Tradutores: Regis Vieira, Enderson Miranda


 

 

Stephanie Tierney, Kamal R. Mahtani, Amadea Turk

25 de Março, 2020

Em nome da Equipe de Serviço de Evidência Oxford COVID-19
Centro de Medicina Baseada em Evidências, Departamento Nuffield de Ciências da Saúde
Universidade de Oxford
Correspondência para: stephanie.tierney@phc.ox.ac.uk

 

Parecer
Embora existam evidências limitadas de como a prescrição social pode ser mais bem implementada na atual pandemia de COVID-19, há uma variedade crescente de relatos que sugerem a importância de manter a conexão com a comunidade durante esse período.

 

Contexto

 

Atualmente, grande parte do mundo implementou o distanciamento social para retardar a disseminação e, espera-se, o impacto da pandemia do COVID-19. A evidência para o distanciamento social sugere que é apropriado para reduzir a transmissão e retardar a propagação. No entanto, isso vem com um custo. Parte deles serão econômicos, como efeitos adversos nos negócios, no comércio e no produto interno bruto. Esses são mais fáceis de quantificar e possivelmente gerenciar do que outros custos do distanciamento social, como isolamento prolongado, perturbação do estado mental e solidão.

 

Solidão e o papel da prescrição social

Há menos de dois anos, o governo da Inglaterra publicou uma estratégia para combater a solidão. Evidencia-se a importância das conexões sociais para a saúde, cuja ausência tem sido associada a problemas como doenças cardiovasculares, função cognitiva deficiente, baixo sistema imunológico e depressão. Considerando agora a situação atual, na qual as pessoas são aconselhadas a evitar atividades sociais, viagens não essenciais e visitas desnecessárias a parentes ou amigos, aumentando o risco de o bem-estar e os sentimentos de conectividade despencarem e a saúde se deteriorar como consequência. Aqueles que moram sozinhos podem estar em maior risco, embora que a solidão pode afetar todos os membros da sociedade, incluindo aqueles que são parte de um núcleo familiar e também pessoas mais jovens.

Em circunstâncias normais, a prescrição social é uma iniciativa fundamental para lidar com a solidão e outros fatores sociais que afetam a saúde. Como todas as áreas da vida, prescrição social tem sido (e continuará sendo) interrompida pela pandemia de COVID-19. Prescrição social refere-se ao uso de “bens da comunidade” (por exemplo, organizações locais, instituições de caridade, eventos, grupos) para enfrentar desafios “não médicos” (por exemplo, isolamento, luto) que podem afetar a maneira como as pessoas se sentem física e psicologicamente. A prescrição social é essencial para o plano de longo prazo da NHS (Sistema nacional de saúde do Reino Unido) e é proposta como uma maneira de garantir que os pacientes recebam assistência com suas necessidades sociais, econômicas ou ambientais. No entanto, a prescrição social depende do uso de serviços voluntários ou atividades locais, muitas das quais se manterão fechadas por algum tempo.

Uma função alternativa para os agentes comunitários

Os agentes comunitários foram introduzidos nas redes de cuidados primários (RAPs) para facilitar a implementação da prescrição social. Esses funcionários têm tempo para conversar com os pacientes, entender o que é importante para eles em termos de suas prioridades pessoais de bem-estar e ajudá-los a acessar os bens da comunidade para alcançar esses objetivos.

A atual pandemia do COVID-19 já alterou o papel dos agentes comunitários. Atividades comunitárias como corridas coletivas no parque, clubes de almoço ou voluntariado em museus, frequentemente propostas como parte da prescrição social, foram todas suspensas. Porém, os agentes comunitários ainda podem desempenhar papéis importantes durante a pandemia atual. Novas orientações da Associação Nacional dos Agentes Comunitários sugerem que seus membros realizem consultas por videoconferência ou via telefone com os pacientes e promovam iniciativas existentes que ajudam as pessoas a se sentirem conectadas a outras pessoas.

 

Conectividade virtual

Garantir que a prescrição social seja mantida durante esse período de incerteza exigirá criatividade e buscas de alternativas seguras. Por exemplo, grupos de canto online foram desenvolvidos para que o poder da música de aproximar as pessoas possa ser mantido. Existem grupos de leitura virtual para os amantes de livros ou sessões comunitárias de filmes para quem gosta de cinema. As pessoas também podem se conectar com o passado ou com outras culturas através de coleções de museus on-line e coleções realizadas em locais do National Trust. E ainda existe a possibilidade de se aprender um novo idioma através de um smartphone ou tablet.

As mídias sociais também podem ser usadas para unir comunidades. A comunicação online permite que as pessoas se envolvam em interação social, desenvolvam habilidades sociais e tenham visões mais positivas sobre a vida. Mídias sociais não são exclusividade das gerações mais novas. Estudos relatam que as redes sociais (por exemplo, o WhatsApp) são utilizadas e aceitas pelas pessoas mais velhas como um meio para aliviar a solidão. As chamadas em vídeo têm se mostrado promissoras para manter as pessoas em lares de idosos conectadas aos membros da família, embora barreiras potenciais também tenham sido identificadas pelos pesquisadores (por exemplo a rotatividade de funcionários e falta de comprometimento dos familiares).

Aconselhamentos foram produzidos sobre como manter contato com outras pessoas durante a pandemia de COVID-19. É aqui que os telefones se encaixam. Os serviços de amizade que já existem ou foram estabelecidos por causa dos conselhos sobre distanciamento social podem fornecer novas seguranças, permitindo que as pessoas se envolvam novamente com sua comunidade e sintam que a vida tem sentido. Os investigadores que exploraram a amizade por telefone notaram que o elemento não visual poderia até ser vantajoso, levando os usuários a serem mais abertos e a expressar suas preocupações à pessoa que os ouvindo.

Um relatório da organização ‘NESTA’ destacou o poder da tecnologia para melhoria da vida. Além disso, em uma revisão sistemática, Hagan e colegas concluíram que as iniciativas centradas em tecnologia foram eficazes, em comparação com outras abordagens, ao explorar intervenções para reduzir a solidão. Isto pode fornecer garantias sobre a utilização da tecnológica em um momento em que é a melhor opção disponível para manter as pessoas conectadas.

 

Aproveitando o capital social

Capital social refere-se aos recursos e vínculos que podem resultar dos contatos na sociedade que podem ser: vínculos (redes unidas que produzem sentimentos de solidariedade e reciprocidade; vínculos desenvolvidos com pessoas afins e com alguma forma de identidade compartilhada) ou pontes (vínculos mais fracos, com menos proximidade emocional, úteis para obter informações ou desenvolver uma nova perspectiva; implica fazer parte de um grupo heterogêneo). A revisão recente sobre o papel dos agentes comunitários sublinhou a importância do capital social para a implementação ideal da prescrição social.

A atual necessidade de distanciamento social não necessariamente impede a capacidade de aproveitar o capital social, o que pode ser acessado através das comunidades online. O envolvimento nesses grupos virtuais aumenta as oportunidades de interações, expandindo a rede social das pessoas, por meio da qual elas podem receber suporte e assistência. O Guardian informou recentemente que somente no Reino Unido, o Facebook facilitou a formação de cerca de 300 grupos de apoio local para ajudar as pessoas a lidar com a pandemia do COVID-19. A associação combinada desses grupos já totaliza mais de um milhão de pessoas. Essas conexões online estão se transformando em ações práticas (incluindo pessoas voluntariando para realizar tarefas e ajudar as outras pessoas). Grupos de ajuda mútua sobre o COVID-19 estão crescendo em todo o país para apoiar pessoas mais velhas ou vulneráveis durante o auto-isolamento. Da mesma forma, foram criados programas de voluntariado na comunidade para ajudar em uma série de atividades, como fazer compras e preparar refeições. Isso pode ser benéfico para quem recebe assistência e também para os voluntários, pois sabemos que retribuir à sociedade dessa maneira e se sentir capaz de ajudar os outros pode criar um alto senso de autoestima e confiança.

 

Conclusão

Um resultado da pandemia do COVID-19 pode ser convencer as pessoas a refletir sobre o que realmente dá sentido às suas vidas. Os seres humanos são criaturas sociais, que tendem a florescer a partir de um sentimento de pertencimento e declinar quando o contato está ausente. Portanto, a utilização da prescrição social, de agentes comunitários e do capital social podem ser mais importantes agora do que nunca. A prescrição social nos próximos meses será um desafio, exigindo ajustes e soluções criativas. É provável que exija mais proatividade (por exemplo, funcionários que fazem ligações telefônicas regulares para manter contato com pessoas potencialmente vulneráveis). Os agentes comunitários devem ter o espaço e o apoio necessários para identificar maneiras alternativas de ajudar as pessoas a se sentirem menos isoladas. Outros membros da sociedade que desejam oferecer assistência comunitária por meio de voluntariado e programas de apoio organizados podem ajudar os agentes comunitários. Coletivamente, isso deve ser visto como um trabalho essencial para que o isolamento social e a solidão não se tornem graves consequências da pandemia do COVID-19.

Fim.

Declaração: Este artigo não foi revisado por pares; não deve substituir o julgamento clínico individual e as fontes citadas devem ser verificadas. As opiniões expressas nesse comentário representam as opiniões dos autores e não necessariamente as da instituição anfitriã, do National Health Service (HHS), do National Institute for Health Research (NIHR) ou do Departamento de Saúde do Reino Unido. As opiniões não substituem a consulta médica.

Link para o original: https://www.cebm.net/covid-19/can-social-prescribing-support-the-covid-19-pandemic/