De repente, todos viraram cientistas. ‘Evidência’ passou a ser a palavra da moda, ainda que pronunciada muitas vezes em vão. Lembraram que vacinas demoram a serem fabricadas. Viraram especialistas em futurologia, ou ‘chuterologia’, como gosto de dizer carinhosamente. Cada um criou seu próprio ‘eu acho’ levando em consideração crenças individuais, e não dados concretos.
Foi preciso uma pandemia para descobrirem que a morte existe, e que as pesquisas estão aí para tentar amenizar os riscos de que ela aconteça (mortes ‘evitáveis’) ou evitar que doenças comprometam a qualidade de vida das pessoas. Ainda assim, não temos como contornar a morte: a medicina não é milagre, e muito menos uma ciência exata. A população precisa ter mais acesso a informações de qualidade sobre saúde e os jornalistas têm papel fundamental nessa questão.
A pandemia surpreendeu a todos, inclusive cientistas. Como é algo quase sem precedentes na humanidade recente, muitos acreditaram que a mortalidade por Covid-19 poderia ser muito parecida com a da Influenza (a popular ‘gripe’). É preciso saber, também, que a gripe mata muitas pessoas todos os anos. E para isso já existe vacina.
Aos poucos, o mundo foi descobrindo que o vírus da Covid-19 tem mistérios e qualidades, e que lidar com o imponderável de uma parcela da população não combinava com a capacidade do nosso sistema de saúde, que poderia não ter o número de leitos necessários para administrar o caos.
Com mais critérios, jornalistas têm buscado termos melhores, entrevistados melhores, fontes com credibilidade, dados, estatísticas e números (sim, cursamos jornalismo para fugir das ciências exatas, mas desobrimos que é impossível viver sem ter, no mínimo, uma noção delas.). A comunicação em saúde teve que aprender ‘na marra’. Sim, demos um salto em qualidade, mas é preciso muito mais.
Por que a hidroxicloroquina ‘viralizou’?
Poucos jornalistas, a não ser os especializados em ciência, sabem que existem ‘estudos’ e ‘estudos’ e que um médico não pode depositar confiança em um medicamento que mostrou menos de 30% de eficácia (o que se compara ao ao placebo ou simplesmente pode ser devido ao acaso) ou nenhuma eficácia. A esperança em uma droga milagrosa e a aposta de autoridades na sua divulgação fez com que médicos e pacientes partissem para atitudes perigosas com inversão do ônus da prova.
O jornalista também precisa saber que nenhum medicamento é inócuo, portanto seu leitor deve saber também que a expressão ‘mal não faz’ não é verdadeira. Os médicos não deveriam prescrever um medicamento ainda em fase de testes in vitro simplesmente porque os pacientes exigem uma prescrição. As pessoas precisam saber que na ciência não existe milagre, e que toda e qualquer substância utilizada no corpo humano tem que passar por testes de eficácia e segurança. Porque sim, uma substância aparentemente inócua, pode fazer muito mal.
O uso off label de medicamentos (uso para uma condição de saúde para o qual não está autorizado em bula) se mostrou arriscado em muitas situações. A talidomida, por exemplo, um medicamento inicialmente desenvolvido com a finalidade de ser um sedativo, foi utilizado por mulheres grávidas para minimizar os enjoos matinais comuns às gestantes. Porém, por falta de estudos de segurança (justamente em mulheres grávidas), acabou gerando problemas terríveis de malformação nos fetos. Conclusão: não é possível pular etapas da ciência mesmo com medicamentos que já existem, pois eles foram avaliados em doses diferentes e para objetivos diferentes.
Também é preciso saber que os estudos pré-clínicos existem para descartar uma série de hipóteses. É como uma espécie de funil. Entre 10 mil compostos testados em placas com células, 250 funcionam.
Sim, funcionam…mas na célula. Na célula, os vírus não se replicaram. Foi o caso dos medicamentos hidroxicloroquina e ivermectina para Covid-19, e tantos outros para outras doenças.
Os efeitos destes 250 compostos nas células servem para gerar hipóteses sobre seu funcionamento em seres humanos. Seres humanos são complexos demais para que se dê a eles uma substância que demonstrou efeito promissor em uma placa de vidro. Mas é exatamente nisso que, infelizmente, muitas pessoas acreditam. E esse tipo de explicação, acessível, precisa estar estampada não só em jornais, websites e outros meios de comunicação. A sociedade, como um todo, precisa começar a ter a cultura da evidência, a paciência da ciência e, principalmente, a desconfiança.
Що таке онлайн квести?
Онлайн квест – це інтерактивні ігри, які можна грати в Інтернеті. Вони часто включають в себе різні види завдань, головоломок та кросвордів. Гравці повинні пройти різні етапи гри, здійснюючи різні дії, щоб вирішити головоломки та дійти до кінцевої мети.
Pois bem, desses 10 mil compostos testados no exemplo acima, em média, um acaba passando em todos os testes e finalmente recebe autorização oficial para ser administrado em humanos. É por isso que a ciência é cara: requer tempo, paciência e pessoal qualificado. Não há pesquisa que sobreviva sem investimento e sem respeito.
Não percamos nem dinheiro e nem tempo com medicamentos que não têm eficácia garantida. Isso ‘tira’ de outras pesquisas possibilidades que estão muito mais avançadas e com maior probabilidade de trazer algum benefício à humanidade.
‘Evidência’, no mundo científico, é algo que já foi estudado. É algo que alguém já observou, testou, e que a partir daí pode ter resultados positivos. Quando se vai ao médico, não existe uma fórmula perfeita. Não existe certeza. O médico é um profissional que, a partir das evidências disponíveis e do cenário do atendimento, propõe aos pacientes o caminho com maior probabilidade de benefícios e com menor risco.
É muito difícil brigar com o ‘tiozinho do zap’, que quase sempre passa informações – às vezes até com boas intenções – de notícias fabricadas, falsas, feitas com cara de ‘coisa séria’ para que mais pessoas acreditem. Redes sociais são uma incrível evolução da comunicação interpessoal, porém fizeram com que a quantidade de informação gerada incapacitasse as pessoas de digerir dados, praticar o discernimento, fazer uso do bom senso, valorizar o tempo e a prudência.
‘A velocidade dos meios não é a velocidade do homem’, como diria o sociólogo francês Dominique Wolton. Lembremos que uma pandemia de notícias mal formuladas também pode matar.
Tatiana Ferraz, jornalista.
Professora e coordenadora do Curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero.
Doutoranda do Programa de Pós-garduação em Saúde Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Membro da Oxford-Brazil EBM Alliance.
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