Tradutores: Carolina de Oliveira Cruz Latorraca, Ana Luiza C Martimbianco
Parecer
As evidências atuais não apoiam a administração de antipiréticos de rotina para tratar a febre em infecções respiratórias agudas e COVID-19.
Muitos protocolos e profissionais orientam os pacientes a se automedicarem para COVID-19 usando antipiréticos (por exemplo, paracetamol e ibuprofeno). A rápida e difundida compra de medicações antipiréticas em excesso tem levado a escassez temporárias.
O que é febre?
A febre é um sintoma comum da COVID, influenza e, algumas vezes, outras infecções virais das vias aéreas superiores (IVAS). Relatos do padrão dos sintomas do COVID sugerem que a febre é mais comum em geral 5 dias após a exposição. A variação da “temperatura normal” depende do local da aferição.
Local da aferição | Normal baixa | Normal alta | Febre aferida uma vez | Febre aferida múltiplas vezes |
Axila | 35,5 | 37,0 | > 37,5 | –
– |
Oral | 35,6 | 37,7 | > 37,8 | > 37,2 |
Retal | 34,4 | 37,8 | > 38,0 | > 37,5 |
Timpânica | 35,4 | 37,8 | > 38,0 | –
– |
Qualquer local | –
– |
–
– |
–
– |
> 1,1 acima da medida inicial |
Uma revisão sobre a “temperatura normal do corpo em adultos” incluindo estudos publicados entre 1935 a 1999, concluiu que a variação da temperatura oral normal era 35,6C a 38,2C. A Sociedade Americana de Medicina Intensivista e Doenças Contagiosas (The American College of Critical Care Medicine and Infectious Disease Society) define febre como uma temperatura central corporal maior ou igual a 38,3C. O NICE (National Institute for Clinical Excellence / Instituto Nacional para Saúde e Cuidados de Excelência) considera que um bebê ou criança tem febre se a temperatura é de 38C ou maior.
Uma revisão sistemática sobre a temperatura corporal normal mostrou que adultos idosos (idade maior ou igual a 60) tiveram uma temperatura mais baixa do que adultos mais jovens (idade menor a 60) em 0,23C, em média.
Quais são os benefícios da febre?
A febre é uma resposta complexa, fisiológica e adaptativa a uma infecção. A febre é um sintoma, e não um diagnóstico. É importante estabelecer a causa da febre em relação à condição clínica do paciente e seu padrão de sintomas – lembre, alguns pacientes podem ter febre tanto com a COVID-19 quanto outras doenças.
- A febre é comum e um sinal de bom prognóstico em pacientes com infecção que pioram de forma aguda, associada a taxas maiores de sobrevivência.
- Em um estudo observacional prospectivo (502 participantes) a febre inibiu a reprodução microbial e a replicação viral, e também acelerou a taxa de fagocitose.
- Proteínas de choque térmico (presentes na febre) também parecem previnir o dano térmico às células pela inibição de caminhos de sinais pró-inflamatórios.
- A capacidade de um indivíduo de produzir resposta febril tem sido mostrada como um bom sinal prognóstico em pacientes críticos (Lee 2012, Young 2012)
Quais são as indicações para o uso do antipirético na COVID-19?
Primeiro, pergunte-se “qual sintoma eu quero tratar”?
Para a maioria dos adultos, não existem evidências convincentes de que a febre por si só é prejudicial e não requer supressão imediata.
Crianças: Uma revisão sistemática sobre o prolongamento de uma doença febril com o uso de antipiréticos em crianças que apresentam infecções agudas, sugere que antipiréticos não retardam a recuperação de doenças infecciosas. Seis estudos foram incluídos nesta revisão.
Três estudos incluíram crianças com malária e três consideraram infecções gerais virais e respiratórias e varicela. A diferença média no tempo de melhora da febre foi de 4 horas e foi mais rápido naqueles que receberam antipiréticos quando comparados àqueles que não receberam (IC (Intervalo de Confiança) 95% -6,35 a -1,96 horas; P = 0,0002).
Porém, baseado em extrapolações de estudos sobre o uso do paracetamol após a vacinação que mostraram redução da resposta de anticorpos a alguns antígenos, (Prymula 2009), eles defendem evitar o uso de antipiréticos no início das infecções.
Apesar das febres das crianças poderem ser controladas com antipiréticos (Wong 2014), vários ensaios clínicos randomizados têm mostrado que não existem evidências de que a administração de antipiréticos reduz a incidência de convulsões em crianças suscetíveis (Offringa and Newton 2013).
Gravidez: não é a população pesquisada especificamente neste documento. Veja aqui
Idosos, ou pacientes com comorbidades: esse grupo tem sido visto como o mais suscetível às complicações do COVID-19. Os idosos podem ter atenuado as respostas febris durante a infecção severa (Hammond and Boyle 2011), o que pode indicar uma resposta imune menos robusta.
Esse grupo também pode ser mais vulnerável ao aumento das demandas fisiológicas durante a febre (Carey 2010, Launey 2011). Medicações antipiréticas em pacientes críticos com reservas cardiopulmonares limitadas podem reduzir o risco de instabilidade hemodinâmica e dano ao tecido causado por hipóxia.
Medicações para febre
Paracetamol
A maioria dos estudos sobre o paracetamol relatam menores temperaturas corporais, porém, as reduções são modestas.
Cuidados do NICE BNF (National Institute for Clinical Excellence / Instituto Nacional para Saúde e Cuidados de Excelência) (British National Formulary / Formulário Nacional Britânico)
Antes de administrar, cheque quando o paracetamol foi administrado pela última vez e a dose cumulativa de paracetamol nas últimas 24 horas; peso corporal abaixo de 50 quilos; consumo crônico de álcool; desidratação crônica; desnutrição crônica; insuficiência hepatocelular; uso a longo prazo (especialmente naqueles que são desnutridos).
Alguns pacientes podem ter risco aumentado de toxicidade em doses terapêuticas, particularmente aqueles com peso abaixo de 50 kg e aqueles com fatores de risco para hepatotoxicidade. O julgamento clínico deveria ser usado para ajustar a dose do paracetamol oral e intravenoso nesses pacientes.
A co-administração de medicamentos antiepiléticos indutores de enzimas podem aumentar a toxicidade; doses devem ser reduzidas. Para detalhes específicos sobre o manejo de envenenamento (intoxicação), veja Paracetamol, em Tratamento emergencial de envenenamento.
AINEs (Anti-Inflamatórios Não Esteroidais)
O Ibuprofeno tem mostrado redução da febre, taquicardia e consumo de oxigênio, mas não previne o choque ou a síndrome respiratória aguda grave, e não aumenta a sobrevida.
Em um ensaio clínico randomizado (ECR) sobre ibuprofeno intravenoso em 455 pacientes que tiveram sepse (definida como febre, taquicardia, taquipneia, e falência aguda de pelo menos um sistema de órgãos), houve redução da temperatura, frequência cardíaca, consumo de oxigênio e acidose lática. A sobrevida em 30 dias (37% com ibuprofeno comparado com 40% com placebo).
Em um ECR sobre ibuprofeno, paracetamol e inalação para pacientes com IRA (Infecção Respiratória Aguda) no cuidado primário, mostrou que enquanto crianças e pacientes com infecções respiratórias tiveram algum alívio de sintoma com apenas ibuprofeno, a maioria dos pacientes não obteve benefícios quando orientados a usar apenas ibuprofeno; 889 pacientes foram randomizados para o grupo analgesia (tomar paracetamol, ibuprofeno ou ambos), dosagem da analgesia (uso se necessário versus regularmente), e inalação (sem inalação ou com inalação de vapor). Os resultados principais são:
- A orientação para dose ou inalação com vapor não afetou os desfechos.
- Comparado com paracetamol, os sintomas não foram significativamente diferentes do ibuprofeno ou da combinação de ibuprofeno e paracetamol (0,11, -0,04 a 0,26).
- Não houve evidência de benefício com ibuprofeno entre a maioria dos subgrupos (presença de dor de ouvido; duração prévia dos sintomas; temperatura > 37,5C; sintomas severos)
- No subgrupo com infecção respiratória, o equivalente a um em cada dois sintomas foi classificado como um pouco, e não um problema moderadamente ruim.
- Consultas posteriores com sintomas novos ou não resolvidos ou complicações foram levemente maiores nos pacientes com ibuprofeno 20% versus 12% com paracetamol (Relação de Risco Ajustada 1,67, 1,12 a 2,38).
- Queimadura moderada na inalação com vapor foi documentada em quatro pacientes (2%).
Em combinação com paracetamol; ou uso de um esquema regular. Um ECR com 464 crianças analisou o uso do paracetamol, ibuprofeno e regimes combinados em crianças de 6 a 36 meses com febre.
Crianças que receberam ibuprofeno e acetaminofeno alternados tiveram temperatura média mais baixa e redução mais rápida da febre. Nenhum esquema foi associado a visitas a serviços de emergência ou complicações sérias no longo prazo.
Veja: AINEs para Infecção Respiratória Aguda para outras orientações
Declaração: este artigo não foi revisado por pares; ele não deve substituir o julgamento clínico individual e as fontes citadas devem ser checadas. As opiniões expressadas nesse comentário representam as visões dos autores e não necessariamente da instituição que fazem parte, do NHS, do NIHR ou do Departamento de Saúde. As opiniões não substituem da orientação médica profissional.
Fontes: –
Link para o original: https://www.cebm.net/covid-19/managing-fever-in-adults-with-possible-or-confirmed-covid-19-in-primary-care/