Tradutores: Tatiane B. Ribeiro, Maria Regina Torloni


 

 

RECOMENDAÇÃO

A eficácia da quarentena durante um surto viral depende do momento e da precisão do período de quarentena, bem como da capacidade dos indivíduos e profissionais da saúde seguirem os procedimentos de quarentena. As evidências atuais sobre a quarentena são limitadas, e as tendências de infecção pela COVID-19 levantam questões críticas sobre a eficácia da implementação dessa intervenção.

CONTEXTO

A pandemia COVID-19 de 2020 traz riscos para a saúde física das pessoas infectadas pelo vírus. No momento em que foi escrito este texto, o número de casos confirmados havia ultrapassado a marca de 1 milhão. Em 22 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um documento atualizado para incentivar os estados membros a aumentar seu nível de preparo para lidar com a COVID-19.

Os países são aconselhados a usar procedimentos rigorosos de quarentena para os casos individuais de COVID-19. Os países com grupos de contaminados ou surtos maiores do vírus são encorajados a “implementar planos de resiliência para toda a sociedade, de redirecionamento do governo, em relação à continuidade dos negócios e serviços comunitários”. Até a data da publicação deste trabalho, mais de 80 países impuseram proibições de viagens ou procedimentos de quarentena em resposta ao surgimento da COVID-19.

O que é uma quarentena?

O conceito de ‘quarentena’ está fundamentalmente incluído nas práticas de saúde globais e locais e na cultura, atraindo maior interesse durante episódios de epidemias inferidas ou epidemias verdadeiras.

Segundo a OMS, a quarentena de pessoas é a restrição de atividades ou a separação de pessoas que não estão doentes, mas que podem ter sido expostas a um agente infeccioso ou doença, com o objetivo de monitorar seus sintomas e garantir a detecção precoce dos casos.

A quarentena é diferente do isolamento, que é a separação de pessoas doentes ou infectadas de outras para prevenir a propagação da infecção ou contaminação. O início da quarentena, de acordo com a OMS: “tem como objetivo retardar a introdução da doença em um país ou área ou pode retardar o pico de uma epidemia em uma área onde a transmissão local está em curso, ou ambos”.

Os parâmetros de quarentena para o vírus COVID-19 incluem o isolamento durante um período que se inicia 2 dias antes e vai até 14 dias após o início dos sintomas de uma pessoa com doença confirmada em laboratório. Os países adaptaram esta recomendação e pedem que os viajantes  que observem uma auto quarentena de 14 dias ao chegarem de um país estrangeiro.

A orientação da OMS também recomenda providências de conforto físico incluindo ventilação adequada, instalações higiênicas, distância social de pelo menos 1 metro entre todas as pessoas em quarentena, fornecimento de comida e água, acesso à internet, notícias e entretenimento se possível, e apoio psicossocial.

 

Para o COVID-19, as pesquisas atuais sugerem que o período típico de incubação é de cerca de cinco dias e que cerca de 99% das pessoas infectadas irão desenvolver sintomas em 14 dias.

 

EVIDÊNCIA ATUAL

Um estudo transversal de 2011 sobre o H1N1 examinou as práticas de quarentena e as barreiras à sua eficácia na Austrália. Em uma amostra de 297 participantes, 90% dos entrevistados relataram compreender o que deveriam fazer durante a quarentena e 10% relataram que não haviam entendido o que fazer. A conformidade às recomendações foi de 55% (n = 147) no primeiro grupo, comparado a  35% (n = 11) no segundo grupo. A conformidade foi maior nas casas onde os moradores entenderam o que deveriam fazer (Odds Ratio 2,27, IC 95% 1,35-3,80).

Um estudo observacional de 2005 sobre a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) concluiu que as medidas de quarentena em larga escala implementadas em Taiwan levaram a uma redução significativa no tempo entre o início da doença até o diagnóstico de todos os doentes (1,2 dias vs. 2,9 dias para quem não estava em quarentena).

 

Em uma revisão de 2001, médicos e cientistas nos EUA avaliaram os possíveis benefícios de uma quarentena em larga escala contra o risco do bioterrorismo. Seus achados apoiam outras estratégias ao invés da quarentena, que seriam mais defensáveis do ponto de vista médico, teriam maior probabilidade de conter efetivamente a disseminação de doenças, seriam menos desafiadoras de implementar e menos propensas a gerar consequências adversas não intencionais. Antes de decidir adotar uma quarentena, os autores sugerem que se faça as seguintes perguntas:

  1. As análises médicas e de saúde pública justificam a imposição de quarentena em larga escala?
  2. É viável implementar e manuter a quarentena em larga escala?
  3. Os benefícios potenciais da quarentena em larga escala compensam as possíveis consequências adversas?

 

Os autores de uma revisão rápida (2020)  analisaram dados de 14 estudos para avaliar a aderência aos procedimentos de quarentena. Nos nove estudos com dados quantitativos, as taxas de aderência dos indivíduos em quarentena variaram de 0% a 93%.

 

EVIDÊNCIAS EMERGENTES NA COVID-19

A recente modelagem realizada pelo Imperial College incluiu a quarentena doméstica como uma intervenção chave para mitigar o aumento da infecção. Os pesquisadores definiram uma quarentena domiciliar em resposta à identificação de um caso sintomático no domicílio, onde todos os membros do domicílio permanecem em casa por 14 dias. Seus pressupostos sugeriram que as taxas de contato doméstico dobrariam durante o período de quarentena, mas os contatos na comunidade teriam uma queda de 75%, se 50% dos domicílios aderissem à essa prática.

 

O caso da Itália destaca, no entanto, alguns desafios com a eficácia das práticas de quarentena atuais e o número de 14 dias. O Ministério da Saúde da Itália emitiu um comunicado público “Covid-19: “Novas medidas de quarentena obrigatória e vigilância ativa” em 21 de fevereiro de 2020. Além disso, um confinamento nacional entrou em vigor em 8 de março de 2020. A evolução dos casos na Itália ainda está aumentando (veja Figura 1).

Figura 1. Casos ativos da COVID-19 na Itália

Fonte da imagem: https://www.worldometers.info/coronavirus/country/italy/

Em um artigo recente, médicos italianos expressaram preocupação com as práticas de quarentena nas unidades de saúde: “Os hospitais são realmente um lugar delicado em epidemias: eles reúnem pessoas frágeis que podem ser expostas ao vírus e depois voltam para a comunidade, espalhando assim a infecção”. Os autores italianos expressam preocupação com a escassez de dados para apoiar o número de dias de quarentena, e sugerem que os pacientes em quarentena em unidades de cuidados críticos correm um risco adicional de infecção pelos equipamentos de respiração.

 

Novos dados do caso: Itália, Coréia do Sul e Suécia

Se os esforços de quarentena de 14 dias forem eficazes, o número de casos recém-infectados por dia deve diminuir duas semanas após a implementação da quarentena. Porém, devido à variação atual nas práticas de fazer testes, é impossível entender se o número de casos diários atingiu seu pico. O número de casos notificados na Itália, a partir de 1 de abril de 2020 estão em níveis semelhantes aos de 18 de março de 2020 (ver Figura 2).

Figura 2. Número de novos casos diários de COVID-19 na Itália (2020)

Fonte da imagem: https://www.worldometers.info/coronavirus/country/italy/

Na Coréia do Sul, qualquer cidadão chegando da região de Wuhan era obrigado a observar uma quarentena de 14 dias sob rigorosa vigilância. Uma política interna de quarentena foi adotada em 26 de fevereiro, com uma nova emenda  em 3 de março para permitir o teste, a quarentena e o tratamento de indivíduos suspeitos de terem COVID-19, e se recusassem, estes seriam processados. A Coréia do Sul também incentivou e disponibilizou testes rápidos do vírus. No dia 20 de março de 2020, o país impôs testes aos viajantes que chegassem ao país a partir de 22 de março de 2020; e uma quarentena de 14 dias para qualquer visitante que chegasse à Coréia do Sul a partir de 1º de abril de 2020. A trajetória de casos da Coréia do Sul (ver Figura 3), indica um surto de novos casos durante a semana de 27 de fevereiro a 5 de março. A partir de 11 de março de 2020, uma redução mantida nos novos casos aparece na Coréia do Sul.

Figura 3. Número de novos casos diários de COVID-19 na Coréia do Sul (2020)

Fonte da imagem: https://www.worldometers.info/coronavirus/country/south-korea/

Em contraste com a rigorosa aplicação da quarentena com vigilância e testes rápidos por parte da Coréia do Sul, o governo sueco emitiu regras de conduta para residentes e viajantes, impedindo controles de saúde ou medidas de quarentena para “evitar o uso de recursos por pouco ou nenhum efeito”.

Desde 30 de março de 2020, a agência de saúde pública da Suécia recomenda testes para dois grupos: pacientes hospitalizados, ou pessoas que trabalham em cuidados de saúde ou idosos, com suspeita de COVID-19. As autoridades de saúde pedem ao público para reduzir o contato com outras pessoas quando doentes e recomendam auto-tratamento em casa, caso apareçam sintomas sugestivos de coronavírus. Os novos casos diários de COVID-19 na Suécia diminuíram de 621 para 312 de 2 a 4 de abril de 2020 (veja Figura 4).

 

Figura 4. Número de novos casos diários de COVID-19 na Suécia (2020)

Fonte da imagem: https://www.worldometers.info/coronavirus/country/sweden/

Como cada país responde de forma diferente à COVID-19, é vital que sejam realizadas pesquisas neste surto atual para abordar algumas das questões não respondidas sobre a eficácia da quarentena, incluindo: momento, procedimentos de implementação, adequação e custo-benefício.

 

Limitações importantes para os leitores: Os dados epidemiológicos da COVID-19 são altamente variáveis e incertos. A falta de testes (para identificação da doença) em vários países significam que o número de casos e as taxas de infecção podem ser subestimados ou que os dados estejam distorcidos. (Veja: Taxas de Fatalidade de Casos da COVID-19)

 

CONCLUSÃO

Os vírus não viajam, as pessoas sim. Desta forma, intuitivamente, esperamos que a imposição de barreiras espaciais físicas funcionem para erradicar a infecção. Porém, a eficácia da quarentena durante um surto viral depende do momento e da precisão do período de quarentena, bem como da capacidade dos indivíduos e profissionais de saúde seguirem os procedimentos de quarentena. A base atual de evidências é limitada, e as tendências de infecção pela COVID-19 levantam questões críticas sobre a eficácia da implementação da quarentena.

 

Declaração: este artigo não foi revisado por pares; não deve substituir o julgamento clínico individual e as fontes citadas devem ser verificadas. As opiniões expressas nesse comentário são as opiniões dos autores e não necessariamente as da instituição anfitriã, do National Health Service (HHS), do National Institute for Health Research (NIHR) ou do Departamento de Saúde do Reino Unido. As opiniões não substituem a orientação profissional de um médico.

 


Estratégia de busca

A estratégia de busca rápida fpi rodada nas bases de dados MEDLINE, Cochrane Library e Google Scholar (first 100 references). Termos: (“infect”[All Fields] OR “infectability”[All Fields]) OR “infectable”[All Fields]) OR “infectant”[All Fields]) OR “infectants”[All Fields]) OR “infected”[All Fields]) OR “infecteds”[All Fields]) OR “infectibility”[All Fields]) OR “infectible”[All Fields]) OR “infecting”[All Fields]) OR “infection s”[All Fields]) OR “infections”[MeSH Terms]) OR “infections”[All Fields]) OR “infection”[All Fields]) OR “infective”[All Fields]) OR “infectiveness”[All Fields]) OR “infectives”[All Fields]) OR “infectivities”[All Fields]) OR “infects”[All Fields]) OR “pathogenicity”[MeSH Subheading]) OR “pathogenicity”[All Fields]) OR “infectivity”[All Fields]) AND (“j rehabil assist technol eng”[Journal] OR “rate”[All Fields])) AND (((((“virally”[All Fields] OR “virals”[All Fields]) OR “virology”[MeSH Terms]) OR “virology”[All Fields]) OR “viral”[All Fields]) AND (((((“pandemic s”[All Fields] OR “pandemically”[All Fields]) OR “pandemicity”[All Fields]) OR “pandemics”[MeSH Terms]) OR “pandemics”[All Fields]) OR “pandemic”[All Fields]))) AND ((((“quarantine”[MeSH Terms] OR “quarantine”[All Fields]) OR “quarantines”[All Fields]) OR “quarantined”[All Fields]) OR “quarantining”[All Fields]) AND ((((“review”[Publication Type] OR “review literature as topic”[MeSH Terms]) OR “review”[All Fields]) OR ((“clinical trial”[Publication Type] OR “clinical trials as topic”[MeSH Terms]) OR “clinical trial”[All Fields])) OR “RCT”[All Fields]) OR ((((“cross-sectional studies”[MeSH Terms] OR (“cross sectional”[All Fields] AND “studies”[All Fields])) OR “cross sectional studies”[All Fields]) OR (“cross”[All Fields] AND “sectional”[All Fields])) OR “cross sectional”[All Fields]).

 

FONTES DE INFORMAÇÃO

Todas as fontes de evidência utilizadas nesta revisão estão disponíveis através dos hiperlinks acima.

 

Link para o original: https://www.cebm.net/covid-19/is-a-14-day-quarantine-effective-against-the-spread-of-covid-19/

 

Deve ser citado como: Oxford COVID-19 Evidence Service. Marcy C. McCall, David Nunan, Carl Heneghan. Is a 14-day quarantine effective against the spread of COVID-19?. https://www.cebm.net/covid-19/is-a-14-day-quarantine-effective-against-the-spread-of-covid-19/