da doença em SARS, SARS-CoV-2 e Influenza, e fornecemos um resumo das fontes que verificam a mortalidade dos trabalhadores de saúde em diferentes países.

Heneghan C, Brassey J, Jefferson T.

26 de março de 2020

Carl Heneghan, Jon Brassey, Tom Jefferson

Time Oxford COVID-19 Evidence Service

Centro de Medicina Baseada em Evidência, Departamento Nuffield de Ciências da Saúde em Cuidados Primários da Universidade de Oxford

Correspondência para carl.heneghan@phc.ox.ac.uk

Todos os dias, não importa em que país europeu você vive, você está sujeito a uma avalanche de números e opiniões, muitas vezes discordantes. Neste post, nós olhamos para alguns deles e tiramos nossas conclusões ao final.

Nós discutimos evidências em SARS, SARS-CoV-2 e Influenza e a relação entre a carga viral e a gravidade da doença. Em seguida, apresentamos um resumo das fontes que verificam os atuais trabalhadores de saúde que morreram em diferentes países.

 

Antecedentes

A dose inicial de vírus e a quantidade de vírus que um indivíduo tem a qualquer momento pode piorar a gravidade da doença COVID-19. A carga viral é uma medida do número de partículas virais presentes em um indivíduo. Uma carga viral de SARS-CoV-2 mais elevada pode piorar os desfechos, e dados da China sugerem que a carga viral é maior em pacientes com doença mais grave. A quantidade de exposição ao vírus no início da infecção – a dose infecciosa – pode aumentar a gravidade da doença e está também ligada a uma carga viral mais elevada

Os trabalhadores de saúde podem ser expostos com mais frequência devido à exposição a inúmeros indivíduos infectados. Nos estágios iniciais de um surto, contatos iniciais podem não ser reconhecidos, particularmente contatos com aqueles com sintomas leves, ou quando o uso de medidas de proteção é subótimo. A redução da frequência e intensidade da exposição ao SARS-CoV-2 pode reduzir a dose infecciosa e resultar em casos menos graves.

Qual é a evidência ligando a dose viral, a carga viral e a gravidade da doença?

 

A evidência sugere uma associação entre a dose viral e a gravidade da doença. Entretanto, a evidência da relação é limitada pela qualidade ruim de muitos dos estudos, pela natureza retrospectiva dos estudos, pelo pequeno tamanho da amostra e pelo problema potencial com o viés de seleção.

SARS:


Uma análise da carga viral nasofaríngea de 79 pacientes com SARS em Amoy Gardens, Hong Kong, no surto de 2003, relatou que os pacientes admitidos no hospital tinham inicialmente uma gravidade de doença semelhante, independentemente da proximidade com o caso inicial. Durante o surto da SARS, Amoy Gardens foi colocado sob vigilância ativa, e os residentes foram submetidos a exames frequentes incluindo espécimes nasofaríngeos coletados numa fase inicial.

A pandemia de SARS em 2002-2003 afetou 8.098 pessoas com 774 mortes. Uma análise de 142 pacientes com SARS relatou que a carga viral nos aspirados nasofaríngeos entre os 10 e 15 dias após o início dos sintomas estava associada a:*

  • Dessaturação de oxigênio, OR=3,1 (IC 95% 1,6- 6,2),
  • Ventilação mecânica, OR=11,3 (IC 95% 3,6-35,1)
  • Diarreia, OR=2,5 (IC 95% 1,3-5),
  • Disfunção hepática, OR=2,5 (IC 95% 1,2-5,2) e
  • Mortalidade, OR=54; (IC 95% 7-415).

*O tamanho reduzido da amostra deste estudo resulta em amplos intervalos de confiança e incerteza sobre as estimativas pontuais. Em comparação com outras doenças respiratórias virais comuns, o início do pico de carga viral pareceu ser mais tardio. Apenas aqueles que enviaram a amostra no 10º dia foram incluídos, o que limita ainda mais a obtenção de conclusões firmes.

 

SARS-CoV-2:

 

Em um estudo de coorte retrospectivo, multicêntrico, com 191 pacientes adultos internados (idade média de 56,0) com COVID-19 confirmada em laboratório, do Hospital Jinyintan e Hospital Pulmonar de Wuhan (Wuhan, China) com alta ou óbito até 31 de janeiro de 2020:

  • A duração média da excreção viral foi de 20 dias (amplitude interquartil 17-24) em sobreviventes,
  • A maior duração observada de excreção viral em sobreviventes foi de 37 dias.
  • O SARS-CoV-2 foi detectável até a morte em não-sobreviventes.
  • Linfopenia grave foi observada até a morte em não-sobreviventes.

Um estudo ‘preprint’ dos padrões temporais de excreção viral em 94 pacientes com COVID-19 confirmada em laboratório e uma análise de uma amostra separada de 77 pares de infectante-infectado modelou o seguinte:

  • A infectividade começou 2,5 dias antes do início dos sintomas e atingiu seu pico em 0,6 dias antes do início dos sintomas.
  • A proporção de transmissão antes do início dos sintomas (área abaixo da curva) foi de 44%.
  • Estima-se que a infectividade diminua relativamente rápido dentro de 7 dias após o início da doença.

Influenza:

A relação entre a dose inicial e a posterior gravidade da doença está ligada à pandemia da gripe espanhola de 1918-19. Modelos de simulação mostraram que a dose infecciosa estava relacionada com o número de contatos simultâneos que uma pessoa suscetível tem com os infectados; que os casos graves de influenza resultam de doses infecciosas mais altas do vírus; e que locais superlotados são o ambiente ideal para uma pessoa suscetível ser exposta a doses infecciosas muito altas de influenza.

  • Alta dose infecciosa e progressão de influenza têm sido mostradas em experimentos animais;
  • A alta dose infecciosa está associada a uma maior carga viral; e
  • A alta dose infecciosa está associada a um período menor de tempo até a carga viral máxima. [2]

 

 [2] Influenza Infectious Dose May Explain the High Mortality of the Second and Third Wave of 1918–1919 Influenza Pandemic. PLoS ONE 5(7): e11655.

Uma análise de 147 pacientes internados com infecção por influenza A (H3N2) (idade média de 72±16 anos) relatou que comorbidades importantes e corticosteroides sistêmicos foram associados a uma depuração viral mais lenta. Os casos graves de influenza têm replicação viral mais ativa e prolongada.

 

Trabalhadores da área de saúde.

 

Relatórios de vários países relatam que os trabalhadores da saúde estão sob maior risco de contrair SARS-CoV-2 e potencialmente de um quadro mais grave de COVID-19. Nós usamos várias fontes, pois há uma variação considerável no número de mortes relatadas, o que cria um quadro confuso atualmente.

China:

4 de março: Business Insider

– Mais de 3.300 trabalhadores da saúde infectados (4% dos 81.285 relataram infecções)

– 13 trabalhadores da saúde morreram, 0,39% dos 3.300 infectados (IC 95% 0,23% a 0,67%).

Itália:

26 de março: Independent:

– Morreram pelo menos 37 médicos após terem contraído o coronavírus na Itália.

Federação Italiana de Cirurgiões e Dentistas: Lista de 40 médicos que morreram durante a epidemia de Covid-19 [1].

25 de março: Vigilância Integrada COVID-19: os principais dados nacionais:

– 6.205 (9,2%) trabalhadores da saúde infectados em 67.814 casos

24 de março: SBS.au:

– 24 médicos morreram, 0,39% dos 6.205 infectados (95% CI, 0,26% a 0,58%)

22 de março: CNN

– 4.826 (9%) trabalhadores da saúde infectados entre os 53.578 casos

– 18 médicos morreram, 0,37% dos infectados (IC 95%, 0,23% a 0,59%)

[1] Não está claro se os médicos estavam na linha de frente ou tratando os infectados

[1] Nem todos morreram como consequência direta da infecção. Por exemplo, em 7 de março, um anestesista morreu devido a doença em estágio terminal.

Fonte dos dados: Instituto Nacional de Saúde da Itália (ISS).

Vigilância integrada COVID-19: os principais dados nacionais

infográfico disponível em Inglês (pdf 1,5 Mb)

Espanha:

26 de março: Metro

– O líder do Partido Popular conservador da oposição, Pablo Casado, disse: “Os governos não mandam seus soldados para uma frente de guerra sem capacetes, coletes à prova de bala e munição. Mas nossos trabalhadores da saúde não têm nenhuma proteção”.

25 de março: Global News

– Morreram pelo menos três trabalhadores da saúde.

– Na quarta-feira, o número de médicos infectados foi de quase 6.500 no país (13,6%), dos 47.600 casos totais do país – 1% da força de trabalho do sistema de saúde.

24 de março: Guardian

– 5.400 (13,6%) trabalhadores da saúde infectados em 39.673 casos~

24 de março: NY Times

– Em Madri, 426 (6%) da equipe médica (6%) tiveram teste positivo ou apresentaram sintomas de COVID

– No hospital de Igualada, na Catalunha, 1/3 dos 1.000 funcionários do hospital foi enviado para casa.

– As medidas de proteção foram altamente inadequadas para proteger os funcionários: “Quando já sabíamos que o vírus estava circulando nos hospitais, ainda nos diziam que o uso de equipamentos de proteção deveria ser limitado a circunstâncias específicas”, disse Juanjo Menéndez,

França:

24 de março: NY Times

– Três dos cinco médicos que morreram de Covid-19 na França eram clínicos-geral, um era ginecologista.

22 de março: The Local Fr

– Um total de cinco médicos já morreram na França

– Três médicos trabalhavam nos departamentos de Oise, Haut-Rhin e Moselle, na região leste da França, mais afetada pelo surto de coronavírus.

23 de março: RFI

– Três médicos agora mortos após serem infectados pela Covid-19*

Filipinas:

26 de março: Bangkok Post

– A Associação Médica Filipina disse quinta-feira que um nono médico morreu do vírus, e que os trabalhadores da saúde não estavam recebendo proteção suficiente.

– “Se dependesse de mim, testaria primeiro os da linha de frente e depois de sete dias os testaria novamente”. Os próprios médicos poderiam ser portadores”, disse Benito Atienza, vice-presidente da Associação Médica Filipina, à AFP.

26 de março: France 24

– Nove médicos morrem de coronavírus nas Filipinas

– O número de mortes confirmadas por coronavírus nas Filipinas é de 38

21 de março: Post no Facebook da Philippine Heart Association (PHA)
– Anuncia a morte de um de seus membros devido à COVID-19

Indonésia:

23 de março: Jakarta Globe

– Seis médicos indonésios morrem de Covid-19, casos excedem 500

22 de março: Jakarta Post

– A Associação dos Médicos da Indonésia, ou IDI, confirmou no domingo que seus seis membros haviam morrido de Covid-19

22 de março: The Star

– Três médicos morrem de Covid-19 na Indonésia, 23 agentes de saúde infectados

– O porta-voz do governo indonésio para assuntos relacionados à Covid-19, Achmad Yurianto, disse que o governo estava preocupado com a morte dos médicos.

Verificação da fonte: Página da Associação dos Médicos da Indonésia no Facebook

– A IDI lamentou profundamente o falecimento de companheiros do IDI como vítimas da Pandemia da Covid-19

Enfermeiros:

20 de março: Nursing Times

– Um pequeno número de enfermeiros em todo o mundo morreu após infecção pelo coronavírus, uma organização internacional de enfermagem confirmou.* Howard Catton, chefe executivo do ICN, disse ao Nursing Times que foram relatadas mortes de enfermeiros no Irã, Indonésia e Espanha.

*nenhum dado de estudo relatado.

O que podemos concluir dos relatos de mortes de trabalhadores da saúde

 

Se os leitores estão confusos com a quantidade de informações contraditórias, saibam que nós também estamos.

O que pode ser presumido por este post é que ninguém sabe realmente o que está acontecendo, muito menos os governos e associações profissionais que parecem estar em desacordo com as notícias sobre quantos de seus membros morreram.

Como nossos avós costumavam dizer, quando você não sabe o que está acontecendo, não faça nada. É isso que planejamos fazer da nossa posição privilegiada: observar e monitorar a situação sem tirar conclusões precipitadas.

Lista de estudos relevantes (em Inglês):

Título URL da página
Curso clínico e fatores de risco para mortalidade de pacientes adultos internados com COVID-19 em Wuhan, China: um estudo de coorte retrospectivo https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2820%2930566-3
Dinâmica temporal na excreção viral e transmissibilidade do COVID-19 https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.03.15.20036707v2
Excreção viral e doença clínica em infecções por vírus influenza adquiridas naturalmente https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3060408/
Cargas virais e duração da excreção viral em pacientes adultos hospitalizados com gripe Influenza https://academic.oup.com/jid/article/200/4/492/857773
Análise comparativa e cinética da excreção viral e respostas imunológicas em pacientes com MERS, representando um amplo espectro de gravidade da doença https://www.nature.com/articles/srep25359
Revisão sistemática da excreção do vírus da gripe A (H1N1) pdm09: a duração é afetada pela gravidade, mas não pela idade https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24299099
Síndrome Respiratória no Oriente Médio (MERS) Dinâmica de infecção por coronavírus e respostas de anticorpos em pacientes clinicamente diversos, Arábia Saudita https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6433025/
Preditores de mortalidade na síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS) https://thorax.bmj.com/content/73/3/286.abstract
Excreção e Infecciosidade do Vírus da Gripe Influenza A em Famílias https://academic.oup.com/jid/article/212/9/1420/1025422
Correlação da carga viral pandêmica (H1N1) 2009 com gravidade de doenças e excreção viral prolongado em crianças https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3298297/
Excreção prolongada de adenovírus humano tipo 55 em adultos imunocompetentes com infecções respiratórias adenovirais https://link.springer.com/article/10.1007/s10096-019-03471-9
Epidemiologia da infecção pelo vírus influenza A humano (H7N9) em Hong Kong https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1684118215007720
Cinética viral e desenvolvimento de resistências em crianças tratadas com inibidores da neuraminidase: estudo sobre informações sobre resistência à influenza (IRIS) https://academic.oup.com/cid/advance-article/doi/10.1093/cid/ciz939/5574924
A transmissão da primeira onda pandêmica da gripe A (H1N1) pdm09 na Austrália foi causada por infecções não detectadas: implicações na resposta à pandemia https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4687
Avaliação virológica de casos hospitalizados de doença por coronavírus 2019 https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.03.05.20030502v1.full.pdf
Alta transmissibilidade da COVID-19 próximo ao início dos sintomas https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.03.18.20034561v1.full.pdf
Duração da detecção viral na garganta e reto de um paciente com COVID-19 https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.03.07.20032052v1

Aviso: o artigo não foi revisado por pares; ele não deve substituir o julgamento clínico individual e as fontes citadas devem ser verificadas. As opiniões expressas neste comentário representam as opiniões dos autores e não necessariamente as da instituição anfitriã, do NHS, do NIHR, ou do Departamento de Saúde e Assistência Social. Os pontos de vista não são um substituto para o aconselhamento médico profissional.


 

Link para o original: https://www.cebm.net/covid-19/sars-cov-2-viral-load-and-the-severity-of-covid-19/

Nome dos autores e afiliações: Carl Heneghan, Jon Brassey, Tom Jefferson

Deve ser citado como: Heneghan, C., Brassey J., Jefferson, T. Oxford COVID-19 Evidence Service Team. Available at https://www.cebm.net/covid-19/sars-cov-2-viral-load-and-the-severity-of-covid-19/