Tradutor: Paulo Nadanovsky,  Rachel Riera


 

A taxa de mortalidade é um fato; qualquer coisa além disto é uma inferência.  William Farr (1807 – 1883)

Os leitores estão bem cientes sobre nossa tendência de olhar para trás no tempo para nos ajudar a ver o que vem depois. Entender a contribuição de William Farr para os surtos é crucial para entender a nossa saída desta pandemia.  William Farr, um epidemiologista e um dos primeiros estatísticos do Reino Unido, reconheceu a importância de analisar as estatísticas de morte e atribuir causalidade. Estas estatísticas vitais estabeleceram como analisar mortalidade e epidemias. Em uma carta ao “Registrar General” (Chefe do Registro Geral do Reino Unido), em 1840, Farr expôs suas teorias sobre a epidemia da varíola. Suas observações definiram nosso pensamento atual sobre a epidemiologia das infecções.

 

Farr mostrou que as epidemias sobem e descem seguindo uma curva em forma de sino (uma distribuição normal).

 

 

Farr nos mostra que, uma vez atingido o pico da infecção, então ele seguirá aproximadamente o mesmo padrão simétrico na inclinação descendente. Entretanto, sob testes e variações nos regimes de testes significa que não temos como saber quando ocorreu o pico da infecção.

Nesta situação, devemos utilizar os dados sobre mortes para prever o pico.  Há um intervalo de tempo previsto entre a infecção e as mortes por COVID de aproximadamente 21 a 28 dias.

Uma vez atingido o pico de mortalidade, devemos trabalhar no pressuposto de que a infecção já começou a cair nas mesmas etapas progressivas. Usar as mortes como modelo para a queda das infecções facilita o planejamento dos próximos passos para a reabertura daquelas sociedades que se encontram em confinamento.

Farr também explicou o problema da densidade na preservação da saúde e da vida.

 

Em situações de alta densidade, o curso da infecção pode ser prolongado; a mortalidade pode ser prolongada em populações confinadas (por exemplo, em asilos e hospitais), particularmente se o distanciamento não for possível e se não forem instituídas medidas rigorosas para prevenir a infecção num momento posterior. No surto da SARS, a falta de instalações de isolamento permitiu a infecção de pacientes internados nas mesmas enfermarias por outras razões: muitas internações – como é o caso agora – não apresentavam sinais típicos da SARS, o que levou a um agravamento do controle da infecção.

Na segunda fase do surto de 2002-3 em Toronto, a transmissão ocorreu principalmente dentro dos ambientes dos serviços de saúde. Os trabalhadores dos hospitais foram colocados sob quarentena de 10 dias, evitando locais públicos, contato próximo com amigos e familiares, e usavam máscara sempre que o contato público era inevitável para evitar a transmissão.

Farr também ilustrou que aqueles que são os mais “mortais morrem”, e em uma pandemia são aqueles que mais precisam de proteção.

 

 

Em meio a uma pandemia, é fácil esquecer a Lei de Farr, e pensar que o número de infectados vai continuar aumentando, mas não vai. Da mesma forma que as medidas introduzidas para prevenir a propagação da infecção foram rapidamente introduzidas, precisamos reconhecer o ponto no qual devemos abrir a sociedade e também as medidas especiais devido à “densidade” que exigem considerações especiais.

Mas acima de tudo, devemos lembrar a mensagem que Farr nos deixou: ‘o que sobe tem que descer’.

 

Covid 19 – uma nota sobre o nosso uso de material histórico

Muitos de nossos leitores podem pensar que algumas das figuras históricas e fundadoras de nossas disciplinas, as quais citamos em nossos blogs, são pioneiros que enxergam e sabem tudo.

Isto é uma blasfêmia e não é de forma alguma a nossa visão. Às vezes, até mesmo gigantes como William Farr se enganam totalmente.

Farr era ‘anticontagionista’, um daqueles cientistas da era vitoriana que achavam que os miasmas produzidos pelo esgoto, lixo e sujeira eram a causa das doenças transmissíveis. Talvez uma das imagens mais icônicas dessa teoria seja a pirâmide de Farr representando os casos de cólera por subúrbios de Londres de acordo com a altura da habitação. (Farr W. Cólera na Inglaterra,-1844-49).

A pirâmide mostra a incidência de mortes por cólera em Londres em relação à altura da moradia. Quanto mais altas as moradias, menor o número de mortes.

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A inferência é que o ar bom (buonaria) protegia (ou não causava cólera), o que o ar ruim (malária, perto do Tamisa) fazia.

Esta inferência era errada porque o confundidor era a pureza da água, o que a tornava menos susceptível de se contaminar pela cólera e era diferente em qualidade nos subúrbios mais altos e mais ricos de Londres.

Logo, Farr se enganou neste caso, mas as consequências de sua inferência errada foram positivas, pois contribuíram para o movimento de saneamento que levou à limpeza das ruas e à construção de esgotos bem longe das redes de água.

A mensagem é simples: pense sempre em uma explicação alternativa para suas observações.

Tom Jefferson é um tutor associado sênior e pesquisador honorário, Centro de Medicina baseada em Evidência, Universidade de Oxford. Declaração de transparência está aqui.

Carl Heneghan é Professor Titular de Medicina Baseada em Evidência e Diretor do Centro de Medicina Baseada em Evidência. Declaração de transparência está aqui.