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 Régis R. Vieira

 

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve pra isso: para que eu não deixe de caminhar” (Fernando Birri)

 

A pandemia desnudou duas realidades que insistíamos em deixar no anonimato: uma é de que a maioria das intervenções em saúde não é sustentada por evidências de qualidade e a outra, como lidamos mal com incertezas. No ínico da pandemia de Covid19 no Brasil, escrevi um texto sobre o pensamento médico trazendo a perspectiva da junção dos raciocínios probalísitico e fisiopatólogico. Ao debruçar sobre o contexto histórico do pensamento, é possível perceber que a visão dicotômica de mundo – funciona ou não funciona, sim ou não, é produto de uma sociedade que prefere simplificar os fenômenos a lidar com intervalos de confiança. Os mais de 50 tons que uma informação pode nos fornecer geram angústia e reforçam vieses.

A mente humana é basicamente capaz de dois tipos de pensamento. O primeiro é intuitivo, rápido, reforça nossas experiências, responde aos estímulos e nos permite decidir rapidamente. O segundo é fruto da refutação de hipóteses, precisa de tempo para consolidação e traz o ceticismo em relação às nossas crenças. Os dois são importantes, e ser capaz de decidir rapidamente foi fundamental para a nossa evolução. Ao mesmo tempo, fugir de um predador com refutação de hipóteses não nos traria à era digital. Entretanto, para evolução constante, não foi somente fugindo que o homem colocou os pés na lua, e sim reconhecendo vieses cognitivos e aceitando o intervalo de incerteza das suas decisões.

O que se coloca, neste momento, é como avançar. A mídia, profissionais de saúde e pacientes precisam caminhar para um maior entendimento de como conviver e informar probabilidades. A boa notícia é que o pensamento crítico pode ser ensinado e deve começar o mais precocemente possível.

Dividirei em três pilares nossa possível contribuição para transformação: sociedade, graduação e profissionais da saúde. A busca por uma sociedade baseada nas melhores escolhas está na base, nas escolas. Consolidar nos próximos 20 anos a construção do pensamento crítico deve ser uma das nossas lutas. Conheçam o movimento Informed Health Choices e veja como você pode contribuir para sua expansão no Brasil.

A graduação dos profissionais da saúde, em sua maioria, traz a perspectiva da epidemiologia apenas à construção de pesquisas, muitas vezes distanciada da prática. Esse processo tem formado profissionais que não integram o pensamento científico às suas atividades, fato evidenciado na pandemia. Oferecer a Saúde Baseada em Evidências (SBE) de forma transversal à formação dos profissionais parece um caminho promissor  para a integração do pensamento probabilístico. Além da inserção na grade curricular, outras estratégias de iniciativa dos alunos devem ser incentivadas, como a  criação de Ligas acadêmicas de Saúde Baseada em Evidências.

Os profissionais de saúde precisam caminhar na Educação Permanente dos seus serviços  , estimular a reflexão acerca das suas práticas de forma multidisciplinar, realizar cursos de Educação Continuada que permitam a apropriação de conceitos da SBE e, não menos importante, formar professores que possam replicar e expandir de forma orgânica o pensamento crítico. A formação continuada  inclui os profissionais de outras áreas, sobretudo o jornalismo. Iniciativas que criem cursos direcionados a como informar adequadamente sobre as intervenções em saúde devem ser urgentemente estimulados.

 

RÉGIS R. VIEIRA: Mineiro de Aiuruoca (MG). Médico de Família e Comunidade. Mestre em Ensino na Saúde pela Universidade Federal Fluminense. Doutorado (em curso) pelo Programa de Pós-graduação em Saúde Baseada em Evidências da Unifesp em São Paulo. Pesquisador voluntário e membro do Cochrane Brazil Rio de Janeiro, Centro Afiliado da Cochrane Brazil Network. Membro da Slow Medicine. Membro da Oxford-Brazil EBM Alliance.

 

 

Referências:

Pandemia de Covid-19: como pensam e decidem os médicos?

Kahneman, Daniel RAPIDO E DEVAGAR DUAS FORMAS DE PENSAR, Objetiva – São Paulo 2012

Catálogo de Viéses

https://ebm.bmj.com/content/early/2021/01/13/bmjebm-2020-111397

https://ebm.bmj.com/content/early/2020/09/16/bmjebm-2020-111547