Nome original do viés: Recall bias

Tradutor: Carolina Oliveira Cruz Latorraca

Primeiro revisor: Rafael Leite Pacheco

Segundo revisor: Luís Eduardo Fontes

Terceiro revisor: Rachel Riera

Introdução

O viés de memória é um erro sistemático que ocorre quando os participantes não se lembram de eventos ou experiências prévias de forma acurada ou omitem detalhes. A acurácia e a quantidade de memória podem ser influenciadas por eventos e experiências subsequentes. O viés de memória é um problema em estudos que utilizam dados auto-relatados, como estudos de caso-controle e em coortes históricos.

Em estudos de caso-controle, os pesquisadores devem tomar cuidado para fazer as perguntas da mesma forma a todos os participantes para não influenciar suas respostas. O viés de memória pode afetar mais o estudo quando os participantes apresentam dificuldades de lembrar coisas em geral, e quando o intervalo de tempo entre a pergunta e o evento é maior.

Outros problemas que influenciam a memória incluem idade, nível educacional, situação socioeconômica e a dimensão da doença na vida do paciente. Além disso, hábitos pouco aceitos socialmente, como fumar ou manter uma alimentação pouco saudável, tendem a ser menos relatados, e, assim, sujeitos ao viés de memória. Crenças preexistentes também podem impactar as lembranças de eventos prévios.

Exemplos

Os pais de crianças diagnosticadas com câncer provavelmente lembram mais das infecções que os filhos tiveram desde pequenos do que os pais de crianças sem câncer. Isso pode levar à observação de uma associação completa ou parcial equivocada entre as infecções vividas na infância e o desenvolvimento de câncer. O viés de memória pode ser particularmente problemático quando o evento de interesse aconteceu há muito tempo.

Esse viés pode fazer com que as associações observadas pareçam maiores ou menores. Por exemplo, quando os indivíduos se lembram menos sobre a quantidade que consumiram de alimentos não-saudáveis do que o que realmente foi consumido, as associações observadas irão subestimar o risco para os desfechos estudados. Quando as pessoas lembram que consumiram mais frutas e verduras do que o que foi realmente consumido (um hábito socialmente desejado), uma associação de proteção pode sugerir mostrando que comer mais verduras e legumes reduz o risco de desenvolver doenças.

No começo dos anos 2000, muita publicidade foi dada à suspeita de que a vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) estava associada ou possivelmente era causa de autismo em crianças (foi descoberto, posteriormente, que essa associação surgiu de dados fraudulentos e a publicação onde isso foi afirmado foi retirada) (Andrews 2002).

Os pesquisadores descobriram que pais de crianças com autismo diagnosticadas depois disso tendiam a se lembrar mais que os primeiros sinais do transtorno surgiam logo após a aplicação da vacina, do que os pais de crianças com autismo diagnosticadas antes do período em que essa associação equivocada foi amplamente difundida.

Impacto

Uma revisão de estudos sobre eventos emocionalmente perturbadores descobriu que vítimas de assaltos ou pessoas que vivenciaram situações de guerra tendiam a potencializar suas lembranças dos eventos vividos. Resultados de lembranças vívidas e duradouras que foram incorporadas através de eventos chocantes ou surpreendentes (flashes de memória) sugerem que as lembranças de eventos emocionais de tal porte ou se estabilizam ou tem seu impacto diminuído ao longo do tempo.

Uma revisão sistemática sobre viés em estudos de diagnóstico por imagem descobriu que os potenciais efeitos do viés de memória são pouco estudados nesse tipo de pesquisa e podem causar viés na pesquisa em radiologia.

Passos para prevenção

Estudos de coorte prospectivo tem como objetivo evitar os problemas de lembranças de dados perguntando as informações no momento em que o participante entra no estudo. Porém, muitos estudos ainda solicitam informações do passado, o que aumenta o risco do viés de memória e os pesquisadores devem ficar atentos a isso.

Estratégias que podem reduzir o viés de memória incluem: seleção cuidadosa das perguntas feitas aos participantes, escolha de método apropriado de coleta de dados, escolha de pessoas com diagnóstico recente da doença, uso de desenho de estudo prospectivo, que é o único tipo de estudo que garante que o viés de memória não esteja presente.

Estudos de caso-controle são úteis para eficiência e em situações em que a doença de interesse é rara, porém eles apresentam alto risco de viés de memória. Esses estudos devem ser planejados com cuidado para que a forma de coleta dos dados não influencie as respostas dos participantes.

Link para o original:  https://catalogofbias.org/biases/recall-bias/

 

Deve ser citado como: Catalogue of Bias Collaboration, Spencer EA, Brassey J, Mahtani K. Recall bias. In: Catalogue Of Bias 2017. https://www.catalogueofbiases.org/biases/recall-bias.

Fontes

Andrews N et al. Recall bias, MMR, and autism. Arch Dis Child. 2002 Dec; 87(6): 493–494. doi:  10.1136/adc.87.6.493

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Barry D. Differential recall bias and spurious associations in case/control studies. Stat Med. 1996 Dec 15;15(23):2603-16. PMID:8961466

Boone D et al.  Systematic review: bias in imaging studies – the effect of manipulating clinical context, recall bias and reporting intensity. Eur Radiol. 2012 Mar;22(3):495-505. doi: 10.1007/s00330-011-2294-0. Epub 2011 Sep 30.

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Coughlin SS. Recall bias in epidemiologic studies..J Clin Epidemiol. 1990;43(1):87-91.

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PubMed feed

Esta fonte pode ser recuperada dinamicamente a partir do PubMed:

Pedrotti D, Cavalheiro CP, Casagrande L, de Araújo FB, Pettorossi Imparato JC, de Oliveira Rocha R, Lenzi TL. Does selective carious tissue removal of soft dentin increase the restorative failure risk in primary teeth?: Systematic review and meta-analysis.